17. call

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Minha mãe me olha estranho quando chega do trabalho e me vê plantada ao lado do telefone da sala.

- Oi - Eu digo, em um tom que quase implora para que ela não pergunte. Mas..

- Oi. Esperando uma ligação?

Meu corpo estremece com o seu olhar sugestivo, mas logo ela desvia, cansada demais para me interrogar. Por um segundo, quero que ela pergunte. Quero que ela seja como uma mãe normal e faça mil perguntas, que se preocupe, quero que não esteja tão cansada que não pode se importar com a própria filha. Mas logo eu encolho meus ombros e me lembro. É sempre assim, desde que papai se foi. Nós somos estranhas.

- Você está com fome? - Clara pergunta, de repente - Estou exausta, pode me esperar tomar um banho? Farei a janta logo...

- Na verdade, eu acho que... vou me deitar. Estou um pouco cansada.

- Como foi seu dia?

Sinto algo vindo pela garganta, arranhando. Uma ferida sendo aberta, rasgada. E antes que eu possa contar até dez, estou de pé, fervendo de raiva.

- Oh, você quer saber o que eu fiz durante o dia? Será que você quer saber mesmo ou vai fugir para o trabalho antes que eu termine? - Pare. Minha mente alerta. Ela não tem culpa, você sabe que não. Mas agora é tarde. É como as palavras que eu engoli estivessem escapando, sem controle, assim como as malditas lágrimas. Falar com ela sempre me deixa hiper sensível - Por que você não me perguntou como foi meu dia quando eu cheguei da escola cheia de hematomas? Por que você não me perguntou nada mesmo vendo minhas cicatrizes, mesmo me vendo no hospital, me vendo morrer, mãe.

A mulher parada na minha frente é feita de medo e dor, e pedidos de desculpas. Continuo ali enquanto ela cobre a boca com a mão e me olha, triste e cansada.

- Eu estou tentando, Lauren. Estou tentando desde que ele se foi. Você não vê? - Ela quase grita, agitando as mãos - Eu sei que você está sofrendo. Eu estou sofrendo por saber disso. Mas eu preciso trabalhar ou nós duas vamos afundar nisso. Não há escolha -Me calo. Eu não faço ideia de qual é a outra opção que temos, e não posso ajudar em nada. Talvez devesse ter me mantido calada desde o início. Minha mãe balança a cabeça negativamente várias vezes - Eu sinto muito por tudo isso. Mas nós não podemos mudar o que aconteceu. Tudo o que podemos fazer é nos manter de pé.

Depois disso, Clara apenas finge um sorriso e sobe as escadas até seu quarto. Eu a odeio por um minuto. Por não reagir. Por não me encorajar a reagir. Por permitir que fiquemos acorrentadas ao passado quando há alguém tentando me livrar disso. Alguém.

Encaro o telefone que não toca e depois a pulseira em meu pulso. Ela sempre liga.

Preocupação é a minha sina. Como não tenho coragem de ligar para a casa dela, a última opção vem a minha mente: meu celular. O aparelho estava desligado há alguns anos desde que eu decidi que não precisava mais manter contato com ninguém, e agora eu estava ali, procurando-o e ligando-o, só por ela.

Torço para que não tenha desaprendido a usar. Meu papel de parede ainda é uma imagem de várias flores vermelhas, e todas as antigas fotos e músicas ainda estão lá. Procuro o nome na agenda de contatos, torcendo para que não tenha apagado o número dela. Por favor, não, Lauren.

Quase salto quando leio o nome. CamEEla CabeYO. Está bem ali. Só espero que ela não tenha mudado de número. Decido que estou nervosa demais para ligar e falar, então mando uma mensagem.

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