Quanto mais você corre do clichê, mais tem a chance de ele acontecer.
Não sei onde li isso ou se foi Jessica quem me disse, mas quando senti um frio na barriga em um calor de 40 graus no Rio de Janeiro, de certa forma eu sabia que aquele cara seria o maior clichê que já vivi na vida, e não seria nada bom.
Não me lembro exatamente o que a mãe de Jessica nos pediu para comprar no mercado, nem por que eu levei alguns minutos parada na porta enquanto minha amiga colocava uma embalagem quadrada em uma sacola, mas tenho certeza que observava a rua sem pretensão alguma de me apaixonar.
Fazia muito calor e a rua estava relativamente cheia por ser fim de semana. A probabilidade de chuva era quase nula, assim como a minha vontade de cair no maior clichê do mundo: amor à primeira vista. Mas quando vi aquele cara passar com vários outros caras ao seu redor em uma conversa animada, todas as minhas chances de ser uma solteira sem ninguém para amar terminaram.
Enquanto o encarava descaradamente, comecei a achar graça. A sensação era tão absurda e inesperada que uma risadinha escapuliu dos meus lábios, apesar da minha tentativa de manter a compostura. O amor sempre me pareceu algo muito mais complexo do que aquilo, mas não conseguia encontrar outra explicação para o meu coração estar tão acelerado e para o calor do asfalto, que antes parecia um problema, não incomodar mais, mesmo eu estando de chinelo branco na rua. Meus pés suavam, assim como as minhas mãos. Não conseguia entender o que significava tudo aquilo que estava acontecendo com o meu corpo, mas eu não precisava de uma razão lógica, pelo menos, não por agora.
E foi nesse momento, enquanto ele passava por mim sem me notar, que eu comecei a me perguntar: o que é o amor, afinal? Eu sei que para os românticos incuráveis, amor à primeira vista é a coisa mais normal do mundo que pode acontecer a qualquer um e em qualquer momento. Para os céticos, é algo impossível, pois o amor é mais complexo do que uma simples troca de olhares. Para uma criança, tudo é amor: desde um abraço caloroso da mãe até um sorvete saboroso que derrete na língua em um calor que faz tudo parecer quente demais. Para os filósofos, tudo gira em torno de um questionamento, como um quebra-cabeça de peças intermináveis que não se encaixam.
Jessica, por exemplo, acha que amor à primeira vista é impossível, o ápice da carência humana. Posso até ouvi-la dizer: "Nós sabemos que carência não é amor, não é, Julia?". E talvez ela tenha razão. Ou talvez, só talvez, ela nunca tenha sentido essa emoção que cresce tão rápido e tão intensamente que faz uma gota de suor escorrer pela minha pele só de olhar para esse cara.
Mas, para mim, amor à primeira vista é um meio-termo. Está no meio disso tudo. Não sei bem se acredito ou fico cética. Sei que há mais mistérios no mundo do que explicações, mas não acredito nisso cem por cento. Não acredito muito em almas gêmeas, metade da laranja, nem naquele fio vermelho que os asiáticos dizem interligar duas pessoas. Acredito em paixão, atração, gostar. Só que o amor é tão forte que, toda vez que alguém me pergunta sobre isso, eu hesito e fico indecisa entre escolher um lado.
E então ele passou por mim, e minha indecisão sobre acreditar ou não pareceu insignificante diante da realidade. Sua pele branquinha, o cabelo aparentemente recém-cortado que se movia a cada vez que o vento quente o atingia, os pequenos alargadores nas orelhas que brilhavam quando o sol refletia na prata, e o jeito doce com que ele levava meu coração debaixo do chinelo enquanto passava, sem perceber que eu já o amava, foi o suficiente para me fazer quase babar naquela cena.
Eu sabia que era loucura, mas senti como se o amasse. Era uma conexão inexplicável, quase como se eu o conhecesse minha vida inteira. Ao mesmo tempo, uma parte racional do meu cérebro, inundado de amor, gritava que aquilo era insensatez. Eu não poderia amá-lo só porque sua beleza ofuscava todos os outros. Amor é mais do que aparência e, mesmo sem entender muito sobre esse sentimento, eu tinha certeza que aquilo que eu estava sentindo podia até ser forte, mas não tinha nada a ver com amor, mas, quando percebi, já estava observando cada parte do corpo dele e sua feição.
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Quando estiver sóbrio (COMPLETO)
Fiksi RemajaAdolescência pode ser a fase mais divertida da vida, mas, quando algo sai fora do programado, ela se transforma em algo bem difícil. Julia não sabia se deveria acreditar ou não em amor à primeira vista, mas bastou uma única vez para ela pensar em Ít...