Numa manhã, Danilo entrou no banheiro e encostou a porta. Alessandra não voltaria tão cedo, e ele estava com pressa. Danilo estava com sede. Ele foi até o lavatório e abriu a torneira.
Um homem saudável deve ingerir até 8 litros de água por dia. É o recomendado.
Danilo era um cara tranquilo, sem vícios. Era magro e estava em forma. Ele colocou a boca embaixo da torneira totalmente aberta e consumiu 150 litros de água em vinte minutos. Depois ele sentou no vaso e aguardou, sem pressa, seu metabolismo fazer o trabalho de purificação.
Passada quase meia-hora, a abertura entre suas nádegas se alargou e, como um cano de esgoto estourado, começou a jorrar um líquido grosso, roxo-esverdeado, que parecia sopa estragada e que cheirava como tal. Ele evitava fazer aquilo em casa. Tinha medo que o encanamento do esgoto não aguentasse. Também temia que alguém, mais possivelmente sua própria esposa, o flagrasse fazendo coisas mais do que estranhas no banheiro.
Para começar, ele estava totalmente à vontade. Havia tirado toda a roupa. Tinha removido também a pele do seu disfarce de gente.
Era bom respirar!
Danilo estava tão distraído com seu cuidadoso processo de limpeza interna, controlando a função de alguns órgãos que funcionavam como filtros, que não se deu conta da pessoa chamando à porta, nem dos passos se aproximando pelo corredor da casa.
Apenas quando a porta do banheiro foi aberta é que ele se deu conta do quanto havia sido relapso em não passar o trinco.
A porta se abriu e ele apareceu.
Era o senhor Orlando Aguiar!
Mas o que ele estava fazendo ali? Que diabos ele vinha fazer em sua casa numa hora dessas? Entrando sem avisar... Mas era o jeito deles mesmo! E isso agora não importava mais. Se ele tinha vindo convidar para tomar um vinho ou pedir ajuda para arrumar a torneira elétrica, não fazia mais diferença.
O importante é que ele tinha visto tudo – aquele velho nojento comedor de escargot.
Alessandra e Márcia tinham saído para aproveitar os preços da feira-livre que acontecia todas as quartas-feiras, a dois quarteirões dali. Os maridos estavam sozinhos. Orlando estava pensando em como Danilo tinha sorte. Ele folgava mais do que funcionário público e político (duas espécies que precisam ser bem separadas). Sábados, domingos e feriados ele passava sempre em casa. Naquele dia também. Em plena quarta-feira! E sempre que ganhava aquelas folgas, ele passava o dia todo ao lado da esposa. Um sujeito bacana mesmo. O tipo do marido honesto que ele poderia ter sido (se não fosse aquelas casas de massagem só para homens; mas isso era história passada). Aquela cliente que pagou o conserto do seu golzinho quadrado fazendo para ele coisas que sua esposa não faria de jeito nenhum também não contava. Tinha sido apenas uma vez.
Porque Orlando bateu à porta do vizinho, isso é coisa que ninguém jamais descobrirá. Pode ter ido conversar com o amigo (pelo menos na opinião dele, eram amigos). Talvez assuntos de homem. Dividir segredos de escapadelas. Será que Danilo também não tinha segredos que não contava à esposa? Deveria ter, sim. Todo marido tem.
O fato é que Orlando foi lá e bateu na porta. Ninguém respondeu. Ele chamou. Nada. Testou a maçaneta e viu que estava destrancada. Danilo estava em casa, então. Era um bairro muito tranquilo, e, assim como ele e a esposa, Alessandra e o marido não tinham o hábito de passar a chave na fechadura. Sempre aparecia uma visita – pelo menos se dependesse deles. As luzes estavam acesas. Orlando enfiou a cabeça lá dentro e imediatamente identificou um barulho vindo do banheiro. Ele chamou, e nada. Foi entrando e fechou a porta atrás de si.
Orlando Aguiar foi andando em direção ao banheiro, o barulho definitivamente vinha de lá. Era como se uma coisa molhada estivesse se esfregando, vazando e cantando ao mesmo tempo. Por um momento, lhe ocorreu que poderia ser um ladrão. Nesse caso, talvez não fosse boa ideia ele continuar. Ele chamou novamente – se bem que, tão baixo, que realmente ninguém teria escutado.
