Celine acorda com um miado tão ritmado que poderia ser confundido com ponteiros de um relógio. Seus olhos se abrem para Mister Graaf, o gato angorá de pelagem branca eriçada. O bichado insinuou-se, atrevido, por entre seus dedos, como se soubesse o que estava fazendo ao despertar sua dona mais cedo do que ela desejava. Era domingo e ela, como qualquer mortal, se sentia mortalmente preguiçosa nesses dias. Mas seu despertador felpudo havia saltado da cama e estava lá, miando à porta do banheiro, tão impertinente quanto uma rotina podia ser.
Depois de tomar banho, um pouco mais desperta, ela abre o notebook para dar uma sapeada em seus e-mails, nem se importando se aquilo já tinha se tornado um hábito ruim. Depois que começou a se envolver com programação de software, aquela maldita maquina era capaz de suplantar até suas necessidades mais básicas. Por sorte, ela tinha o gato para lembra-la de que precisava se alimentar.
Enroscado em seus pés, ele volta a miar.
- Tudo bem, eu já vou.
Mister Graaf tinha sido um presente de Melinda, madrasta de Celine. Enquanto pegava o saco de ração no armário, ela, mais uma vez, se pegou lembrando-se do dia em se deparou com o bichano no fundo de uma caixa. Ficou de coração mole ao ouvir aquela pequena bolinha de pelos miando, nos olhinhos trêmulos o mesmo medo e receio que ela própria sentiu. Pensou em recusar o presente, pois naquele momento não se sentia capaz de cuidar de um filhotinho tão frágil. Aceitou porque o pai estava perto e com aquele jeito ansioso de sempre (sempre que Melinda fazia uma tentativa de se reaproximar dela). O importante é que no fim tudo dera certo. O gato havia sobrevivido, exigia muito pouco dela, e acima de tudo tinham se tornado uma boa companhia um para ao outro.
Celine volta ao computador carregando consigo sua própria tigela. Cereal e leite gelado, a única coisa que conseguia comer de manhã, outro de seus hábitos ruins, mas esse era mais antigo, trazidos do período mais solitário de sua infância. O único benefício (se é que se pode chamar assim) que teve com a ausência da mãe. Naquela época, ela podia comer o que bem entendesse.
A mensagem que esperava, dizia:
Prezada Celine
Analisei seu programa como me pediu. E sim, as mudanças que fez foi pertinente. Não sei como conseguiu, mas está melhor do que antes.
Ps:. Não se preocupe tanto, minha cara, seu programa será um sucesso. Tenho absoluta certeza disso!
Boa sorte!
Cordialmente,
Prof. Dr. Beckmann C. Jamie.
Departamento de Informática, Universidade de Harvard.
As palavras apressadas não tiveram o efeito desejado sobre Celine. Não a acalmaram, nem tampouco a envaideceram. Na verdade, o que ela sentiu foi uma desagradável constrição na boca do estômago, que não tinha nada a ver com fome, mas sim com uma leve e corriqueira ansiedade. Os últimos dois anos de sua vida foram dedicados a esse programa, originado de seu projeto de mestrado. Ambicioso, capaz de fazer projeções de curto e médio prazo para o mercado financeiro. E que logo estaria a serviço de uma das mais importantes instituições financeiras de Wall Street. Sim, ela estava de mudança para Nova York e daria início à sua carreira em um grupo forte e de renome no mercado. Essa era uma grande oportunidade e do tipo que metia medo. Por isso, vinha aperfeiçoando o programa e submetendo-o ao crivo de seu orientador mesmo depois de sua defesa de tese. Inoportuna ou não, sentia que o professor Berkmann lhe devia isto. Afinal, fora ele a causa de tudo, o professor de matemática financeira que notara, ainda na graduação, seu talento para criar algoritmos, convencendo-a, assim, a se especializar na área de programação voltada para o mercado financeiro. O mesmo homem que conseguira aquele emprego maravilhoso para ela. Com um telefonema. Um simples telefonema e uma lista considerável de predicados à sua pessoa, não que ele precisasse disso para conseguir o interesse daquela gente para um de seus alunos, mas ele fez mesmo assim. Então, além do medo de falhar, também havia a expectativa e todas as suas inseguranças em relação a essa nova mudança.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O segredo de Celine - Livro 1 da série Dionísio
Romance- Gosto de fazer parte de seus segredos, perla... Ele disse, provocativamente. Será que aquele maldito italiano seria capaz de por tudo a perder apenas para acariciar seu ego sórdido de conquistador? Uma carreira meticulosamente planejada indo água...