CAPÍTULO 18

28 2 0
                                        


Havia apenas um vigia na guarita quando eles chegaram. Alessandra já havia passado na frente do prédio algumas vezes, curiosa, mas, nunca teve curiosidade de entrar lá. Ou teve? Agora que tinha sua entrada liberada, enquanto o guarda, muito simpático, acenava para eles e levantava a cancela, ela se lembrou de algumas vezes em que tinha realmente pressionado Danilo a falar mais sobre o seu trabalho... sobre o que acontecia naquele Centro de Distribuição. Mas naquelas vezes, agora a lembrança voltava, ele não havia dado nenhuma resposta satisfatória. Oh, não. O que aconteceu foi que ela simplesmente perdeu o interesse.

Assim, de uma hora pra outra.

A mesma coisa acontecia com muitas pessoas que se aproximavam do prédio. Mesmo os fiscais da prefeitura estavam sujeitos. Eles dirigiam até a entrada do centro com uma lista repleta de pontos a serem verificados. Havia sempre a chance de encontrar várias irregularidades e descolar um dinheiro a mais de suborno. Mas eles nunca entravam. Logo na entrada eles perdiam o interesse, guardavam bem suas listas, e, ao retornar às suas casas ou escritórios, preenchiam laudos favoráveis sobre a construção, sempre enfatizando que visitas próximas não seriam necessárias.

Mas agora era diferente para Alessandra.

Ela estava sendo convidada. Era como se uma barreira de compreensão tivesse sido derrubada entre ela e o interior daquele prédio. Algo mais poderoso do que ela poderia imaginar a aguardava dentro daquela construção que outrora pertencera a um jornal. As máquinas ainda estavam ali, simplesmente porque não atrapalhavam. Também ajudavam a criar o ambiente que se esperaria do interior de uma fábrica, caso fosse necessário. Além disso, a criatura no comando de tudo via nelas uma espécie de "beleza funcional". De onde ela veio não havia máquinas, simplesmente porque elas não eram necessárias.

Danilo havia dito que era um tipo de festa de confraternização, e que todas as esposas compareceriam. Nisso, ele não mentiu. Logo no primeiro espaço dentro do galpão, que era enorme, ela encontrou vários casais dançando. Danilo foi lhes apresentando um a um, e Alessandra cumprimentou, abraçou e beijou tantos estranhos, homens e mulheres, que ficou até zonza, e lutou para não pedir uma cadeira. Não queria decepcionar o marido.

Esse era gerente de logística, aquele o encarregado, e aquele outro um dos vários advogados do grupo. E havia engenheiros e médicos, profissões úteis e pomposas... Mas era tudo mentira. Todos eles tinham uma única função.

Ela foi apresentada a uma mulher linda, com um sobrenome estrangeiro cuja pronúncia ela jamais seria capaz de reproduzir. Alessandra ficou surpresa ao perceber que ela também estava grávida. Das mulheres a quem fora apresentada, esta já era a terceira.

_Parabéns! – ela disse, indicando a barriga. – Já sabe o que é?

_Todos serão homens! – a mulher linda respondeu. – Nesta primeira fase, apenas uma fêmea será suficiente.

Alessandra olhou discretamente para o marido, com uma expressão de "Ela é louca mesmo, ou fui eu que não entendi?".

_Algo errado? – a mulher perguntou a ela.

Alessandra sacudiu a cabeça.

_Nenhum problema – ela falou. – É que achei muita coincidência encontrar três grávidas numa festa só.

_Como assim "três"? – a mulher estranhou.

Alessandra pensou que ela também não tinha percebido as outras barrigas. Ela ia dizer isso, quando reparou em volta. Observou melhor as mulheres que estavam participando desse encontro. Uma, duas, três, quatro... – Inclusive aquelas para quem já havia sido apresentada, mas que, pela afobação, nem percebeu.

Que coincidência, ela pensou, sabendo muito bem que não poderia ser realmente uma coincidência. Alguma coisa estava acontecendo ali. Surpreendentemente, e se seus olhos não estivessem enganados, todas as mulheres naquele salão (improvisado no pátio de uma fábrica ou depósito de qualquer coisa) estavam em algum estágio da gravidez. Algumas tinham uma barriga bem pequena, quase imperceptível, mas, pela coincidência, ela deduziu que também estavam, e acertou. Todas aqui estavam esperando um filho. Todas muito felizes, alargando sorrisos enormes, algumas carregando barrigas realmente pesadas.

Então ela percebeu que não era verdade.

Não eram todas as mulheres. Havia uma...

Alessandra...

Ela ainda não estava grávida.

Subitamente, ela se sentiu sozinha. Olhou para um grupo de homens, onde Danilo estava. Ele se despediu deles e veio em sua direção. Sem saber por que, Alessandra sentiu medo. A sensação de que todos estavam disfarçando, não olhando para ela. A sensação, ou a certeza, de que todos estavam olhando apenas para ela.

Danilo pegou sua mão como um perfeito cavalheiro (ele sempre fora um marido perfeito, tão gentil, tão sensível com os sentimentos dela...) e se desculpou com a mulher bonita, pronunciando seu sobrenome difícil.

_Tem alguém querendo te conhecer – ele falou à esposa.

Se Alessandra já sentiu alguma curiosidade pelo que acontecia naquele suposto Centro de Distribuição, esta agora passava bem longe. Tudo o que queria era dar o fora dali, o mais rápido possível. Havia uma sensação ruim, exatamente igual àquela vez, quando Márcia lhe serviu uma bandeja de escargots. Um pressentimento. Só que mais forte.

Eles deixaram a festa e se embrenharam no interior do prédio. Não havia muita coisa ali. Parecia mais um depósito de sucata. Máquinas que não funcionavam. Esteiras que não rodavam a muito tempo. Qual o propósito daquilo? Alessandra pensou que tudo aquilo era uma fachada para o que realmente acontecia ali.

E ela estava certa.

Danilo e Alessandra caminharam de mãos dadas, como um casal de namorados. Em algum momento do percurso, ele passou a segurá-la pelo braço, com cuidado, mas também com firmeza. A mensagem era clara. Aquele ainda era o seu marido, seu querido Danilo, que a amava de verdade, mas ele não a deixaria escapar.

Estavam quase chegando ao outro lado da construção quando passaram por uma grande máquina repleta de cilindros e ligada a esteiras. Parecia uma prensa de jornais e revistas, que ela vira certa vez num documentário. A máquina também parecia abandonada. Ao fundo, dava para ver as portas do outro lado, por onde outrora caminhões entravam para recolher as cargas de publicações para serem distribuídas.

Por trás daquela velha máquina, Alessandra encontrou o seu pesadelo.


GULOSEIMASOnde histórias criam vida. Descubra agora