CAPÍTULO 32

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Na cozinha, Alessandra preparava uma sopa substancial, entupindo a panela de legumes. Márcia não tirava os olhos dela.

Alessandra não parava de beliscar. Depois de comer cinco pães no café da manhã, ela já havia comido um resto de lasanha do dia anterior, três bananas, uma maça, e uma tonelada de biscoitos.

Márcia olhava para a amiga como quem examina uma porca, medindo com os olhos, vendo se cabe no formo.

_Você anda comendo demais – ela comentou.

_Mas eu estou...

_É, eu sei. Quero dizer que está comendo demais mesmo, até pra uma mulher grávida. Sinceramente, não sei pra onde vai tanta comida.

_Sabe sim – a outra respondeu, passando a mão na barriga.

Márcia olhou para a barriga como quem olha para um doente terminal, uma mistura de piedade e repulsa.

_Eu não consigo parar de comer. Ele pede toda hora, e eu tenho que dar.

Depois de destruírem a Mãe com 30 toneladas de sal, as duas haviam combinado que Márcia ficaria com ela enquanto durasse a gestação, e que a ajudaria com o primeiro banho do bebê.

_Você quer? – Alessandra provocou, oferecendo um cookie.

Márcia agitou a mão na frente do rosto.

_Ah, não, obrigado. Olhar você comer assim já me tirou o apetite até a janta.

Alessandra riu, e comeu o biscoito. Ela estava cortando rodelas de cenoura enquanto a amiga secava os talheres do escorredor e guardava na gaveta do armário.

Márcia pendurou o pano no ganchinho da parede e ficou olhando para o chão, preocupada.

_Que foi?

Márcia olhou para ela.

_Eu vou ao banheiro. Acho que a sua comilança me deu dor de barriga.

_Não foi a lasanha? – mas Márcia já havia desaparecido no corredor.

Minutos depois, ela reapareceu.

_Cadê o papel higiênico?

_No armário do banheiro... – Então pensou melhor. – Ai, não está não! Eu deixei atrás do sofá.

A amiga olhou para ela.

_Eu já ia arrumar. Juro!

Márcia a fuzilou com o olhar, bem humorada, e foi procurar o papel atrás do sofá. Lá estava, junto com um monte de sacolas de mercado da pequena despesa que haviam feito no dia anterior. Marcia já havia reparado que, depois de engravidar, Alessandra não se preocupava tanto com limpeza e organização como antes. Claro que a casa não estava tomada pelo lixo, mas dava para notar diferenças.

Enquanto ela fuçava as sacolas, Alessandra aproveitou para engolir algumas rodelas de cenoura.

Do outro cômodo, Márcia perguntou:

_Já escolheu o nome?

_O quê? – ela perguntou, a boca cheia.

_Você vai lhe dar algum nome, quando ele nascer? Quero dizer, antes de jogá-lo no sal?

A última palavra caiu em Alessandra como uma faca espetada no coração. Ela faria mesmo isso? A única semente de um casamento feliz.

Claro que, para a senhora Aguiar, o que havia dentro de sua barriga não passava de um monstrinho alienígena esperando para ser exterminado.

Alessandra sentia de outro jeito. Ela esqueceu o que estava fazendo, a mente viajando, sendo chamada para longe – para outro mundo, talvez – e a faca desceu no seu dedo e não na cenoura.

Alessandra olhou para o dedo decepado com interesse, mas o olhar era vago. Ainda estava distante. Pensou que deveria estar preocupada, mas ela agora tinha outras prioridades. Colocou a faca de lado, recolheu o dedo amputado com a mão intacta, caminhou até o outro lado da pia, pressionou o pedal da lixeira de plástico e o jogou lá dentro.

Márcia voltou, preocupada, o rolo de papel na mão.

_Que aconteceu? Você ficou calada.

Márcia não reparou na mão esquerda da amiga. Também não havia sangue no balcão. E mesmo que tivesse reparado, não veria nada de diferente.

Todos os dedos estavam ali.

_Amiga – Márcia falou, abraçando-a. – Está tudo bem?

Alessandra olhou para ela com seu olhar vago. Então piscou, afastando-se de um lugar distante, de onde a estavam chamando, e seus olhos recuperaram o brilho normal.

_Adão! – ela falou.

_O quê?

_Meu filho – ela repetiu. – O nome dele é Adão.


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