CAPÍTULO 29

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Aqueles hormônios injetados no ato sexual, diante do olhar atento da Mãe, deram a Alessandra os meios metabólicos para gerar uma cria saudável. Também lhe deram certa autonomia mental, indispensável para um ser que seria responsável pela segurança de outro. Isso significava que, ao apostar nela, a Mãe abria mão do seu controle, pois Alessandra teria uma mente poderosa o suficiente para se proteger de invasões. Toda boa mãe precisava disso.

O mesmo processo funcionara perfeitamente em todas as outras esposas, mas Alessandra tinha uma particularidade. Seu medo patológico de lesmas. Ela precisava cuidar bem de sua cria, mas também estava alerta para aquilo que seu inconsciente alertava como sendo uma ameaça. Então, lesmas alienígenas eram uma ameaça ao seu filho.

*

Tentáculos começaram a se projetar, mas Alessandra não teve medo. Danilo rompeu a corrente da algema no braço direito, mas o que poderia fazer? Não podia machuca-la. E Alessandra jogava mais sal no cano e socava para dentro com o cabo do desentupidor. Um cheiro de ferida pustulenta foi tomando conta do quarto.

Um tentáculo enrijeceu-se e tentou forçar Alessandra a se afastar. Mas ela tinha mais uma carta na manga. Sem sair de cima do marido, voltou a enfiar a mão por baixo da cama. Ele ouviu o som de metal arrastando. Ela agora tinha força para levantar o machado com apenas uma mão, mas usou as duas na hora de golpear. Ela cortou em vários lugares. Onde saíam tentáculos e onde a massa verde de seu verdadeiro corpo tentava escapar do uniforme de humano, como ele mesmo chamava.

Era o tipo de divórcio brutal e nojento do qual o marido jamais se recupera.

Seu marido derretia de dentro pra fora, e fedia como carniça de sapo atropelado. Ele tentou se levantar. Alessandra estava sentada sobre ele. Seu pequeno corpo não pesava nada, mas ela conseguia força-lo mesmo assim. Ela não conhecia bem a própria força, mas, de alguma forma, sabia que conseguiria. Formas de vermes surgiam dos lados e ela as ia podando com o machado, e levantava e pegava mais sal e socava mais dentro do cano. Os olhos de Danilo estavam escorrendo. Não estava chorando. Os olhos é que estavam derretendo mesmo.

_Boa sorte com seu próximo relacionamento! – ela disse, ao se levantar, e deu um último golpe na cabeça dele, abrindo-a ao meio.

A forma borbulhenta que fora seu marido não morreu com isso, mas sabia que não ia viver. Alessandra manejava o machado com vigor, como se estivesse rompendo a sua sessão do Muro de Berlim. Ela despejou o resto do sal na ferida aberta e continuou as machadadas.

Enquanto dava golpes e mais golpes contra a gosma na cama, de pé, Alessandra reparou, com o canto do olho, que sua imagem era reproduzida no espelho retangular da porta do guarda-roupa. Ela descansou um momento e olhou-se no espelho, alisando a barriga.

Até que estava em muito boa forma, ela pensou, para uma dona de casa de 23 anos, grávida de três meses.

Danilo havia aberto sua boca vertical e alongado sua probóscide venenosa, mas não fez mais do que isso. Por mais que precisasse se defender, não poderia. A fêmea que escolhera, e a semente que ela carregava. Não era a função dos machos garantir que isso sobrevivesse?

O corpo de Alessandra era mais forte, sua mente era mais forte. A mãe perfeita deveria ser capaz de proteger sua cria de qualquer agressor. E Danilo pensou que não poderia ter escolhido uma esposa melhor.

*

Depois ela desceu as escadas, voltou para a sala e para o sofá, apertou o Play no controle remoto (Scarlett O'Hara e Rhett Butler tentavam uma última reconciliação, mas Alessandra sabia que eram um caso perdido), e ligou para uma pessoa com quem não conversava a um bom tempo.


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