CAPÍTULO 35

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Durante os oito meses de gestação, em nenhum momento a mãe de Alessandra apareceu para visitar a filha grávida. A razão era muito simples: ela não sabia.

Foi uma decisão muito natural manter o segredo. Aquilo não era gravidez propriamente dita. Para Márcia, não passava de um parasita, uma doença.

No começo, Alessandra também pensava assim.

Agora, Márcia a observava se entupindo de comida, e a cara de satisfação que fazia ao massagear a barriga, quando achava que ninguém estava olhando. Márcia começava a desconfiar que a amiga vacilava.

A barriga tinha oito meses, mas elas não sabiam de quanto tempo seria a gestação. A gestação do elefante, por exemplo, pode durar até 22 meses. E se aquela coisa dentro da barriga dela estivesse destinada a ser tão grande quanto Danilo realmente era, ou até do tamanho da Mãe, então elas podiam esperar uma gestação terrivelmente prolongada.

_Mas se você vai aguentar esperar todo esse tempo – comentava Márcia. – Essa é a questão.

Ela olhava para sua pequena e jovem amiga com um misto de piedade e estranheza.

_Você vai mesmo manter isso até o fim?

Alessandra fez que sim com a cabeça. Ela não tinha dúvidas. Banho de sal ou não, aquela criatura lhe pertencia, e ela nasceria.

Márcia inclinou a cabeça, decepcionada, e deu de ombros. Estavam arrumando umas coisas no quarto da futura mamãe. Jogando fora coisas que Alessandra e Danilo haviam guardado. Nos últimos meses haviam mexido em todas as coisas dele, na esperança de encontrar algum artefato alienígena, mas não encontraram nada. Aqueles seres não possuíam tecnologia. A superioridade deles estava em outra área.

Alessandra parou. Márcia reparou que ela estava novamente se olhando no espelho. A barriga estava tão grande que dava agonia de olhar.

_Vou levar isso lá pra baixo – ela falou, pegando uma caixa de roupas que iria para doação. – Você, gordinha, espera aqui!

Alessandra concordou. Seu olhar estava distante.

Márcia desceu os degraus com cuidado. Já não era nenhuma menina, pensou consigo mesma. Desceu o último degrau e levou a caixa de papelão até a sala, e colocou no chão, ao lado das outras. Havia roupas de Alessandra, que engordara e engrossara as pernas nos últimos meses, e algumas de Danilo também. E Márcia acabou se lembrando do marido, Orlando. Meu Orlando! O que aconteceu com você?

Na verdade, ela já sabia. Danilo contou à esposa o que fizera, sem dar maiores detalhes. Alessandra fez o mesmo pela amiga.

O importante é que ele estava morto. "Será que ele viu como Danilo era de verdade", ela pensava, "antes do fim?" Márcia viu apenas uma vez, quando invadiram o Centro de Distribuição e despejaram 30 toneladas de sal na tal Mãe dos alienígenas. O monstro tinha uns três metros de altura. Foi tudo tão rápido. Talvez fosse maior. Estava derretendo e gritando depois que elas despejaram toda a carga de sal. Ela lembrava que, na hora, sua cabeça começou a doer tanto que pensou que fosse desmaiar. Era o grito daquela coisa. E se o seu Orlando viu aquilo, coitadinho!

Foi apenas um grito. Não houve eco e ele não foi seguido por outros. Um grito forte e depois o silêncio. Vinham lá de cima, tanto o grito quanto o silêncio.

Márcia Aguiar correu como não fazia há anos. Galgou os degraus um de cada vez e segurando no corrimão, mas numa velocidade que surpreenderia seu fisioterapeuta. Os milagres da adrenalina.

Lá encima ela disparou para o quarto. A porta ainda estava aberta e ela se lançou para dentro. Havia uma trouxa de roupa enrolada no chão e ela tropeçou, caindo como um poste. Essa parte seu fisioterapeuta teria previsto. Ela olhou para Alessandra. Ela estava sentada na cama, as costas retas, o rosto sério, a boca meio aberta, lembrando uma marionete de ventríloquo, e os olhos estavam distantes.

Sua saia estava molhada e, pior de tudo, havia um rastro de líquido brilhante escorrendo pelo meio das pernas abertas. O líquido se espalhava pelo chão e formava um caminho que se afastava da cama. Parecia uma estrada de diamantes. Então Márcia percebeu. A barriga não estava mais lá!

A coisa nasceu!

Ela olhou em volta, procurando, e começou a seguir o rastro de limo.

Então lembrou daquilo em que havia tropeçado. Não era uma trouxa de roupas.

Toda essa percepção durou apenas alguns segundos. Ela ainda estava estatelada no chão. De repente, sentiu uma necessidade urgente de se levantar. Tentou ficar de joelhos, mas o corpo estava moído pela queda. Não é fácil passar dos 50. Ela olhou em direção aos seus pés, para ver se aquilo que a derrubara ainda estava lá, e quase morreu de medo de verdade.

Adão estava bem ao lado dela, a boca vertical aberta. Igualzinho ao pai.

Ele a cheirou algumas vezes, chegando bem perto – ficaram mesmo cara a cara. Márcia não conseguia ver nenhum olho. Talvez eles se desenvolvessem depois. Mas aquela coisa podia senti-la, sem dúvida.

Ela também o sentiu. Um cheiro forte e alienígena que a desagradou até às entranhas.

A opinião foi recíproca. Adão também não gostou dela. Ele fungou, depois pulou no rosto dela e mordeu, injetando suas toxinas paralisantes. A senhora Márcia Aguiar morreu, exatamente do mesmo jeito que o marido.


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