A luz do sol bate em meus olhos quando acordo, e eu sou obrigada a virar no sofá. Metade do meu cérebro ainda está adormecido, mas eu sinto um cobertor sobre mim e sei que não levantei para buscá-lo.
Quando abro os olhos, posso ver minha mãe, encolhida do outro lado do sofá, adormecida. Ela parece mais velha, mais cansada. Seus olhos inchados tem olheiras visíveis mesmo fechados e sua pele adquiriu mais rugas do que deveria ter. Seu cabelo está uma bagunça. Ela não parece se importar em cuidar dele, não mais.
É um dos dias que ela não fará nada além de dormir, e pensar demais quando acordar. Um dos dias terríveis que costumamos atravessar trocando no máximo 5 palavras. Meu estômago se contorce apenas com a possibilidade de passar por mais um dia assim.
Eu não vou, lembro, repentinamente, vou visitar Camila.
Me arrasto para fora do sofá e jogo o cobertor que estava sobre mim em seus ombros. O sono dela é tão pesado nesses dias em que ela tira para recuperar as poucas energias, que consigo fazer toda a minha higiene matinal, preparar seu café da manhã, e organizar a cozinha, e quando volto a sala, ela não moveu um músculo.
Nessas horas, a Lauren que eu costumava ser entra em conflito com a Lauren que eu não reconheço. Quero me inclinar e abraçá-la, e beijar seu rosto. Mas não faço isso há tanto tempo... a ideia parece difícil. Saio antes que possa ceder, esperando que ela tenha um bom dia.
Atravesso o espaço do meu quintal para o quintal dos Cabello rindo baixinho quando boas memórias voltam. Era o melhor momento do meu dia. Quando eu pisava no quintal ao lado e sabia que estava indo vê-la. Quando nós nos abraçávamos e corriamos para dentro de mãos dadas para aproveitar o tempo juntas. Era tão intenso e importante dentro de nós. É estranho que eu sinta o mesmo depois de tanto tempo.
Quando bato na porta, ouço algumas vozes do outro lado, e o barulho de pés por perto. Logo, a porta é aberta e eu preciso olhar para baixo, para a pequena figura que me atendeu.
— Meus pais estão em casa e eu sei chamar a polícia — Ela anuncia, antes de qualquer coisa. Eu sinto meu coração apertar. É claro que ela não me reconhece. A última vez que tive algum contato com Sofia foi quando ela ainda era um bebê.
— Ei, oi. Você não tem que chamar a polícia. Eu sou amiga da sua irmã. Meu nome é Lauren Jauregui e eu moro bem aqui do lado — É engraçado estar dando informações pra uma garotinha. Ela me analisa cuidadosamente, dos pés a cabeça, e eu me ajoelho para ficar na sua altura, então os olhinhos castanhos se arregalam.
— AHHHHH. Você é a Lolo?
— Sim, eu sou a Lolo — Me esforço para sorrir da forma mais amigável possível para adquirir sua confiança. Mas algo no fato de saber que eu "sou a Lolo" parece ter deixado-a extremamente curiosa — Você acha que me conhece de algum lugar?
— Minha irmã...
Sofia sorri, sapeca, e passa dois dedinhos sobre os lábios como se fechasse um zíper. A curiosidade me consome. Eu preciso arrancar algo daquela pequena, mas antes que possa tentar, ouvimos uma voz vir de dentro.
— Certo, segurança Sofia, deixe a menina Lauren entrar — Sinuhe aparece de repente, enxugando as mãos no avental florido — Olá mocinha. Camila está esperando por você.
— Vem, Lolo. Eu vou levar até a Kaki, mas você tem que andar logo porque ela é muito dorminhoca e já deve ter voltado pra a cama. Um dia, a China e a Moni deitaram em cima dela e ela não acordou! E um dia...
Sofi conta pelo menos três histórias antes de chegarmos ao quarto, diminuindo o passo apenas para ter tempo de falar mais. Não tiro meus olhos daquela Camila em miniatura, da mão gordinha segurando a minha, do jeito que ela anda e fala até que chegamos ao quarto e ela estende a mão para bater na porta.
— Toc, toc, Kaki.
— Qual é a senha?
Sofi sorri quando ouve a voz da irmã, e limpa a garganta, como se fosse dizer algo muito complicado, mas o que sai dos seus lábios é algo simples e doce.
— Love only!
— Pode entrar!
A pequena empurra a porta e entra, e eu continuo ali achando adorável que ela tenha uma senha tão doce para entrar no quarto da irmã, até que volto a realidade quando ela fecha a porta para mim.
— S-Sofi?
— Qual é a senha, Lolo?
Wow. Isso é inesperado. Posso ver os olhinhos castanhos na pequena brecha da porta, esperando ansiosamente que eu diga a tal senha.
— L-Love only.Aquelas palavras são tão parecidas com Camila. É como se você pudesse definir toda a essência dela usando apenas essas duas palavrinhas. Amor, apenas. Amor pela vida. Amor por toda e qualquer coisa. Amor para curar o ódio. Amor.
E no fim, a senha é apenas uma preparação para o universo que existe no quarto dela. É como ir para outro mundo; o mundo dela. E no mundo dela existe amor, e apenas amor. Você não entraria no quarto de Camila Cabello sem amor, e se entrasse, não sairia sem. É assim que as coisas funcionam com ela. E é fascinante.
Sofi puxa a irmã pela mão até que ela esteja parada em minha frente e possa sentir minha presença. Eu fico ali olhando a lua em seus olhos, paralizada. Uma vez, quando nós éramos apenas crianças, fechamos nossos olhos e fingimos ser cegas por um tempo. Foi divertido. Nós podíamos espiar quando achávamos que íamos cair e parar de brincar quando ficássemos cansadas da escuridão. Nós nunca poderíamos imaginar o quão importante era isso.
A pequena Camila nunca poderia.— Bom dia, Lolo. Estou feliz que você veio — Cumprimenta, com um sorriso, tocando meu rosto com tanta delicadeza que eu quase não sinto. Ela está tão linda que um suspiro quase escapa. Usa um vestido azul bebê tão delicado que deixa-a parecendo uma boneca.
— Bom dia... Camz.
Camz. O apelido resgatado do passado soa tão bem. Tão doce. Camz. Doce como ela.
— Kaki, eu posso ir agora? Lolo está aqui com você. É que eu estava vendo um desenho e...
— Ei, é claro que pode — Camila ri, alcançando a mãozinha pousada em sua cintura e acariciando — Vai lá.
Depois de lançar um olhar significativo para mim - algo como "cuide bem dela" -, a pequena Cabello corre para fora do quarto, e nós só escutamos um rápido "te amo, Kaki" antes que a porta se feche.
Camila sorri. Continua sorrindo. Eu continuo olhando a lua. Me pergunto se isso é tudo que fugi de casa para fazer. Mas não. Ela é extraordinária.
— Vem, Lo. Temos que começar.
Eu deveria perguntar o que vamos começar? Deveria. Mas quando ela estende a mão, procurando pela minha, eu desisto de perguntar ou relutar. Está tudo bem.
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La Vie
RomanceCamila e Lauren se reencontram em um hospital, depois de oito anos. As duas estão doentes, e o tempo está passando mais rápido do que deveria. Mas sempre há mais tempo. Tempo de consertar; tempo de amar. E essa é a vida.