Camila está de pé, erguida nas pontas dos pés, como se estivesse prestes a rodar e dançar, mas não faz nada disso. Só balança levemente, se movendo com o vento.
- Camz? - Chamo da porta, tremendo por algum motivo - Eu... Eu voltei. Sofi precisou ficar porque vai receber uma amiga. Eu p-posso chamar ela se você quiser, só vim checar e...
- Você não tem que se explicar. Não pra mim, Lo - Ela ri, fraco. Não é uma risada de felicidade. Parece uma risada que diz "eu não acredito no que você está fazendo".
- Me desculpa - Suspiro, fechando a porta e me encostando nela. Isso dá uma dica para a latina de onde eu estou. Ela vem até mim. Respire, Lauren. Sua mão está estendida, provavelmente para que eu pegue quando estiver perto. E eu pego. Ela pode sentir o quão trêmula eu estou. Ela pode sentir qualquer coisa.
- Muitas coisas aconteceram com você nesses anos, não é, Lo? Coisas ruins. Você ficou triste por tanto tempo que a tristeza achou que tivesse permissão pra morar em você, aqui dentro - Ela bate de leve em meu peito, e é como se fosse exatamente onde dói. Suas palavras causam uma dor suave, como se ela me batesse com uma pena - Eu sei disso porque você mudou. Pessoas mudam quando dói por tempo demais. Mas ei, eu ainda sou a mesma Camz. Um pouquinho maior. E você pode ser a mesma Lolo quando estiver comigo. Tá?
- Eu acho que eu a perdi no caminho, Camz. M-Mas você sempre consegue me guiar de volta até ela... de alguma forma.
Que gay. Aposto que meu rosto está totalmente vermelho agora. E o fato de ela não me ver não resolve muito, desde que seus dedos estão tocando meu rosto suavemente. Tocando bem nos pontos onde eu sinto que está quente. E ela sorri, mordendo o lábio. Será que ela sabe que isso é... enlouquecedor?
- Vamos trazer ela de volta. Ok? Eu e você. Vamos planejar.
Eu não sei bem o que ela quer dizer com "planejar", mas sei que preciso esperar para ver, como sempre. Depois de pegar um lápis e um caderno, levo-a até o gramado na frente da casa, seguindo suas instruções, e nós nos deitamos na grama. Ela, de barriga para cima, e eu, de bruços, para conseguir escrever.
- Agora que eu segui todas as suas ordens sem dizer uma palavra, mesmo sem ter recebido uma explicação decente, será que eu poderia, finalmente, receber a tão esperada explicação decente?
- Foram instruções. Você é minha guia.
- Desde quando?
- Desde que você gosta disso - Camila sorri. Xeque-mate. Aquele sorriso de canto, aquele olhar desafiador que ainda me atinge mesmo não sendo direcionado a mim. Eu não vou conseguir - Não é, Lo?
Eu poderia beijá-la bem ali. Eu poderia beijá-la no gramado, debaixo de um céu azul. Eu gosto dela. Ela é irremediavelmente apaixonada por mim. Seus lábios estão tão perto, eu só precisaria me inclinar. Mas por algum motivo, meus lábios tocam apenas sua bochecha. Eu posso sentir o calor, a surpresa, posso sentir tudo, só por beijar sua bochecha. E me faz sorrir o quão peculiar é o ritmo das coisas com Camila.
- Vamos planejar, Camz - Digo, com um sorriso quase rasgando meu rosto. E é preciso muita força de vontade para que eu me afaste para encarar a folha de papel. Camila também parece ter dificuldades de se recompor por alguns minutos. Xeque-mate.
- Tá. Enfim. Vamos fazer uma lista de coisas para trazer a Lolo de volta. Nós precisamos destruir os seus fantasmas. Eu sei que soa assustador, mas é como... como arrancar o band-aid.
- E quais são... meus fantasmas?
- É o que mais dói, Lo. As cicatrizes. Os fantasmas se escondem nas cicatrizes, e você tem que cutucar pra que eles fujam. Mesmo que doa.
