45ª dose

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Eu sempre amei o natal mesmo não sendo religiosa. Parece que o mundo inteiro muda com essa data. Sinto uma sensação boa quando essa data chega. É como se sobrasse tempo para tentar outras coisas. O natal traz novas possibilidades. Gosto dessa sensação de vida nova como se fosse magia. Acho que é porque está todo mundo esperando a mesma coisa. O tempo todo estamos esperando coisas diferentes, então, quando essa data chega, parece que pertencemos a algum grupo.

- Vó, vê se esquecemos de algo.

Estou arrumando a farofa na mesa enquanto Ítalo anda de um lado para o outro com o Valentim no colo. Yara está ao meu lado, me ajudando com a decoração. Nunca imaginei que uma casa pudesse ficar tão bem decorada. Até na cozinha tem pisca-pisca. Acho que eles guardaram as decorações de todos os anos, e Ítalo ainda comprou mais. Ele queria que tudo ficasse perfeito para o primeiro natal do Valentim e talvez o último de Yara.

- Vocês são incríveis - ela diz. - Está tudo perfeito.

Todos os anos, passo o Natal com meus pais e a família de Jessica, mas este ano organizamos uma grande ceia para todos estarem ao lado do Valentim. Jessica até comprou um body branco para ele escrito "Meu Primeiro Natal".

Provavelmente, um dos muitos amigos de Ítalo vai passar aqui depois da meia-noite, e estou muito animada com tudo isso. Quero criar boas memórias para Valentim. Tenho tirado mais fotos que o que eu costumava tirar. Cada vez que ele abre os olhos, eu tiro uma foto. Já enchi todo um álbum. Estou ansiosa para viver essa data ao lado das pessoas que eu amo. Quero esquecer o caos que foi a maior parte deste ano.

Yara não está se sentindo muito bem. Foi ao médico uns dias atrás e conversou sobre a quimioterapia que ela insistiu que quer fazer. Disse que vai lutar contra o câncer e sair vitoriosa. Admiro a positividade, mas tenho que ser realista ao constatar que ela não está nada bem. Vejo várias vezes ela tentar esconder algum sintoma, mas eu percebo. Não é fácil cuidar e, ao mesmo tempo, manter o otimismo, mas estou fazendo o possível para pensar no melhor. Não será a primeira nem a última a passar por isso, então, junto com a fé de todos que a amam, sei que vai dar certo. Tem que dar certo.

Mesmo fraca, tento manter o máximo de tempo Valentim no colo dela. Tiro várias fotos e abraço os dois o tempo inteiro. Venho focando mais no meu filho e em Yara. Apesar de estar muito bem com Ítalo, pela a primeira vez, ele não é o foco.

Jessica trouxe pavê e, antes que alguém fizesse a piadinha idiota, me apressei logo em dizer que não é engraçado. Uma atitude que não valeu de nada, pois assim que meu pai chegou, ele falou a frase mais ouvida no Natal e Ítalo riu, dando início a uma sequência de piadas ruins como a que fizeram da torta:

- É torta ou é reta? - Ítalo perguntou, rindo.

- É para comer! Enche a boca e para com isso - Jessica disse.

A irmã de Jessica ficou o tempo todo ao lado do Valentim. Quando fui trocar a fralda dele, ela veio e perguntou se eu queria ajuda. Fingi que precisava, e ela saiu toda feliz contando à mãe que fechou o body do meu filho.

Bernardo parou seu carro nada chamativo na frente da casa de Ítalo onze horas em ponto. Comeu uma salada de frutas, conversou um pouco e confessou, meio sem jeito, que não ficaria muito tempo, pois tem que conhecer os pais de uma garota que ele está saindo e ainda jantar com sua família. Fiquei feliz por ele. Uma felicidade sincera. Eu não posso ser a mulher que o ama, então está no direito de ser feliz com outra. Espero que ela não o magoe, como eu fiz. Ainda bem que ele protegeu bem o seu coração.

Valentim só veio no meu colo para mamar. Meus pais e Jessica grudaram nele e sei que tiraram mais de trinta fotos só hoje. Também sei que vão me enviar todas elas.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora