Capítulo 19 - Anjos se afastam mas nunca abandonam

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11:46 PM

Num súbito abri os olhos respirando fundo sentindo meu pulmão doer ao se encher de ar. Como se tivesse emergido depois de nadar quase um oceano inteiro. Eu não havia morrido pra ficar sentindo essa maldita dor aguda que não parava?

– Porra!

Resmunguei baixinho mexendo mais a língua do que a boca. Senti uma vibração perto dos meus pés e me inclinando um pouco vi a tela trincada do celular acesa em uma chamada de Andrew que caiu.
Tinha de tentar, mesmo que estar vivo se tornava pior a cada segundo. Encostei o corpo que doía por inteiro no banco e levei a minha mão direita até o fecho do cinto me soltando.
Meu braço quebrado latejava e me inclinando encostei a cabeça no volante esticando o máximo possível pra que conseguisse pegar o celular perto do acelerador.
O peguei colocando sobre a coxa
ajeitando meu corpo no banco com muito esforço.
E mesmo com a tela trincada conseguia ver os ícones, e com os dedos trêmulos da mão direita procurava o contato de Hannah. Tocando a tela o telefone começou a chamar fazendo eu ficar mais apreensivo pra que fosse atendido.

Era um pedido de socorro. Queria ela do meu lado nem que fosse na pior noite da minha vida, que nem sabia se duraria o suficiente.

E depois de tocar três vezes finalmente ouvi a respiração do outro lado.

– Alô? Nathan?!

– Por favor Hannah, ouça, preciso de você agora!

Minha voz saiu praticamente em sussurro porque as forças estavam se esgotando. Apertei os dedos contra o aparelho e gemi de dor.

– Nathan, o que está acontecendo?

Sabia cada entonação da voz de Hannah desde que passávamos horas no telefone juntos. Sua respiração se apressou e sua voz era de preocupação.

– Eu estou completamente fodido... E sozinho... – completei sentindo meus olhos encherem de lágrimas logo escorrendo – Peguei uma estrada alternativa e acho que estou à uns duzentos metros da conveniência perto da casa de Erick...

O final da frase era pra ser dito com total desprezo mas precisava respirar muito mais pra fazer isso.

– Ok, está bem, sei onde é. E por favor não faça nenhuma besteira, estou a caminho! Não saia dai!

Já havia cometido tantas e todas as besteiras!

Ela desligou e o celular deslizou caindo num lugar que não vi. Senti tanta falta de sua voz. Abri a porta do carro com dificuldade tendo que chutar e não consegui abri-la por inteiro. Me apoiei na janela tentando sair mas a dor se irradiava em cada célula do meu corpo.
Observei a estrada escura e olhei pro céu com a lua cheia sumindo entre as nuvens. Abaixei a cabeça sentido as lágrimas escorrerem involuntariamente.
Não podia relutar mais, era um karma ruim, preso num inferno mental e emocional que eu mesmo busquei. E a última coisa que eu queria é que ela sentisse pena de mim.
Encostei a cabeça que no banco e vi minha roupa toda manchada de sangue. O vento vinha suavemente me trazendo arrepios de frio. Meu estômago revirava de dor e enjoo de todas aquelas bebidas misturadas. Levando a mão na barriga tentei segurar aqueles refluxos e sensação desagradável mas, vomitei tudo sentindo o gosto amargo, e cuspi o sangue que parecia vir de dentro de mim e não dos cortes.
Tossi achando que a qualquer momento explodiria de tanta dor ou as costelas se partiriam. Nada estava no lugar, imaginava meus órgãos depreendidos boiando no sangue.
Fechei os olhos com força tentando ainda acreditando que podia sair dali. Que Hannah estava vindo de encontro ao maldito problema que não podia resolver.

Poderia?

Ouvi de longe barulho de porta se fechando e com o retrovisor trincado vi faróis se afastando e passos firmes contra as pedras do acostamento.

– Meu Deus! Não! Nathan!

