34. hourglass

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Quarta-feira

Depois de horas de espera, depois de todos os exames para ver tudo o que já sabíamos, depois de Tia Sinu, Tio Alejandro e Sofi, é minha vez de ver Camila. Quase corro para a sala. Ela não está acordada, e provavelmente não vai acordar tão cedo. A doença está tomando conta. Foi isso que eu os ouvi dizer quando cheguei, desesperada. O desespero tomou conta. Foram longos minutos para que me acalmassem e me impedissem de ir até ela, e depois disso, longos minutos de um choro desesperado.

Olhando para ela agora, a quase anestesia que havia consumido meu corpo depois do choro pesado, desaparece para que as lágrimas possam cair de novo. Não há luz. Não há nada que me impeça de desabar.

- Não me deixe agora. Por favor, não agora... - Imploro, desabando. Seguro sua mão gelada entre as minhas, trêmulas - É tão injusto que tenhamos tão pouco tempo para amar. Eu não consigo entender. Eu não consigo mais ver com os seus olhos, não consigo ser luz como você. Sempre vou estar assim, pedindo mais algum tempo quando a vida quiser tirar você de mim. Eu preciso que volte para me ensinar que isso é a vida. Preciso que volte para me segurar e dizer que nenhuma de nós tem o controle e isso é algo bonito. Porque eu não consigo mais ver, Camz. Não consigo.

Deito a cabeça em seu peito, e choro até encharcar uma parte do fino lençol que cobre seu corpo. Ouço seu coração batendo, e me agarro a isso, em desespero. Não é a hora. Eu sinto que não. Antes que meus olhos pesados desistam de encará-la e de chorar, e minha mente desista de me manter acordada, sinto a mão delicada e gelada em minha nuca. Me agarro a sua vida. E durmo.

Quinta-feira.

Não fui para a escola. Passei o dia o mais próximo possível do hospital. Minha mãe veio me ver de manhã, e nós nos abraçamos com força e em silêncio por um bom tempo. Ela sabia. Agora ela sabia o que eu sentia. Ela precisou ir para o trabalho depois, mesmo com os olhos vermelhos de tanto segurar o choro. Deixou algum dinheiro para que eu pudesse comer, mas eu não tinha a menor vontade. O soco havia sido maior. Eu estava constantemente enjoada.

Os Cabello me levaram para uma lanchonete próxima, para tomar café da manhã. Fui apenas pela companhia, por ver que eles estavam tentando também, e o furacão também os atingia. A pequena Sofi não conseguia mostrar nem um sorriso. Só comeu seu waffle em silêncio, e passou o resto do tempo abraçada comigo.

Agora, eu estou na sala em que Camila está internada, com Sofia, e é minha parte favorita do dia, de alguma forma. Seus olhos estão abertos, mas ela não consegue falar. Só mover as mãos, bem devagar.

- Ela pode nos ouvir? - Sofi pergunta em um sussurro, com uma vozinha triste.

- Ela pode. Eu sei que é difícil, mas precisamos falar coisas boas perto dela, tentar deixá-la feliz. Ela pode sentir. Tudo bem?

A garotinha faz que não com a cabeça, e uma lágrima escorre por sua bochecha. E então eu entendo. Não há como fingirmos. Ela sente. Deixo que Sofi deite de um lado da maca e abrace a irmã, enquanto eu deito do outro para abraçar minha namorada. Nós duas choramos e eu posso sentir a mão gelada e trêmula de Camila em volta dos meus ombros. Ela está ali. E a tempestade vai passar. Não preciso ter medo de sentir a tempestade. Não preciso mais ter medo de sentir nada.

Sexta-feira.

No terceiro dia do tornado, encontro a pequena Sofia no sofá de casa quando chego da escola. Ela parece confusa e triste, mas fica feliz ao me ver. Minha mãe me explica que os Cabello deixaram a filha menor lá por aquela noite porque não queriam fazê-la passar tanto tempo no hospital. Eu quero correr para Camila. Quero falar com ela e esperar uma resposta como faço todas as noites. Mas penso em Sofia. Posso ver em seus olhos o quanto precisa disso. E talvez eu também precise. Então eu fico.

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