4 - puzzle.

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04:40am

"Corremos para dentro da barraca no quarto de Camila quando as vozes dos nossos pais ecoaram nos corredores, chamando nossos nomes. Ela não parava de rir e eu não conseguia parar de sorrir porque aquela era a risada mais adorável do mundo.

—Lolo, vão brigar com a gente.

Camila tentou parar a risada escondendo o rosto em meu pescoço. Funcionou. Depois de um tempo, estávamos nos encarando como sempre fazíamos. Como se ela pudesse ver minha alma e eu pudesse ver a sua. Nesses momentos, eu sentia como se tivessemos mais de 10 anos de idade. Como se aquela conexão existisse há bem mais tempo.

—Eu queria que nós pudessemos morar aqui, Camz. Não gosto de ir embora.

—Eu não gosto quando você vai, Lolo. Pede pra a sua mãe pra dormir comigo, vai.

—Eu pedi noite passada, Camz — Nós rimos juntas — Mas quando a gente for grande, eu vou dormir na sua casa todo dia. Tá?

A garota dos olhos castanhos pensou por um tempo, fazendo desenhos aleatórios em meu estômago, enquanto eu fazia o mesmo em suas costas. Esperei, sentindo o cheiro de shampoo de banana que vinha do seu cabelo, sentindo sua respiração ficar mais lenta. Esperei até que fosse tarde para perguntar:

—Vamos ficar juntas pra sempre, não é, Camz?

Ela não respondeu."

"As luzes da ambulância nunca mais seriam as mesmas. Eles colocaram meu pai lá dentro no último dia que eu o vi. E naquela noite gelada em que eu não conseguia dormir, vi quando colocaram minha melhor amiga. Eu corri para fora, sem me importar se meu pijama era bonito ou quente o suficiente. Eu só precisava vê-la. E eu vi.

Pálida. Imóvel como uma estátua de cera, mole como uma boneca de pano. Eu gritei. Eu gritei o mais alto que pude quando um enfermeiro fechou a porta e a ambulância começou a se mover, desesperada, caindo aos pedaços, rasgando ao meio, perdendo uma parte.

Uma vez, meu pai havia me dado um quebra-cabeça de presente. Quando montado, ele formava Monalisa. Eu montei e desmontei aquela imagem incontáveis vezes, admirando, me apaixonando, até que um dia, duas das peças sumiram. Eu não consegui identificar quais eram até que montasse o quebra-cabeça. Mas tudo estaria bem. Eram apenas duas peças.

Bem, eu achei que fossem.

Monalisa nunca mais sorriu. As peças que mostravam seus lábios tortos em um canto como se formassem um enigmático sorriso haviam desaparecido em algum lugar, e agora, os olhos pareciam mais tristes e vazios.

Duas peças. E todo o quebra-cabeça perdeu o sentido.

Era assim que eu me sentia enquanto a ambulância se afastava e desaparecia no fim da rua."

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