27ª dose

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Jessica e eu brigamos.

Eu conto tudo a ela e não poderia deixar de mencionar que fui visitar Ítalo depois da terapia alternativa. Ela disse que eu não deveria ter feito isso e que deveria escutá-la com mais frequência. Disse que Ítalo já deixou claro que não me quer por perto e que, cada vez que vou atrás, acabo me humilhando. Ela disse tudo isso com o mesmo tom de sempre; delicado, porém havia algo a mais.

Não sei o que está acontecendo comigo, estou me irritando por tudo, talvez sejam os hormônios ou talvez seja apenas eu mesma. Disse para ela que não gosto quando se mete na minha vida e que, na vida perfeitinha que ela vem levando, ela não sabe como é estar grávida. Fui além ao dizer que me sinto sozinha a maior parte do tempo enquanto ela arranja novas amizades. Ela disse, em um tom com um pouco de raiva, que eu estava sendo injusta e foi embora.

Quando percebi que ela tinha razão, enviei um textão pedindo desculpas e ela me perdoou, mas sei que a feri. Nunca tínhamos brigado antes. Mas eu não queria levar uma bronca como se ela fosse minha mãe. Eu fiz o que achei certo. Eu sou esse excesso de impulso e, mesmo o tom dela sendo delicado, havia um olhar forte que me deixou incapaz de não brigar.

Jessica tem uma maturidade que eu não consigo ter, e está tudo bem. Nós não somos iguais, ninguém é, mas senti que ela queria que eu fosse, então explodi. Eu não aguento mais me sentir pressionada o tempo inteiro. Tenho me sentido como se eu estivesse com falta de ar o tempo todo. Estou sufocando entre os jeitos que as pessoas querem que eu seja. Não consigo ser uma Julia mais madura, menos inconsequente, menos imatura, menos dependente. Estou lidando com muita coisa e o máximo que consigo ser é essa Julia aqui. Eu não estou bem.

Estou com seis meses e, há alguns dias, descobri que existe um hormônio do estresse que, em níveis elevados, pode prejudicar o bebê, desde o parto prematuro até o déficit de atenção. Marquei uma consulta com a Doutora Morgan e, ao invés de me manter calma ao saber que as minhas pesquisas estão certas e que o hormônio se chama cortisol, me senti ainda mais nervosa com a possibilidade de prejudicar o meu bebê com essa briga idiota com Ítalo e a minha incapacidade de ficar calma.

Incrivelmente, meus exames estão bons. Eu acho que algum ser superior gosta de mim nesta vida. Mas, para garantir uma gravidez tranquila, decidi conversar com Ítalo e contar tudo o que descobri nas pesquisas. Ficamos três horas ao telefone e, apesar de odiar ligações, me esforcei, e fizemos um trato: pelo bem do bebê, não vamos mais brigar. Ítalo concordou, mostrando claramente preocupação. Ele não agiu com deboche ou usou suas frases para me magoar. Ele estava realmente preocupado com o nosso filho e, em todas as coisas que eu contava para ele que descobri em uma pesquisa ou outra, ele reagia a tudo com atenção e preocupação.

Faz duas semanas que estou morando novamente em minha casa. Senti saudade do meu quarto minúsculo, do único banheiro que tem em minha casa e até do cheiro forte do desinfetante que minha mãe usa, o qual agora me deixa levemente enjoada.

Apesar de ter sentido saudades de casa, lembrei várias vezes por que saí. Com os estresses do dia a dia, minha mãe sempre me coloca sob uma pressão fora do normal, falando constantemente sobre minha gravidez e meu futuro. Todas as palavras dela têm um tom que às vezes é de preocupação, outras vezes é como se quisesse que eu fosse a pessoa madura que ainda não sou. Tenho tentado entender essa forma de adaptação.

Tenho falado com Bernardo todos os dias e isso tem sido muito bom. Ele é engraçado e, apesar de ser amigo de Ítalo, não fala muito sobre ele. Algo que me deixa confortável, porque seria estranho ficar a todo momento falando sobre outra pessoa.

É dia de terapia e, apesar de ter saído de lá, preciso continuar frequentando. Adiei algumas sessões apenas para evitar encontrar Ítalo. Funcionou até agora, mas sei que tenho que voltar. Por causa do estresse, comecei a fazer meditação com Jessica e tenho gostado muito. Estamos juntas novamente. Mal falo com Ítalo e também prefiro assim. Disse a ele que quero viver a minha vida, e longe dele sinto mais vontade disso. Se eu não o vejo, não o quero.

— Como se sente? — Antonella pergunta.

— Bem.

— Pode dar uma nota de zero a dez a isso?

Como nos hospitais. Mesmo se eu estivesse mal, nenhuma morfina do mundo aliviaria a minha dor. A notícia boa é que estou bem e a outra é que isso não é um hospital.

— 6!

Eu realmente me sinto bem, mas há um incômodo. Algo ruim que me faz levantar todos os dias querendo que alguma coisa mude imediatamente. Sinto medo o tempo todo mesmo fazendo um esforço além do normal para ficar calma e manter o bom humor.

Nessas semanas ficando sozinha a maior parte do tempo em minha casa, reparei que é sempre sobre Ítalo. Digo que sempre fico por causa da família que eu quero construir, mas não tenho pensado no meu filho. Nem nome ele tem ainda. Passei a me sentir mal com essa conclusão. Não tive tempo para ter medo do parto e nem depois. Não pensei direito como vai ser quando o bebê estiver no meu colo e se conseguirei criar uma criança que respeite a todos e me ame muito. Era tudo sobre Ítalo. Eu foquei em dar uma família ao meu filho e esqueci que eu deveria ajeitar outra coisas antes da chegada dele.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora