CAPÍTULO 12

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Quando acordou de verdade, Alessandra recordou-se do sonho – de tudo que fora obrigada a fazer e de tudo o que fez por livre vontade. Seu estômago estava embrulhado, e ela nunca odiou tanto aqueles bichos como naquele dia.

Passou o dia de mau humor e com uma terrível ânsia de vômito.

Logo pela manhã, Danilo perguntou se havia algo errado. Ela não respondeu, então ele limpou a garganta e repetiu a pergunta.

_Não quero tocar no assunto – ela respondeu.

_Mais um sonho ruim?

_Não importa – ela falou. Ficou um momento em silêncio, depois acabou confessando. – Foi só um sonho. Nada demais.

_Estou vendo que te abalou bastante – ele falou. – Não quer conversar sobre isso?

_Não importa! Que droga! Foi só um sonho... daqueles.

_Tudo bem, então!

Danilo deu um tempo. Levou a xícara do café até a pia, junto do prato com migalhas de sanduíche. Ele foi escovar os dentes e voltou. Acreditando que a esposa estava mais calma, recomeçou:

_Sobre o que era?

_Já falei que NÃO importa! – ela disse, exaltada, e levou a mão à barriga, enjoada.

_Seria sobre...

_Que droga! Sobre o que mais seria? É claro que foi com "elas". Parece até uma maldição. Todas as noites esses sonhos nojentos. E quanto mais eu fujo desses bichos, mais eles aparecem na minha vida. Em casa, no trabalho, e até nos sonhos.

Danilo pensou. Não custava tentar, afinal.

_Não estaria aí o problema?

_Como assim?

_Veja minha teoria e diga se faz sentido. Suponhamos que elas realmente te persigam. Ok? Aí você foge, e elas continuam perseguindo. Até mesmo nos seus sonhos.

_Pesadelos – ela corrigiu. – É isso o que são. Todos eles! Pesadelos terríveis!

_Ok, então. Pesadelos! Mas, e se você parasse de fugir?

Danilo proferiu essas palavras com cuidado e aguardou em silêncio, observando as reações da esposa.

Alessandra olhou séria para ele. Bufou uma vez, depois outra, com mais calma. Fez um grande esforço para ser paciente. Falou com toda a calma, mas não adiantava.

_Danilo, meu anjo, você sabe que eu não suporto aqueles bichos. Ai, meu Deus. Só de pensar no que eu fiz, naquele sonho imundo... – Ela se lembrou da boca cheia de bichos, a gosma que usavam para se mover escorrendo pelos seus lábios. Ela levou a mão à boca e, por um segundo, Danilo pensou que ela fosse vomitar ali mesmo.

Ele amparou a esposa e quis levá-la em direção à pia, mas ela agitou as mãos, indicando que havia passado.

_Eu não acredito que o seu medo seja uma doença – ele falou com a voz segura de um médico. Alessandra o encarou, nervosa. Danilo a admirava. Mesmo ao acordar, os cabelos desmantelados e os olhos úmidos e vermelhos de tanto chorar, ele a considerava linda. Jamais poderia escolher outra esposa, não importava o que sua mãe dissesse.

_Então você acha que é o quê?

_Apenas um instinto de defesa equivocado. É como sentir medo de altura e de fogo. No passado, ele nos protegia do perigo de cair ou de se queimar. Tínhamos medo da água! Mas agora, com os arranha-céus, os aviões e os navios, somos obrigados a sobrepujar esses medos primitivos. A vida moderna...

_Então as lesmas não são uma ameaça! É isso? – Ela o olhava nos olhos, o tom era de desafio. – Elas não podem me fazer mal? É isso que está dizendo?

Danilo acenou, concordando.

_Danilo, amor. Você sabe, por acaso, quantas doenças esses bichos transmitem?

Seu marido fez que não com a cabeça.

Na verdade, ele sabia sim.

Em seu trabalho, haviam pesquisado todas as doenças que os moluscos terrestres poderiam transmitir aos humanos. Sua favorita era a angiostrongilíase cerebral, quando larvas do caracol penetram o corpo da vítima e sobem até a cabeça, se alojam no cérebro e começam a se alimentar e a crescer. Simplesmente lindo!

_Pois eles transmitem muitas doenças – ela falou. – A esquistossomose e mais um monte que eu nem sei. Lesmas, caramujos, dá no mesmo. Todos são vetores de doenças... e são nojentos.

Danilo levantou as mãos, em sinal de trégua.

_Tudo bem! Tudo bem! Não está mais aqui quem falou. Então, seu medo tem uma base sólida na noção de que elas transmitem doenças. Mas, quantas pessoas você já conheceu que tivessem...

_Danilo! – ela gritou, perdendo a paciência. – Elas me perseguem. Entende? A mim! Em casa, no trabalho... Ninguém nunca tinha visto uma lesma naquele supermercado; mas, depois que eu comecei a trabalhar lá, cheguei a ver três! Três! E ninguém nunca tinha visto nenhuma. Não é coincidência. Não pode ser!

Danilo sabia que não era mesmo.

Mas, como dizer isso a ela sem traumatizá-la ainda mais?

_Então... – ele falou – Voltamos ao psicólogo?

Alessandra olhou para ele, a cara fechada numa carranca impaciente.

É claro que ela ia dizer que não precisava. Que as primeiras sessões, que haviam tentado no ano anterior, resultaram em nada. Ou, mais exatamente, na incapacidade do doutor Lopes de convencer Alessandra de que ela não estava sendo perseguida por lesmas desde que era criança.

Danilo achava até engraçado que fosse ele a insistir com a esposa para procurar ajuda médica. Justo ele que, em toda sua vida, nunca havia se consultado com um único médico, e que jamais havia feito qualquer tipo de exame clínico. Esse era um segredo que Alessandra ainda não precisava saber.

Se, quando criança, ele tivesse feito um eletroencefalograma, por exemplo, a equipe médica jamais o teria liberado. É como dizem: Um é bom, mas três é demais.


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