Mordo o lábio, rabiscando o canto da folha. Quando você tem cicatrizes, a última coisa que você quer é cutucá-las. A proposta não é lá muito atraente. Mas às vezes, quando você tem um buraco dentro do peito, e uma garota incrível tentando ajudar, você pode pensar em tentar. Então eu respondo:
- Minha mãe. Quem ela se tornou depois que meu pai se foi. Eu queria que ela não trabalhasse tanto. Eu queria que nós agissemos como... como uma família - Espero que ela diga algo, mas Camila permanece em silêncio, ouvindo atentamente. Ela sabe. Há muito sufocado - Eu tenho esses medos loucos de tudo. Eu tenho medo de perder tudo de uma hora pra outra como eu perdi uma vez. Medo de morrer e medo de viver. Isso nem faz...
- Faz todo o sentido do mundo, Lo. Continue.
É difícil falar agora, com o nó na garganta e as lágrimas lutando para cair. Mas ela está olhando pra mim, mesmo que não esteja me vendo. E está me ouvindo, não apenas escutando. Se há um momento para falar, é esse. Desabo. Conto sobre todos os meus medos e inseguranças desde que tudo virou de cabeça pra baixo. Digo tudo e pela primeira vez não me importo de estar chorando e soluçando, nem em filtrar cada palavra por medo. Eu não tenho medo dela. Camila pede que eu anote de vez em quando e, depois de um tempo, ela mesma tem que anotar, o que faz com que a "lista" vire um mar de frases e palavras espalhadas.
- Temos que organizar isso - Digo, com uma voz de quem chorou muito. Estamos sentadas na grama agora, e graças aos meus soluços, Camila me encontra, e me puxa para que eu fique de pé.
- Outro dia. Está entendível hoje. E eu estou orgulhosa de você... eu espero que um dia você fique tão orgulhosa de você quanto eu estou.
- Tudo vai embora, menos essas coisas. Por que, Camz?
Ela não responde. Talvez porque saiba que não precisa. Só me abraça com força. E talvez seja o shampoo de banana ou a forma como ela desliza a mão aberta por minhas costas, mas os monstros dentro de mim se acalmam, gradativamente. Eu sei que eles não se foram. Mas por enquanto, é mais do que o suficiente.
Nós voltamos para dentro depois de um tempo. Minha maior vontade é correr e me esconder até que o inchaço em meu rosto diminua, mas preciso ir devagar com Camila. Eu sou a guia. Então vamos devagar pela escada, até o seu quarto.
- Ei, Lo. Eu sei que você provavelmente não está com sono e quer fazer algo mais interessante do que dormir, mas o... bem, o câncer, me deixa realmente cansada e idosa. Então... huh...
- V-Você quer que eu te deixe dormir?
- Eu quero que você durma comigo. Você nem precisa dormir. Só fique... por perto. Por favor.
Suas bochechas estão adoravelmente coradas. Eu costumava ser a que fica vermelha. Percebo que dessa vez, não é ela quem vai fazer algo. Então puxo-a pela mão até a cama. Ficamos ali deitadas e é estranho porque ela sempre me agarrava como um bebê coala. E agora estamos apenas deitadas lado a lado, em silêncio.
- Lolo... - Aquela voz. Eu sabia que havia algo incomodando. Faço um som nasal para que ela continue - Você disse que tudo vai embora. Eu... Eu não vou embora, tá? Eu não quero ir.
Não há absolutamente nada que eu possa dizer ou fazer. Eu acredito nas palavras dela. Mas uma parte disso não depende de nenhuma de nós.
- Vem cá, Camz - Chamo baixinho, porque é tudo que eu posso fazer. Ela se aproxima rápido, e me abraça, se transformando na pequena Camz, me transformando devagar na pequena Lauren. Por um momento, estamos curadas.
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La Vie
RomanceCamila e Lauren se reencontram em um hospital, depois de oito anos. As duas estão doentes, e o tempo está passando mais rápido do que deveria. Mas sempre há mais tempo. Tempo de consertar; tempo de amar. E essa é a vida.