27ª dose

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De todas as mudanças que tenho enfrentado, a cobrança de ser alguém que não sou é a que mais me assusta.

Jessica e eu brigamos.

Eu conto tudo a ela e não poderia deixar de mencionar que fui visitar Ítalo depois da terapia alternativa. Ela disse que eu não deveria ter feito isso e que deveria escutá-la com mais frequência. Disse que Ítalo já deixou claro que não me quer por perto e que, cada vez que vou atrás, acabo me humilhando. Ela disse tudo isso com o mesmo tom de sempre; delicado, porém havia algo a mais.

— É, Jess, mas eu fui. Senti que deveria ir e fui. Você sabe como eu sou — conto.

— Mas você não deveria — ela me repreende. — Ítalo te faz de idiota e você aceita, apenas.

— Mas eu não sei ser como você. Não fique esperando que eu faça algo que você faria, pois eu não vou. Você sabe — acrescento, olhando para ela.

— É, mas deveria. Você tem que parar de ser idiota — retruca de forma rude.

— O que deu em você?

Jessica está me tratando de forma fria hoje. Algo que nunca aconteceu. Não sei o que está havendo com ela. Eu sei que não deveria deixar Ítalo me tratar que nem uma idiota, mas há coisas mais sérias acontecendo. Ele não saiu e quando voltou estava mal. Eu estava na sala ouvindo tudo o que deixou Ítalo dessa forma, não consegui ficar em casa.

— Eu só fico irritada com essa história toda, Ju. — Ela respira fundo e me olha. — Ok, eu tenho o péssimo defeito de querer que as pessoas façam e ajam como eu.

— É, mas as pessoas são diferentes.

— Eu sei, mas eu não consigo.

Então ela começa a dizer coisas que me deixam magoada e eu tento ficar quieta ouvindo aquela conversa que parece muito mais uma bronca. Eu amo Jessica, mas ela teve que amadurecer cedo por conta da morte do seu pai. Eu não sei ser madura como ela, nem pretendo. Somos pessoas diferentes.

— Quando ele tiver se sentindo bem, ele vai arrumar uma namorada e você vai ficar aí se sentindo mal.

— É fácil me julgar quando não tem um bebê dentro de você — digo com a voz um pouco trêmula. — Você acha que não faria o mesmo, mas você não está nem próxima da situação que eu estou passando, então você não sabe.

Não sei o que está acontecendo comigo, estou me irritando por tudo, talvez sejam os hormônios ou talvez seja apenas eu mesma. Disse para ela que não gosto quando se mete na minha vida e que, na vida perfeitinha que ela vem levando, ela não sabe como é estar grávida. Fui além ao dizer que me sinto sozinha a maior parte do tempo enquanto ela arranja novas amizades. Ela disse, em um tom com um pouco de raiva, que eu estava sendo injusta e foi embora.

Quando percebi que passamos um pouco do limite, resolvi engolir o meu orgulho e enviar uma mensagem para ela pedindo para conversarmos. Pedimos desculpas. Ela confessou que passou dos limites e novamente comentou que tem mania de achar que as pessoas fariam o mesmo que ela. Também pedi desculpas por ter sido tão rude.

Jessica e eu nunca tínhamos brigado antes. Mas eu não queria levar uma bronca como se ela fosse minha mãe. Eu fiz o que achei certo. Eu sou esse excesso de impulso e, mesmo o tom dela sendo delicado, havia um olhar forte que me deixou incapaz de não brigar. O mesmo olhar das pessoas que me julgam por ter engravidado cedo.

Jessica tem uma maturidade que eu não consigo ter, e está tudo bem. Nós não somos iguais, ninguém é, mas senti que ela queria que eu fosse, então explodi. Eu não aguento mais me sentir pressionada o tempo inteiro. Tenho me sentido como se eu estivesse com falta de ar a todo o momento. Estou sufocando entre os jeitos que as pessoas querem que eu seja. Não consigo ser uma Julia mais madura, menos inconsequente, menos imatura, menos dependente. Estou lidando com muita coisa e o máximo que consigo ser é essa Julia aqui. Eu não estou bem.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora