11 - camren box

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O quarto dela continua quase o mesmo. As paredes pintadas de azul bebê e uma única parede coberta por um papel de parede cheio de pequenas fadas azuis. A cama de solteiro bem ao lado de uma das janelas, abaixo da estante cheia de livros. A escrivaninha perto da segunda janela era uma novidade. Antigamente, aquele espaço costumava ser ocupado por brinquedos. Duas caixas de brinquedos, empilhadas. Ainda posso ver a pequena Lauren e a pequena Camila brincando ali, no tapete branco e felpudo no centro do quarto.

— Uma vantagem: não vou ligar se o quarto estiver bagunçado — Comenta, e ri sozinha logo depois.

— Estou rolando os olhos para você, Camila Cabello.

— Você sempre está rolando os olhos para algo, Lauren Jauregui. Vem cá.

Camila está tateando a escrivaninha quando me aproximo. Seus dedos funcionam rápido. Ela parece ter tanta facilidade de lidar com isso enquanto é tão difícil para mim entender. Eu gostaria de perguntar, mas minha garganta parece fechar-se quando quero falar algo. Ansiedade social. Um dos fantasmas.

A latina se ajoelha, ainda tateando a escrivaninha. Eu quero perguntar se ela precisa de minha ajuda. Mas é difícil. É tão difícil forçar-se a falar quando você precisa falar. Eu já havia deixado de ser gentil por medo de falar. Já havia deixado de responder perguntas que eu tinha a resposta, e já havia perdido a chance de conhecer pessoas.

— Em outro mundo, Jauregui?

Ela segura uma caixa de madeira decorada com algumas imagens de margaridas. Em cima da caixa, com letras grandes, meio tortas e feitas de giz nas cores de um arco-íris, posso ler "CAMREN". Meu ar vai embora.

— Não — Sussurro, colocando minhas mãos sobre as suas — Camz, não abre. Não abre. Por favor.

Estou tão trêmula agora, suando frio diante da caixa que costumava ter nossos desenhos, nossas fotos, e nossas cartas. Guardavamos algumas coisas também. Coisas que eu não sei se consigo ver sem voltar ao passado e ficar presa nele. Penso novamente se é uma boa ideia voltar a vida dela, antes de sentir sua mão sobre a minha.

— Eu estou aqui. Por favor, faça isso comigo. Eu quero abrir essa caixa e saber o que tem dentro e tem que ser com você.

Sim. Prometemos não abrir aquela caixa sem a presença da outra. Camila deve ter quebrado essa promessa uma vez para guardar tudo que eu abandonei. Mas só. Ela é leal. Depois de tudo, ela é leal.

— Tudo bem. Vamos abrir.

Foco meu olhar na saia rodada do vestidinho azul bebê estendida no tapete felpudo, tentando acalmar meus nervos. Nós estamos sentadas no tapete há quase dez minutos e ela ainda tenta abrir a caixa, sem sucesso.

— Ei. Preciso de ajuda. Eu não... enxergo — Pede, ainda se esforçando para encontrar a senha que abre a caixa. Eu não quero abrir, mas ela está tão agoniada, que minha única opção é me arrastar para o seu lado e ajudar. CJ9796. O cadeado abre com um estalo — Você lembra! Obrigada, Lo.

Quero responder, mas estou nervosa e concentrada demais em qualquer coisa que pode estar na caixa. No momento, só posso ver um monte de papel. Camila desliza os dedos para dentro da caixa, devagar, como se tivesse medo de alterar a ordem, e pega uma folha de papel. Me afasto quase que automaticamente. Não quero ver. Mas meu coração aperta quando vejo a decepção dela por não ver algo bem diante dos seus olhos, então sou obrigada a ajudar. Não pode ser tão ruim assim, certo?

— É um desenho de nós que fizemos quando éramos pequenas — Minha voz sai rouca demais e eu sou obrigada a limpar a garganta — Acho que perto do último dia. Estamos em frente a uma casa aqui... a n-nossa c-casa.

