Camila teve que dormir em minha casa aquela noite. Tentamos acordá-la, mas não funcionou, e minha mãe não quis que Alejandro viesse buscá-la.
"Elas sempre dormiram juntas. É como nos velhos tempos" explicou, no telefone.
Só que agora era diferente. Nós ainda nos dávamos bem como antigamente, e essas coisas. Mas o que nós sentíamos era diferente. Dividir a cama com ela me tirou o sono. Deixou meu coração batendo rápido e minhas mãos suando, cada vez que ela respirava, e o ar quente batia no meu pescoço. E quando ela acordou, nós conversamos, baixinho, rindo de coisas bobas, como um casal recém casado. E então eu fui deixá-la em casa, flutuando, achando tudo bom demais pra ser verdade.
Aquilo deve ter sido uma preparação. Como um momento de paz antes do caos. Porque depois disso, tudo começou a desabar.
Começou com as fraquezas. Camila passou um dia inteiro deitada, com um sono que parecia não ter fim. Ela nem conseguia falar direito, mesmo tentando muito para não nos deixar preocupados, só balbuciava alguma coisa e voltava ao sono profundo. O sono continuou por mais um dia e meio, em que ela quase não conseguia comer sem cair deitada de novo. Mesmo sem sono, parecia estar cansada demais para fazer qualquer coisa. E as falhas de memória, oh, como elas nos faziam chorar. Mas aguentávamos firme, ao lado dela. Nesses dois dias e meio, minha mãe e tia Sinu se aproximaram, quase como antes, mas minha mãe ainda tinha algumas travas. Eu podia vê-la deixando todas elas, devagar. E Sinu era paciente com ela, como Camila foi comigo.
Depois do meio dia, Camila se agitou um pouco, e saiu do quarto. Nós comemoramos - nós, porque eu e minha mãe estavamos quase morando com os Cabello - e ela sorriu como antes, adorável, fazendo meu coração doer. Passamos um tempo conversando com ela; Sofia não conseguiu soltá-la um minuto, de saudades. E nós não tirávamos nossos olhos dela, escutando as palavras lentas e a voz cansada. E eu espero que tenha se sentido amada naqueles minutos. Espero que tenha sentido o quanto importa pra nós. Espero que tenha sentido isso antes de desmaiar.
A próxima semana foi um borrão cinzento. Foi como se todos nós tivéssemos sido pegos desprevinidos por um furacão que arrastou nossas vidas para outro mundo, escuro e doloroso. Ver Camila de volta ao hospital, internada, me fazia pensar que se uma ampulheta representasse o tempo dela, era como se tivesse sido balançada com força, só para que o tempo passasse mais rápido. Eu vi as coisas ao meu redor se apagarem devagar enquanto ela estava no hospital, sendo observada e submetida a mil e um exames. Vi as piadas de Dinah desaparecendo. Vi a fé de Ally vacilando, e o sorriso de Normani também. Vi as olheiras nos belos olhos de Sinu, e também de Alejandro, e da minha mãe. E vi a pequena Sofia chorando e soluçando, tão alto que despedaçou meu coração.
Mas ele se reconstruiu de novo, e de novo. Todas as vezes que Camila sorriu pra mim e se esforçou para me dar um selinho de repente, eu me reconstrui, para tentar ser inteira e somar com seu inteiro. E nós, as pessoas que estavam em volta dela, nos reconstruíamos juntos. Nós nos demos as mãos para evitar que a tristeza nos leve. Nos ajudamos.
Ouvimos todos juntos o Doutor dizer "É só o tempo, fazendo o que faz. Iniciar um tratamento iria acelerar as coisas. Eu sinto muito, só podemos esperar." Choramos juntos. Era minha primeira vez em anos fazendo tanto junto com outras pessoas. Fazendo parte. E apesar da dor, eu me senti acolhida.
Fiquei próxima das meninas como nunca achei que ficaria. Elas me apoiaram e estiveram por perto o tempo inteiro. Ouvindo desde as novidades ao choro que parecia não ter fim. Elas eram um pedacinho de Camila e eram elas mesmas, me fazendo sentir melhor, menos solitária.
O tempo passou, e as férias acabaram. Camila não voltaria comigo, e isso me deixou desesperada por um tempo. Mas agora, não seria horrível como antes. E mesmo se fosse, eu teria amigas e um lugar nos braços de uma garota para voltar todos os dias.
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La Vie
RomanceCamila e Lauren se reencontram em um hospital, depois de oito anos. As duas estão doentes, e o tempo está passando mais rápido do que deveria. Mas sempre há mais tempo. Tempo de consertar; tempo de amar. E essa é a vida.