4ª dose

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Uma hora ou outra teremos que assumir todo esse caos.

Dois dias se passaram e Ítalo não me procurou. Quando alguém diz que tem que falar algo sério comigo, eu penso naquilo até a pessoa me contar. Ítalo simplesmente fingiu que eu não havia dito nada, mas não tenho mais como esperar. Minha barriga parece estar um pouco inchada. Não o bastante para apontarem uma gravidez, mas ela já está querendo aparecer como um ovo quase imperceptível para quem não sabe, e um tormento para quem sabe.

Tenho ginecologista hoje. Como me atendo no posto de saúde do Morro do Riacho há anos, minha mãe não insiste em ir comigo. É uma consulta de rotina que marquei há alguns meses. Como se o destino soubesse que eu precisaria disso. Ainda preciso entender como engravidei tomando pílula e usando camisinha. Está tudo tão estranho.

Meu nome é chamado três horas depois. O posto estava bem cheio quando cheguei. Entro na sala da Doutora Patrícia e sorrio de lado ficando desconfortável como se fosse a primeira vez que eu piso ali. Decido falar rápido quando ela me pergunta o que me traz ali hoje.

— Estou grávida!

A expressão da doutora Patrícia muda instantaneamente, a suavidade dando lugar a uma seriedade que me faz sentir como se estivesse prestes a ser julgada. Ela estala a língua antes de consultar meu prontuário.

— Ok. Descobriu faz quanto tempo?

— Há alguns dias.

— Fez algum teste?

Seus óculos descem até o seu nariz e ela empurra com a ponta do dedo indicador. Seu cabelo cacheado está mais definido que a última vez e sua pele marrom está mais bronzeada como se tivesse ido à praia no fim de semana. Sua aparência está impecável, mas sua feição com cada resposta que dou não é das melhores.

Antes eu me tratava com a Doutora Philipa. Ela é bem quietinha e só fala o necessário. A doutora Patrícia sempre me passou uma confiança maior, mas agora é como se o seu rosto gritasse julgamentos. Estou surtando por dentro.

— Fiz três de farmácia e um de sangue.

— Ok. Não usou camisinha ou os outros métodos que conversamos, Julia? Apesar de parecer normal, gravidez na adolescência não é nada fácil, e lembro que você não terminou os estudos.

Estava pronta para ser julgada, mas não por ela e não agora. Seu dever é cuidar da minha saúde e não da minha vida particular. Estou bem irritada hoje. Não sei se são os hormônios, o fato de Ítalo não me procurar, ou essa nova fase da minha vida. Respiro fundo soltando o ar aos poucos. Eu não posso descontar nela. Respondo:

— Eu usei camisinha e tomei minhas pílulas todos os dias. Sei que vai ser difícil, mas não vejo outra opção. Quais alternativas eu tenho? Apenas criar, não é?

Mesmo com meu tom suave, vejo que ela ficou desconfortável com a minha resposta. O que posso dizer? Não me dão outras alternativas. Ficaria muito contente se eu tivesse.

— Ok. Vamos por partes: notou que a camisinha estourou? Vocês colocaram ela corretamente?

Penso por um instante. Minha vontade é de gritar: "transo há um ano e meio. É óbvio que sei colocar uma camisinha. Aprendi no YouTube.", mas penso quando Ítalo amarrou e jogou na lixeira. Lembro do líquido escorrer em sua mão mesmo quando a camisinha estava enrolada. Pensei que fosse por um nó mal feito, mas não vejo outra explicação: ela estourou e nenhum de nós percebeu na hora.

Pela demora a responder, ela conclui que estourou. Não tenho coragem de dizer que sim. É como se dizendo essas palavras tudo ficasse mais real. Ela continua:

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora