CAPÍTULO 6

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Após o incidente com o escargot, Márcia Aguiar se sentiu culpada e achou que precisava compensar o mal que havia causado. Ela aparecia toda hora para ajudar Alessandra na cozinha ou na faxina, ou para convidá-la para tomar um chá, um café, ou qualquer outra coisa. Os dias foram passando e, independente da opinião que as duas tivessem formado uma da outra no começo, acabaram se tornando boas amigas e confidentes.

Se Danilo tinha alguma coisa contra isso, ele não demonstrava – era um mentiroso de primeira.

Depois que Danilo saiu para trabalhar, Alessandra levou a louça do café até a pia. Queria lavar tudo antes de Márcia chegar para suas conversinhas divertidas. Antes de lavar a louça, ela pegou um pano e começou a secar os pratos que tinham ficado no escorredor de um dia pro outro.

Alessandra pegou o primeiro prato, alisou um lado dele com o pano branco, estava quase seco, olhou para a parede da janela, gritou como uma louca e atirou o prato na parede. O prato explodiu para todos os lados, mas errou o alvo.

Alessandra pulou até o armário, subiu numa banqueta (não é fácil ser baixinha) e voltou com um punhado de sal na cova da mão. O caramujo não estava mais lá. Ela seguiu o rastro de limo brilhante e encontrou-o a quase um metro de distância. Já ia se esconder debaixo da geladeira. Com muito nojo e tentando enxergar apenas vagamente o alvo do seu ataque ela esticou a mão, e, tremendo, deixou cair o monte de sal. Num instante o animal, que não possuía camada de pele protetora como os mamíferos, aves e répteis, teve toda a água do seu corpo absorvida pelo sal. O sal hidratou-se, e o caramujo murchou e morreu.

Que descanse em paz, ela pensou, de cara torcida, tentando manter o bom humor, tentando não tremer, e voltou ao armário, onde pegou alguns pedaços de papel toalha e com eles recolheu o bicho morto e o jogou no lixo. Depois foi até o vaso do banheiro e cuspiu sua repulsa.

O caramujo africano, Achatina Fulica, foi trazido à América do Sul para ser servido como escargot. Um caramujo põe em média 200 ovos, que eclodem e amadurecem em cinco meses. Em apenas um ano, um único animal gera dezenas de milhares como ele. Era um ótimo negócio. Só depois de chegarem aqui foi que alguma mente brilhante descobriu que ele não era comestível. O animal acabou solto e tornou-se uma praga para agricultores e donas de casa com vasinhos de flores na janela.

Quando Márcia tocou a campainha e não houve resposta, ela testou a porta. Estava aberta. Ela abriu a porta e chamou. Ninguém respondeu, mas a televisão estava ligada. Encontrou Alessandra tremendo na sala, sentada no sofá com a televisão ligada, tentando se acalmar.

Márcia puxou a nova amiga para a cozinha e preparou um chá para as duas.

_Tome, menina – ela disse. – Vai te fazer bem.

Alessandra olhou para a vizinha. A senhora Márcia Aguiar tinha o rosto vermelho manchado pelo sol e cheio de rugas. Os cabelos grisalhos cortados curtos. Os braços eram flácidos, com pelancas caindo acima do cotovelo. E aquele quadril enorme que lhe valera o apelido de Márcia Tunada.

Ela prestou atenção. Márcia puxou bastante a cadeira para se sentar, depois virou e ficou olhando para o lado, como se estivesse mirando. Ela sentou bem no meio e cada nádega caiu para um lado, como duas irmãs gêmeas que tivessem brigado por besteira. Houve um leve rangido da madeira reclamando, mas o móvel aguentou.

_Começou quando eu era criança – Alessandra começou a desabafar, tremendo um pouco menos, os olhos vermelhos. – Um pouco depois daquela história... daquele bicho no meu rosto, no berço. O Danilo te contou?

_Contou, sim. Deve ter sido assustador.

_Na verdade eu nem me lembro. Era muito pequena. Foi minha mãe quem me contou os detalhes. Mas depois, daqueles dias até agora, aqueles bichos sempre aparecem onde eu estou. Pode ser em casa, no trabalho. Se eu vou na casa de uma amiga. Até num restaurante, uma vez, no meio da salada... Eu gritei tanto, derrubei os pratos da mesa, fiquei em pânico. Porque... Porque eu quase coloquei aquilo na boca, sabe. Se eu não tivesse visto... Ai, meu Deus! Não quero nem pensar!

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