Ele testou a maçaneta do banheiro. Não estava trancada. Ele abriu a porta, e o barulho lá dentro cessou.
Os dois homens ficaram surpresos, embora um deles não fosse exatamente isso.
Orlando parou e não teve forças para gritar. Estava então com 62 anos. Não teve forças para mais nada. Ele sequer pensou em fugir. Sua mente tentava fugir de si mesma, porque aquilo diante dos seus olhos simplesmente não podia existir.
Na pressa para aliviar suas necessidades fisiológicas, Danilo tinha aprontado uma bela trapalhada.
A massa diante de Orlando não tinha qualquer semelhança com um ser humano. Não havia membros, nem cabeça... Provavelmente nem tinha ossos.
Danilo lamentou o tempo que perderia com aquilo.
Ele estendeu um membro flácido, saído de dentro da massa verde que era o seu verdadeiro corpo, e tocou Orlando com ele. O senhor Aguiar tomou um choque, o corpo foi percorrido por uma corrente elétrica que beirava propositalmente os 200 volts, e caiu no chão. Estava de olhos abertos, mas não conseguia se mover. Não foi apenas o choque. Mais alguma coisa tinha sido feita com ele. Com aquele tentáculo...
Danilo se ergueu – para Orlando, ele cresceu –, arrastando para fora a parte que ainda estava sobre o vaso. Danilo era grande.
De olhos bem abertos, ali jogado no chão, Orlando olhava para a aberração e não podia acreditar que estivesse acontecendo com ele. Aquilo não existia. Aquele medo não deveria ser sentido por ele. Talvez por algum personagem infeliz num filme de terror, ou por qualquer outro desgraçado, em qualquer outro lugar, mas não ele. Pelo amor de Deus! Não com ele! Por favor, não... Oh, Deus... não!
Se ele esperava que aquela massa do tamanho de uma vaca gorda abrisse uma boca maior do que a sua cabeça, repleta de dentes dispostos lateralmente, parecendo um ouriço virado ao avesso, então ele não se decepcionou.
Danilo estendeu o mesmo membro flácido e tocou-o novamente. Agora o senhor Aguiar, com seus cabelos brancos e a boca aberta exibindo os dentes amarelos, começou a espumar, e o corpo foi tomado por convulsões violentas. A coluna dançava como uma serpente eletrocutada, e a cabeça subia e descia várias vezes, batendo no chão com força. O senhor Aguiar sufocaria com a própria saliva, se o coração não houvesse explodido um pouco antes.
Danilo abaixou-se e examinou o corpo.
Poderia consumi-lo todo de uma vez. Pele e ossos não seriam problemas. Tecidos sintéticos também não. Seu sistema digestivo podia processar até mesmo metais. Mas isso tomaria tempo. Se as mulheres voltassem antes, seria um desastre!
"Como fui estúpido ao não passar o trinco na porta!", Danilo pensou, mas também se lembrou de uma coisa. A cena do jantar. O casal de aposentados consumiu uma bandeja de escargots diante dele. E como apreciaram, especialmente o marido, mas a esposa também, depois que Alessandra se retirou. E como mastigaram aquela massa gelatinosa que antes fora um gastrópode, terráqueo, sim, mas saudável. Uma criatura viva, capturada por predadores que não passavam fome, mas que, antes, o consumiam por um orgulho burguês do tipo eu posso pagar por isso.
Danilo encarou de perto aqueles olhos escancarados, a face de terror diante da morte, e mordeu a cabeça do velho, arrancando um pedaço de osso com cabelo, depois mastigou e engoliu. Precisaria consumir tudo.
De dentro daquela boca vertical, Danilo estendeu sua probóscide, um órgão negro e espiralado que foi se alongando, e introduziu o membro dentro do buraco aberto na cabeça do velho. Orlando mantinha os olhos arregalados, imóveis, a boca aberta tomada de espuma. Se pudesse ver o que o pacato vizinho estava fazendo com ele, Orlando certamente morreria de novo. A ponta da probóscide abriu-se ao tocar a massa esponjosa do cérebro, e Danilo começou a consumi-lo.

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GULOSEIMAS
Science FictionVocê tem nojo de lesmas? Alessandra tem tanto nojo, um pavor patológico, resultado de um trauma de infância, que acredita que essas criaturas inofensivas a perseguem de propósito. Família, marido e amigos já tentaram convencê-la de que isso não fari...