CAPÍTULO 11

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A plateia aplaudiu empolgada quando o letreiro luminoso anunciou que os comerciais haviam terminado e que estavam no ar, ao vivo. O apresentador topetudo perguntou a Alessandra se ela estava preparada para o último desafio da noite. Lembrou a ela que não apenas todo o mundo a estava vendo agora, todo o mundo mesmo, através das câmeras, como também seu marido e seu filho, que estavam na plateia. Alessandra olhou e viu, na primeira fileira, onde sempre sentam as meninas de minissaia. Lá estava o seu marido, Danilo, e também o seu filho – este possuía um contorno irregular, ainda sem rosto definido, mas ela sabia que era seu filho.

"Estou pronta", ela garantiu.

"Pois então", falou o apresentador, "Tragam ela aqui!"

Duas assistentes de palco, as duas usando maiôs cobertos de purpurina, agarraram Alessandra pelos braços e arrastaram ela até o centro do palco. Sob as luzes dos holofotes, ela foi sentada numa simples e solitária banqueta de plástico. As duas assistentes se postaram ao lado dela como seguranças – como se estivessem preparadas caso ela tentasse fugir.

Um terceiro assistente apareceu. Ele era musculoso e usava um colete aberto, também coberto de purpurina. As mulheres da plateia aplaudiram e assobiaram. Ele trazia um balde de metal e, a julgar pelo modo como carregava, dava para perceber que estava cheio. Ele colocou o balde no chão entre as pernas da participante e se afastou.

Alessandra observou o conteúdo do balde, inexpressiva. Era como se estivesse vendo a si mesma naquela situação, apenas mais uma espectadora assistindo tudo de sua poltrona em casa.

_Agora – anunciou o apresentador –, pode comer tudo!

Sem reclamar, sem hesitar, Alessandra enfiou a mão no balde e retirou um punhado.

O balde colocado entre suas pernas estava cheio de lesmas até a borda. Elas escorregavam para fora, tentando fugir, e suas anteninhas transparentes com olhos curiosos despontavam no meio do mar de gelatina viva, e, como era mesmo um sonho, Alessandra comeu tudo.

Alessandra acordou...

...e percebeu que ainda estava dormindo.

O apresentador não parava de gritar, assim como a plateia, porque ela fez tudo errado. Não era para comer coisa nenhuma. De onde ela havia tirado essa ideia? O apresentador lhe perguntou, e ela não soube responder, ficou envergonhada. E o pior é que ela já estava com a boca cheia – como uma criança, que tenta ver quantos doces cabem na boca, ou quantos ela consegue engolir ao mesmo tempo – e não sabia o que fazer. Puxa! Todo mundo olhava para ela. O mundo inteiro estava assistindo. Alessandra olhou para as várias câmeras apontadas para ela, todas pareciam acusa-la, então dobrou-se sobre o balde e abriu a boca o máximo que pode. As criaturas começaram a escorregar e a cair de volta no balde. Sua língua era um tobogã vermelho, e aquelas criaturas não tinham pressa.

Precisou manter a boca aberta por bastante tempo, até que as últimas saíssem. Tentou ajudar as pequenas, empurrando-as com a língua, mas elas se assustavam e voltavam para dentro, passeando pelo céu da boca e ameaçando mergulhar no túnel profundo da garganta. Ela sabia que Danilo jamais a perdoaria se ela fizesse isso. Uma das pequenas perdeu o rumo e estava saindo pelo nariz. Mas de onde Alessandra havia tirado a ideia absurda de que deveria comê-las? Mais tarde, ela se lembraria do casal Aguiar lhe oferecendo uma bandeja de escargot.

O apresentador reapareceu e explicou que aqueles bichinhos não eram comida. Também não eram seus inimigos. Alessandra queria, então, perguntar o que eles eram, mas o apresentador se adiantou:

"O que elas são, então?" – ele perguntou.

Ela não sabia a resposta. Como poderia saber? Olhou para a massa viva que havia acabado de escorrer de sua boca para a segurança do balde e, olhando-as com cuidado, sem virar os olhos como sempre fazia, sentiu-se subitamente comovida. Elas eram bonitas, afinal. Como nunca havia percebido?

Então, por livre iniciativa, para alegria do apresentador, dos ajudantes de palco, dos operadores de câmera e de holofote, do marido e do filho, das moças bonitas na plateia e dos milhões assistindo em suas casas, Alessandra enfiou gentilmente a mão no balde, retirou uma das lesmas – uma verde muito grande, que quase não cabia em sua mão – e, como num conto de fadas, procurou sua boca esponjosa e beijou-a com um amor recém-descoberto.

E, como num conto de fadas, a lesma se transformou...


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