A voz oscilante em desespero fazia minha pele arrepiar numa sensação ruim, afligindo cada parte do meu coração. Queria responder mas não conseguia gritar. Limpei minha boca com as costas da mão. Quando a vi puxar totalmente a porta amassada do carro segurando o celular com lanterna.
Ela talvez não sabia, mas era meu anjo. Agradeci por não estar bêbado o suficiente e sorri fraco. Hannah estava na minha frente, simplesmente linda, usando um vestido branco rodado com um comprimento terminando pouco antes de seus joelhos e a jaqueta jeans protegia seus braços.

Tomara a Deus que não fosse mais uma alucinação.

Se aproximando de mim com lágrimas riscando seu rosto, me olhou com toda ternura que já pude sentir.

– Eu não posso perder você totalmente... – ela disse mais pra si mesmo do pra mim por sua voz sair em um sussurro desacreditado. – não posso toca-lo...

Dando passos pra trás, levou o celular próximo ao ouvido, colocando a mão no cabelo o bagunçando, dando passos impacientes girando sem direção. Buscando respirar com voz saindo embargada.

– Emergência?! Preciso de uma de uma ambulância urgente na estrada 97! Ele bateu o carro e está todo ferido! Por favor! Ele não pode morrer, ele não pode morrer... Por favor...

Abaixando o celular podia jurar que o jogaria longe, mas olhou pra mim soluçando colocando a mão na boca.

– Hannah, meu amor... E-eu queria te ver e isso já basta...

Suas lágrimas molhavam cada vez mais seu rosto perfeito. Se aproximando, ajoelhou aos meus pés não importando em sujar o vestido tão limpo. Envolvendo seus braços na minha perna pousou a cabeça na minha coxa. Numa prece sagrada e desesperada choramingando.

– Você precisa ser forte... E-eu também preciso de você...

Minhas mãos tremulas foram no topo de sua cabeça sentindo cada fio macio de seu cabelo. E os soluços ecoavam no vazio e o aperto na minha perna era uma súplica que eu ficasse ali, respirando até a ajuda chegar. Ela limpou o rosto e me olhou com uma expressão assustada como se tivesse algo a sufocando.

– E-eu te amo... – ela fez uma pausa me fazendo perceber que aquelas três palavras continham uma carga emocional muito maior do que apenas somos amigos – e não posso suportar ver você partir... Me sinto uma inútil por não poder tirar toda sua dor...

Peguei sua mão gélida e a vi olhando em todos os hematomas na minha. Respirei fundo gemendo de dor. E segurei a ponta de seu queixo olhei pro seu rosto sob luz do luar. Seus olhos brilhantes estavam irritados de tanto chorar.

– Eu te amo, te amo... E te amarei até que o sol morra... E... – o sangue enchia minha boca – já me sinto melhor por estar aqui comigo...

Limpei sua lágrima com o polegar retirando os resquícios de rímel se seus olhos, arrumando seu óculos.
O som de veículos freando fez Hannah dar um pulo me soltando sorrindo fraco. A sirene estrondosa chegou iluminando a estrada e os paramédicos correram até mim me retirando dali com todo cuidado fazendo meu corpo se acostumar com a maca de plástico fria, imobilizando meus braços e pescoço.

– Ferimentos graves! Pressão arterial caindo!

Os paramédicos gritavam enquanto me sentia cada vez mais tonto. Suspendendo a maca no ar, me levavam para o interior da ambulância, colocando uma máscara de oxigênio com um tubo na minha boca pra que me ajudasse a respirar.

– Eu vou junto com ele!

Ainda de olhos fechados ouvi a voz de Hannah, esbravejando contra alguém que a tentava impedir. Logo senti sua presença pelo cheiro doce.

– Estou aqui Nath...

Respirei fundo sentindo sua mão sob a minha e apertei fraco e uma lágrima involuntária escorreu na lateral dos meu rosto. Pisquei vezes seguidas vendo tudo embaçado ouvindo o som do aparelho estridente sem respostas.
De repente a escuridão me tomou, soltei um suspiro acumulado, e meu coração pareceu cansado de bater.
Era a beira do abismo. Mas tinha de voltar e lutar com todas as minhas forças, pra que sobreviesse, e fosse para o lado oposto. Tinha a real certeza que sequer um segundo ela havia desistido de mim, e isso... Era tudo, o imprescindível.

Jogada ImperfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora