48ª dose

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Os dias iam passando e, mesmo a dor não diminuindo, estávamos conseguindo ficar mais fortes por causa do Valentim.

Antonella bateu na nossa porta às três e meia da tarde. Ítalo estava arrumando a casa e eu tinha acabado de dar banho no Valentim.

Ela nos contou que Yara era sua grande amiga desde o ensino médio. Disse que foi ela quem insistiu com a terapia e, depois de muita pressão e argumentos aceitáveis, resolveu concordar. Afirmou que passou boa parte da infância de Ítalo ajudando Yara, mas se mudou para outro país e, quando voltou, o contato não era o mesmo. Perguntei se ela é formada em algo e ela sorriu, dizendo serviços sociais. Ítalo questionou sobre o teatro e ela se defendeu, explicando que realmente trata casais com problemas através de uma terapia alternativa. Ela disse que começou uma pós de psicanalista, mas parou e depois descobriu sobre terapia alternativa e começou os atendimentos para conseguir um dinheiro extra e que seus amigos pediram, mas quando percebeu já estava ajudando muitas pessoas, então continuou. Yara pediu que ela ajudasse e assim fez. Não houve pagamento.

— Ítalo é praticamente da minha família. Sabia que podia ajudar. Foram conselhos de uma tia — ela confidencia. — Eu não sou tão insistente em uma terapia normal, nem faço perguntas tão diretas, mas Yara pediu para eu perguntar coisas que iria fazer Ítalo sair da bolha que ele fica, protegido de sentimentos fortes. Ela queria que ele sentisse algo, nem que fosse uma raiva.

Ele não questiona mais e nem fica bravo. No fim, temos mais alguém para confiar. Antonella diz que podemos continuar com a terapia e nós concordamos. Ela resolve denominar como uma conversa íntima e soa melhor assim. Ela fez um bom trabalho, apesar da raiva que senti nas suas insistências sobre Rômulo.

Ela pede para Ítalo buscar o álbum de fotos no quarto de Yara e, mesmo sem saber o motivo, ele pega. Ítalo diminuiu um pouco a marra, tem questionado menos as coisas desde que Yara morreu. Quando Ítalo aparece com o álbum, Antonella abre e mostra algumas onde há três pessoas na foto.

— O tempo foi grato comigo, mas essa sou eu.

Então ela começa a apontar para várias fotos com Yara e com Ítalo pequeno. Haviam várias.

— Sempre me perguntei quem era essa pessoa, mas eu não queria conhecer ninguém, então não perguntei a minha avó. — Ítalo confidencia.

— Agora sabe que sou eu.

Fico encarando Yara mais nova, seu cabelo castanho claro como o de Rômulo. Olho para a foto de Antonella e seu cabelo era tão loiro e ela era tão diferente que, realmente, não dava para reconhecer.

Quando Antonella vai embora, a casa fica novamente silenciosa. Ítalo arruma obsessivamente cada canto e passa a chave no quarto de Yara. Quer deixar o cômodo assim. Não quer mais entrar. Não quer mais olhar. Não quer mais sofrer. Os dias transcorrem em uma imensa tristeza.

O primeiro mês sem Yara foi tão triste que Ítalo confessou que se o Valentim não existisse, ele se mataria. Fico mal por ele e estou aqui sempre que precisar, mesmo sabendo que ele nunca precisou de mim. Foi imaturidade achar sempre que ele precisava da minha presença. Tem um homem maduro a minha frente e a vida pode continuar sendo boa quando alguém importante parte. Só estou tentando descobrir como.

Quando insisto que ele precisa sair um pouco, ele diz que vai passar a tarde na casa de Bernardo e me chama para acompanhá-lo. Digo que vou ficar na casa dos meus pais e ele não insiste.

Se Bernardo tivesse aparecido em outra época, tudo seria diferente, mas eu amo Ítalo e estou aceitando muito bem esse sentimento. Bernardo virou apenas um amigo muito importante para mim. Ítalo não sente ciúmes dele.

— Dá tchau para o papai. — Seguro a mão do Valentim e balanço, fazendo uma voz fina. — Tchau, papai!

— Você é louca!

Ítalo está rindo com as minhas palhaçadas e eu não me importo em ser chamada de louca se é para ver aquele sorriso outra vez. Ele beija a cabeça do nosso filho e me dá um beijo rápido. Sinto o cheiro bom de seu perfume quando fica perto demais.

— A primeira vez que você me chamou de louca eu derramei uma cerveja na tua cara. Cuidado, ein — brinco.

Quando chego à casa dos meus pais, vejo Jessica me esperando com um imenso sorriso.

— Meu príncipe! — ela diz, tirando o Valentim do meu colo.

Valentim passa a tarde inteira sendo mimado por Jessica e meus pais. Quando consigo ficar sozinha com minha amiga, resolvemos colocar o papo em dia. Faz um bom tempo que não conversamos sobre a vida. Tenho sentido falta disso. Mesmo amando meu filho como nunca amei ninguém na vida, é tudo muito corrido e cansativo. Estou criando um humano que depende completamente de mim.

— Adivinha quem vai estudar em uma faculdade federal?

— Ai caramba, parabéns!

— Valentim necessita de uma tia rica pra dar passagem para a Disney no aniversário dele.

— Precisa mesmo.

— Só tenho que descobrir como ficar rica cursando filosofia — ela brinca. — Como está o relacionamento de você e Ítalo sem a Yara por perto?

Sinto um sentimento estranho. Estou muito feliz por Jessica estar em uma faculdade federal, mas esse era o plano que sempre fazíamos juntas, então ver que eu não estou, me deixou com uma sensação forte mostrando que tudo realmente mudou, mas não é algo ruim. Estou extremamente feliz que ela conseguiu o que queria, de verdade. Jessica merece o mundo inteiro.

Ao lembrar da pergunta, suspiro. Falar de Yara me deixa com uma sensação estranha, uma tristeza sem tamanho. Queria que ela estivesse aqui cuidando de tudo e me fazendo rir.

— Ítalo está muito triste! Mas nosso relacionamento está bom. Não brigamos sério ainda.

— É uma situação complicada. Por que ele não veio também?

— Foi na casa de Bernardo. Ele precisa sair um pouco. — Mudo de assunto. — Quando você percebeu que estava apaixonada por Scott?

— Quando eu vi que transar com ele é muito bom. — Faço cara de nojo ao vê-la pronunciar a palavra "muito" por pelo menos dez segundos. — Estou brincando! Eu me sinto bem com ele. É como se eu pudesse mostrar todos os meus defeitos e, em vez de ele correr, ele fica e abraça cada um deles. E olha que eu não consigo ficar de boca fechada, mas ele apenas rir das minhas inconveniências e tals.

Jessica diz mais coisas e eu sorrio. Sempre vou dizer ela que merece o mundo, e saber que um cara está superando suas expectativas e fazendo com que ela se sinta bem em par, me deixa feliz.

Ela me conta sobre as notas do Enem, quando vai à faculdade, sonhos, as peças que estão em cartaz e que preciso acompanhá-la. Fala de sua amiga Bruna e mais outras coisas. Faz perguntas íntimas demais sobre Ítalo e eu, diz que precisamos fazer mais do que beijar e confessa que percebeu que ele mudou muito. Não só comigo, mas com tudo e todos.

— Ele amadureceu, sabe? Não existe mais aquele babaca que eu queria socar a todo momento — Ela ri. — Acho que ele percebeu que não precisava se esquivar de todos os sentimentos e que precisava crescer. Não acho que foi por você ou pelo o Valentim, acho que ele foi aprendendo com os tapas que a vida deu.

Concordo. Não acho que Ítalo é o tipo de cara que mudaria porque gosta de mim. Acho que foi o contrário: ele gostou de mim simplesmente porque mudou. Acho que foi Rômulo que deu uma acelerada nesse amadurecimento apesar de ele estar bem diferente antes de ele aparecer. Não sei bem quando Ítalo mudou e por qual motivo, mas a vida tem sido ótima.

Jessica me conta mais coisas sobre a vida dela e que vai viajar em família. Finalmente tia Lindinalva resolveu pegar uma folga e distrair a cabeça. Ela continua falando empolgada sobre seu emprego, onde vai estudar, o pedido de namoro e mais outras coisas. Minha vida parece muito parada perto da dela.

Volto a sentir um sentimento forte que não sei explicar. Uma mistura de orgulho por tudo o que Jessica está conquistando e um sentimento de "se eu não estivesse engravidado?", mas logo expulso esse sentimento, pois amo a vida que tenho agora apesar de não romantizar as coisas que estou perdendo. Não foi nada planejado, mas aconteceu e talvez, só talvez essa era para ser a minha vida, não sei. Gostaria de ter engravidado em um outro momento? Confesso que sim, mas eu tenho levado os ensinamentos de Yara para a minha vida. Aceito tudo de bom e tudo o que vem depois.

Chega a hora de ir embora e vejo Valentim dormindo no colo do meu pai. Sorrio ao ver o biquinho que ele forma.

Observando os meus pais tão apegados com o Valentim, até esqueço o medo que tive com a reação deles e tudo o que passamos. Esqueço a pressão que senti, a vontade que tive de me esconder deles e do mundo. Esqueço de tudo.

— Vai dormir aqui? — Meu pai pergunta.

— Não. Ele dormiu que horas?

— Agora.

— Por que não dorme aqui? — Minha mãe pergunta.

— Ela não quer deixar o marido sozinho, tia. — Jessica vem por trás de mim, rindo.

— Chama ele para dormir aqui — Meu pai diz.

Fico descrente ao ouvir a frase do meu pai. Tudo bem que já tenho um filho com Ítalo, mas ele sempre deixou bem claro que nenhum homem dormiria aqui comigo, mesmo se fosse o meu namorado. O papel dele sempre foi negar e ser chato; nunca passou pela minha cabeça que ele pediria para eu chamar um homem para dormir aqui comigo. Antes de o Valentim nascer, ele nem podia supor que eu estivesse transando com alguém, sempre fazendo um interrogatório chato. Agora meu pai quer que Ítalo durma aqui, e minha mãe apoia. Eles insistem tanto que eu sei que querem isso para ficar mais tempo com o meu filho.

Jessica saiu com Scott e Ítalo aceitou sem nem questionar. Quando ele chegou, eu estava na sala dando de mamar para Valentim.

— Não consegue ficar sem mim? — Ele diz, rindo.

— Ai, Ítalo — reviro os olhos — Não deve ser bom Valentim dormir sem o pai tão cedo assim.

É a pior desculpa que já inventei na minha vida, e ele percebeu. Dava para perceber isso facilmente, mas também não disse nada. Só que agora rimos juntos deixando claro que eu poderia ter inventado algo melhor.

Como minha cama é pequena e meus pais resolveram grudar no meu filho, ele ficou no quarto deles. Adverti que o Valentim acorda várias vezes de madrugada, mas o cômodo é ao lado e conseguirei ouvir o choro. Eu acho. Já não sei o que é dormir direito há meses.

— Teu quarto não tem um banheiro? — ele pergunta.

— Então, playboyzinho, não é comum as pessoas terem uma suíte, sabe? Pelo menos, não onde moramos — digo, rindo.

— Qual é, cara?! Nem sou playboy — ri. — Seus pais entram aqui?

Olho para Ítalo e conto que eles não costumam entrar, então ele começa a se desfazer de suas roupas, deitando ao meu lado apenas de cueca.

— Quando você fez isso pela primeira vez, imaginei que fosse para atiçar — conto.

— Por quê? Eu te atiço com roupa, por foto, quilômetros de distância — ele diz, rindo.

Quero dizer que ele está mentindo, mas sei que é real. Ítalo é o que chamam de ponto fraco. Ele me atiça de um jeito inexplicável. Olhando para trás e relembrando tudo o que aconteceu, agora sei que todos meus impulsos eram para fazê-lo me notar de alguma forma. Ele pergunta por que gostei dele e eu penso em uma resposta aceitável.

— Porque te achei lindo. Gostei de você porque se destacou no meio dos amigos. Sei que é errado, mas gostei por causa da sua aparência.

— E depois? Por que continuou gostando?

— Apesar de você ter sido um babaca mil vezes, gostava de estar perto. Pode ser difícil de acreditar, mas você é mais que um rostinho bonito.

Tento dizer tudo sempre sorrindo, pois fico nervosa com as perguntas que ele faz. Não gosto muito de falar de sentimentos. Ítalo permanece sério e se vira olhando para mim. Ficamos deitados de lado, olhando um para o outro.

— Bernardo é um cara legal. Poderia ter sido a sua melhor escolha.

— Mas seria injusto ficar com ele querendo você. Ele é incrível, mas meu coração te escolheu.

— Que clichê! Eca — Ele faz uma careta, rindo.

— Mas somos um clichê. A garota certinha se apaixona pelo garoto problema.

— E como seria o nome do nosso filme?

Penso na festa, no sexo, na gravidez, na mudança, nas bebidas. Penso em como esperei Ítalo me notar por todo esse tempo. Tento juntar tudo e escolher um nome que combine. Os minutos passam e Ítalo não diz nada. Apenas espera.

— Quando estiver sóbrio — digo.

Ele pergunta o motivo do nome, e conto que esperava ele ficar sóbrio para perceber que eu estava sempre ali. Queria que o álcool não estivesse em seu organismo quando ele me beijasse. Esperei a gravidez inteira para que ele arriscasse algo comigo sem que pudesse culpar a bebida depois. Digo que não acreditei em sua amnésia alcoólica, e ele tenta se defender, mas o interrompo. Não me importo se ele não lembra ou mentiu que esqueceu. Eu esperei um beijo sóbrio para ele não ter nada para culpar depois e nem para fingir que não aconteceu.

— Estou sóbrio! — Ele sussurra.

Então me beija. Não rola nada mais que isso. É como se estivéssemos recuperando todo o tempo que perdemos e todas as vezes que não nos beijamos. Um beijo sóbrio.

É tão bom que nem parece real.



{Olhem o nome do livro aparecendo!!! Aaaa ♥}

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{Olhem o nome do livro aparecendo!!! Aaaa ♥}


{Olhem o nome do livro aparecendo!!! Aaaa ♥}

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Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora