Última dose

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Seguir em frente é um ato de resiliência, mesmo se sangrarmos ao longo do caminho.

Se Yara estivesse viva, hoje seria o seu aniversário.

— Não vai trabalhar? — pergunto a Ítalo.

— Não! — responde, seco.

Ítalo ainda está deitado. Não sei como lidar com ele no dia de hoje, mas tenho que descobrir logo. Sei que ele está passando por muita coisa, principalmente agora, e preciso encontrar uma maneira de confortá-lo, mesmo que seja só um pouco. Não consigo imaginar a dor que ele está sentindo. Cheguei a pouco tempo na vida dele e nunca participei de um aniversário de Yara, então não sei o que esperar. A única certeza que tenho é que o dia está pesado. Parece que o tempo entende o que está acontecendo, amanheceu nublado, como se compartilhasse a mesma dor.

— Já avisou para o seu patrão? — pergunto.

— Foda-se o meu patrão! — A voz dele é abafada por causa do travesseiro na frente do seu rosto.

— Tudo bem, mas dá bom dia para o nosso filho.

Eu sento na beirada da cama, deixando o Valentim deitado em minhas pernas. Aproveito que o nosso filho é ponto fraco dele para tentar diminuir todo esse sentimento que vem transbordando. Não quero que Ítalo fique mal o dia todo, mas entendo e respeito. Tive poucos meses com Yara, e ela se tornou uma das pessoas mais importantes para mim. Não sei o que Ítalo está sentindo, mas eu também não estou bem.

— Bom dia! — Ele tira o travesseiro do rosto e segura a mão do nosso bebê.

Os olhos dele estão vermelhos e seu rosto carrega uma tristeza tão grande que não sei o que dizer para aliviar. Estou tentando me manter forte, mas é difícil. Sinto como se estivesse realizando o maior sonho da minha vida e, ao mesmo tempo, alguém estivesse socando meu estômago repetidamente. A perda de Yara é uma dor imensa, e parece que eu não posso me dar ao luxo de sentir isso por completo. Preciso me manter firme e feliz pelo nascimento do meu filho, como se a alegria de ter Valentim não pudesse coexistir com a dor do luto. No entanto, ela existe e está aqui o tempo inteiro, me fazendo companhia.

— Diz bom dia para o seu pai. — Tento sorrir.

— Vou tomar um banho. — Ele levanta da cama e eu solto um suspiro pesado.

A perda de Yara dói tanto que é quase impossível segurar as lágrimas. Passei os longos minutos do banho de Ítalo lutando para encontrar algo que pudesse animá-lo, mas a tristeza me consome. Ele tomou banho no outro banheiro, enquanto o dele, usado para dar banho no Valentim mais cedo, ainda tem a banheira aberta no box, um lembrete da nossa rotina corrida e das tarefas que continuam, mesmo diante da dor.

Quando ele sai, vai direto para o seu quarto. Eu tinha ido ao quarto de Valentim para colocá-lo no berço, pois ele adormeceu. Ouço um barulho seguido de outros; Ítalo jogou todos os carrinhos e livros no chão. Agora, soca a parede de seu quarto com tanta raiva que, se continuar, vai acabar quebrando a mão.

Minha preocupação cresce ao ver seu estado. Não posso deixá-lo fazer isso, mas não sei o que dizer para acalmá-lo. Quando ele vai para perto do seus quadros, sei o que vai fazer e não vou deixar.

— Para! — grito. — Não faz isso, por favor.

— Sabe o quanto essa porra é injusta? Ela nunca fez mal a ninguém. — Ítalo está chorando.

— Se morresse só as pessoas ruins seria ótimo, Ítalo. Só que não é assim! E eu sinto muito por tudo isso.

Tento encontrar palavras que possam confortá-lo, mas sei que nada pode realmente aliviar a dor que ele está sentindo. Ítalo passa a mão na mesa do computador e arrasta o teclado e o mouse para o chão. Valentim se assusta com o barulho e começa a chorar alto me fazendo ir ao quarto para pegá-lo. Tento acalmá-lo balançando devagar no meu colo, mas Ítalo continua socando a parede e gritando coisas que não consigo entender. A dor o deixa com raiva. Compreendo, mas não posso permitir que ele transborde dessa forma. Volto ao quarto de Ítalo vendo aquela cena dolorosa. Não posso deixar ele agir assim.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora