Um dia, Camila disse que ia tanto para o hospital que nós nos mudaríamos pra lá. Acabou acontecendo cedo demais. Ela teve dor de cabeça um dia antes de voltarmos de Vermont, e a dor só foi aumentando, até estar insuportável quando chegou em Miami. É claro que só soubemos disso depois, quando ela teve uma terrível convulsão. Antes disso, manteve um lindo sorriso no rosto o tempo inteiro.
Eu aprendi sobre essas idas ao hospital. Quer dizer que o câncer está avançando. Ou dizendo "estou aqui". Agora, os médicos não a seguravam mais depois de exames simples para confirmar o que já sabíamos. Só nos explicam a situação de novo e de novo, e nos deixam ir. Não há mais nada para fazer além de levar uma Camila diferente para casa todas às vezes, para ouvir o tic tac. Mas dessa vez, mesmo depois dos exames, eles pediram que a deixássemos lá com um tom preocupado. Foi uma noite difícil para pessoas que estavam preparadas para passar a noite em claro em um quarto de hospital. Fomos para casa, deixando uma parte nossa lá, pensando que ela iria querer que fôssemos bons com nossas mentes. Esperando que fosse o certo a fazer.
Ela me diz que foi, quando finalmente consegue falar, quatro dias depois. Diz que o que fizemos foi o certo.
- É bom se colocar em p-primeiro... primeiro pla-no - Camila fala devagar, embolando um pouco as palavras. Vejo quando a mão que faz cafuné em Sofia se move involuntariamente - A-Agora estamos todos... estamos todos be-em.
Sofi levanta a cabeça e olha para a irmã com os olhinhos preocupados. Como se soubesse, Camila segura seu rosto.
- N-Não se p-preocupe, mi-minha fadinha. A i-rmã está b-bem. Só meio... tr-trêmula - Ela balança a cabeça rápido, em um movimento involuntário.
- E por que você tem essas coisas de se mexer de repente assim?
- V-Você lembra daq-quilo que aconteceu n-no aeroporto? E-eu tive uma... uma c-co...
Camz trava, parecendo ter perdido as palavras em algum lugar. Estendo a mão para apertar a sua antes de começar a falar.
- Uma convulsão, Sofi. Você sabe que o cérebro controla tudo, não é? Quando acontece uma convulsão, é como se acontecesse um curto-circuito lá, e então ele começa a dar sinais malucos e fazer com que várias partes se mexam sem querer. Entendeu?
Ela assente, parecendo pensativa. Um dia, tia Sinu me contou que era bem melhor explicar as coisas corretamente para as crianças do que tentar dar rodeios com metáforas. Essas coisas como "ele(a) viajou" sempre acabam deixando impressões erradas, ela disse. E então percebi que, quando meu pai morreu, por mais que me dissessem que ele havia viajado, ou estivesse adormecido, eu sentia algo diferente. Só não sabia o que, então não sabia o que sentir. Porque ninguém me explicou com as palavras certas por medo. Não tornou as coisas melhores. Não fez meu pai parecer mais vivo. Eu só esperava que fosse diferente para Sofi.
Olho para a ainda radiante Camila, que nos olha com um sorrisinho de canto. Um sorriso, quando está presa a um quarto de hospital, incapaz de controlar o próprio corpo para algumas coisas. Eu vejo a ampulheta na mesinha ao lado da maca, e depois de olhar por um tempo, tenho a leve impressão que a areia cai mais rápido. Sinto que estamos correndo em uma velocidade impossível, e eu consigo sentir meus pés machucados e meus joelhos quase cedendo. Mas ela sorri, e segura minha mão. Isso tira meus pés do chão, e faz o tempo desacelerar. É o suficiente.
...
Agora os dias passam correndo, e se arrastando ao mesmo tempo. Nunca havia notado o quão próximas são as festas de fim de ano do natal. Parece que não há tempo para tudo porque algo em mim quer passar todo o tempo no hospital. Me arrasto para a terapia, para casa, para a casa dos Cabello, para todos os compromissos, e então corro para o hospital. Não consigo nem pensar que as aulas voltarão em janeiro. Meu último ano. Não consigo entender agora porque é tão importante. Porque qualquer coisa fora daquele quarto é mais importante.
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La Vie
RomanceCamila e Lauren se reencontram em um hospital, depois de oito anos. As duas estão doentes, e o tempo está passando mais rápido do que deveria. Mas sempre há mais tempo. Tempo de consertar; tempo de amar. E essa é a vida.