A casa no desenho não é tão grande ou luxuosa, e também não é muito bem feita, já que as artistas tinham 10 anos de idade. Mas a casa no desenho é rosa bebê e tem um jardim cheio de margaridas na frente e uma casa na árvore atrás, no quintal. A casa no desenho é a casa que nós nos deitávamos no tapete e passávamos horas conversando sobre. Era a nossa casa. A casa em que passaríamos o resto da vida juntas e nunca mais teríamos que ser chamadas por nossos pais.

— Nossa casa — Ela repete devagar, sorrindo e colocando a folha ao lado do corpo — Imagine o que mais vamos encontrar aqui.

Deitadas no tapete felpudo do quarto, encontramos coisas que nem lembrávamos. Fotos nossas aos cinco, seis, sete até os onze anos. E em todas as fotos, eu não posso evitar sorrir, sentindo que eu estou de novo ali, feliz, sem preocupações, sem dor. Na maioria das fotos estamos abraçadas, ela tem seu sorriso radiante no rosto, e eu sempre pareço estar em uma gargalhada ou fazendo careta.

— Eu lembro disso. Você ficou deitada olhando o teto por três horas porque eu não acordava — Camila comenta, rindo sobre uma foto que eu havia descrito para ela. Na imagem, estamos deitadas na cama dela. Ela estava agarrada a mim como um koala, usando seu pijama cor-de-rosa, totalmente adorável; e eu estava bem ao seu lado, uma mão perdida no cabelo castanho, provavelmente em um carinho suave, e a outra segurando a câmera. Aqueles momentos entre nós não eram raros. Aqueles momentos onde só nós duas existiamos. Eles pareciam acontecer o tempo inteiro — Lo. O que é isso?

Desvio meus olhos para o pequeno objeto em suas mãos, e levo a caixinha até mais perto dela antes de lembrar que ela não pode ver.

— Oh, isso.. — Reviro a caixinha em minhas mãos trêmulas — É só uma caixinha. Não lembro o significado.

Mentira. Só não quero abrir. Estou surpresa por ter aguentado ver o passado e por estar bem até agora, mas não sei se consigo ir além disso. Eu sempre acabo desmoronando por algo.

Camila deita a cabeça em meu peito, de repente. Suas mãos delicadas tiram a caixinha das minhas mãos para colocá-la de volta na caixa maior, e puxam o tecido da minha camisa em uma tentativa de me trazer mais para perto, e então nós estamos nos abraçando.

— V-Você está bem, Camz?

— Só um pouco cansada. E você, Lo?

— Achei que estaria pior — Rio baixinho, mesmo que aquilo não seja exatamente engraçado. Ela suspira e sorri, se enroscando ainda mais em mim como a pequena Camila fazia quando estava com sono.

— Eu estou orgulhosa de você, Lolo. Muito, muito orgulhosa. Não é algo para se orgulhar? — Penso por um momento, de cabeça baixa. Talvez. Talvez eu tenha sido corajosa hoje, uma vezinha. Talvez eu tenha feito certo dessa vez. Balanço a cabeça como se assim pudesse evitar o sorriso que nasceu em meus lábios.

— Se você diz, Camila Cabello.

Ela sorri, já de olhos fechados, a respiração ficando mais lenta. De repente, nós somos a foto que encontramos, porque ela dorme agarrada a mim como um koala e eu, em algum momento, iniciei um carinho suave no cabelo castanho com cheiro de shampoo de banana. O sentimento de quase paz, quase tranquilidade, é algo que não tenho faz tempo, e sou obrigada a fechar meus olhos para apreciar. Antes disso, tenho um pensamento bastante bobo: talvez a nossa caixa seja como a caixa de Pandora, mas ao invés de libertar coisas ruins, nós havíamos libertado apenas amor.

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