CAPÍTULO 21

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Às vezes, Danilo sentia saudades do outro mundo, mesmo nunca tendo estado lá.

Assim como seus companheiros de trabalho – seus irmãos –, ele era terrestre, nascido e criado aqui, apesar de não ser humano. Nenhum deles era.

Não tinham nenhuma lembrança própria do mundo original. Ainda assim, guardavam tantas lembranças dele que era como se tivessem passado ali boa parte da vida. Graças à Mãe de todos, eles sabiam como era por lá.

Ela os educara desde o início, do jeito que deve ser. Quando Danilo teve seu primeiro pensamento, ela estava lá para ajudá-lo a compreender o que era aquilo. A Mãe lhe explicou o que ele era e onde estava. Ela lhe deu uma identidade e um propósito, e o mínimo que poderia fazer para agradecer, e ele era muito grato, era cumprir a sua missão.

Era um mundo tropical, quente e úmido, uma imensa esfera verde e azul orbitando uma estrela, e esta, por sua vez, orbitando outra estrela. Os dias eram quentes e as noites frias e chovia quase sempre. Ali, naquele planeta, onde tudo era propício, os elementos químicos se uniram da forma adequada e a vida surgiu, e floresceu de formas extraordinárias – como ela sempre faz.

E mesmo não tendo nunca pisado naquele mundo verde, com dois sóis, Danilo podia vê-lo nitidamente em suas lembranças, sentir o cheiro dos pântanos que corriam de um horizonte ao outro, o sabor da caça dócil que pastava pelas pedras lisas do litoral e as incríveis cores das espécies de polvos que, às vezes, colocavam suas cabeças para fora do mar, sua pele brilhando, caleidoscópica na noite, hipnotizando suas presas e atraindo-as para perto dos seus tentáculos com ventosas e dentes. Tudo que a Mãe havia vivenciado, tudo que havia sentido, pensado e aprendido, ela repassou para os seus filhos. Para que as roupas que usavam nunca os fizesse esquecer o que eram nem de onde vinham, e nem qual era o seu objetivo.

Danilo podia mesmo vê-la rastejando naquele mundo, bem devagar – ali, não havia por que ter pressa. Nada mudaria tão cedo, além de que sua expectativa de vida era absurdamente alta. A Mãe poderia correr se quisesse. Os músculos da barriga eram suficientemente fortes para isso, mas a lerdeza no andar também fazia parte de um importante cerimonial de subordinação. A Mãe seguia lenta e de cabeça baixa. Se as outras, as maiores quisessem, poderiam comê-la a qualquer momento. Tinham esse direito por serem maiores e mais velhas. Embora elas pastassem, consumindo diariamente toneladas de vegetais que cresciam livres por toda a superfície do planeta, as maiores eram onívoras. Se surgia um animal apetitoso, elas comiam sem hesitar – e nem precisavam se dar ao trabalho de caçar.

Havia uma estrada mais à frente. Ela reluzia sob a luz dos dois sóis, como se fosse pavimentada com espelhos. Mas não era. Aquilo era uma listra de limo, por onde uma das criaturas maiores havia passado. Para sua segurança, a Mãe desviou do rastro e seguiu por outro caminho.

No caminho, quando contornava um dos mares de água doce, a Mãe observou uma manada de quadrúpedes de perna comprida e pelo curto que seguia alinhada como para um desfile. Os animais estúpidos caminhavam como zumbis, e a Mãe observou-os se afastando em direção a uma das montanhas. Lá, ela sabia, uma criatura imensa, descomunal mesmo, aguardava o seu alimento. Ali, estava uma criatura tão poderosa que podia influenciar a mente de uma manada inteira para que seguissem direto para sua goela.

A Mãe também podia fazer coisas assim, mas ainda não nesse nível. Tinha ainda muito a aprender, muito a evoluir, e apenas uma daquelas montanhas poderia ajudá-la com isso. A Mãe até desconfiava do propósito daquele chamado, e estava preparada.

Caía uma chuva morna e o cheiro de terra molhada e de seiva de vegetais meio mastigados misturava-se ao dos gases gerados pelo pântano e pelos seus moradores. O caminho lodoso passava entre uma série de montanhas escuras de aspecto estranho, sem base e sem cume. Cada uma tinha em média 500 metros de altura, e estavam afastadas umas das outras por mais de um quilômetro.

A Mãe rastejou silenciosa e respeitosamente em direção a uma delas. Aproximando-se, a Mãe podia ver, e Danilo através das lembranças que esta passara a ele, que a montanha era na verdade uma descomunal estrutura de calcário em formato espiralado. Havia uma entrada, uma caverna escura de formato irregular com cerca de 100 metros de diâmetro, próxima ao solo, mas a Mãe nem pensou em entrar ali. Aguardou diante dessa entrada de cabeça baixa. Se fosse devorada, então seria seu destino.

A luz fraca do segundo sol refletiu alguma coisa dentro da caverna. Algo que se aproximava. Era um olho maior do que a Mãe. Depois surgiu outro. Eles saíram da caverna e estavam no topo de dois tentáculos cinzentos com manchas azuis. Logo a cabeça despontou toda para fora, sua boca aberta babando aquilo de que algumas subespécies se alimentavam. A Mãe olhou para aquele arranha-céu e o arranha-céu olhou para ela. A Mãe reclinou-se ainda mais.

Aquela montanha era a sua Matriarca.

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