Alçando voo

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Nos hospedamos na pousada Canto no Bosque. Fiquei fascinada com toda aquela beleza natural, e também não podia negar que estava ansiosa por um banho relaxante. Disse a James que o veria no jantar, nos despedimos do jeito mais desajeitado possível e fui para o meu quarto. Joguei a mochila no chão e fui direto para o chuveiro. Lavei meu cabelo e deixei que aquela água quentinha me envolvesse e levasse embora todos os pensamentos negativos que ameaçavam voltar a cada minuto.

Era estranho estar me sentindo tão bem e isso era o mais assustador. Tinha medo que toda aquela sensação fosse embora com a mesma rapidez que tinha chegado.

Estava experimentando novas sensações, queria viver tudo do que tinha sido privada por anos, pois aqueles últimos meses só tinham me provado que quanto mais sucesso e fama eu conseguia mais presa e sozinha eu me sentia.

Ao sair do chuveiro me enrolei na toalha e corri até a minha mochila para pegar o secador. Queria estar impecável para jantar com o meu colecionador de borboletas, mas assim que liguei a tomada nada aconteceu. Apenas um mau cheiro de queimado tomou conta de tudo. Tentei ligá-lo mais umas duas vezes e nada. O guardei de volta na mochila e decidi deixar o cabelo secar ao natural, afinal se queria tanto ser eu mesma, porque não começar pelos meus cabelos?

Tirei o excesso de água com a toalha e fui procurar por uma roupa bonita na mochila. Não havia levado muita coisa, então coloquei um vestidinho azul. Tinha comprado com a minha mãe assim que cheguei ao Brasil. Pelo menos para fazer compras ela era uma companhia e tanto. Tinha bom gosto e até me iludiu quando sorriu ao me ver com o vestido, aquele tipo de sorriso que aquece o coração, me senti uma filha e não apenas uma das amigas supérfluas dela. Uma sensação que durou apenas o tempo suficiente até eu notar que ela tinha chamado um repórter para nos fotografar. Aquele sorriso não passava de uma encenação. Revirei os olhos decepcionada, não com ela, mas comigo mesma por imaginar que ela podia me ver de verdade e não apenas como um investimento.

"E o óscar de melhor atriz vai para a mamãe!"

Olhei para o vestido enquanto colocava os brincos de pedrinha azul que tinha ganhado da Cris. Eram pequenos e delicados, mas me faziam sentir segura, afinal, ela era minha amiga de verdade. Apenas lamentava o fato de que eu ainda não tinha ido vê-la. E agora que ela estava tão bem, eu não queria estragar sua alegria sendo um peso. Queria me sentir melhor primeiro depois de tudo que tinha acontecido antes de vir para o Brasil. Queria me encontrar antes de ir ao encontro dela.

Dei uma última olhada no espelho e uma piscadela para mim mesma!

– Vai dar tudo certo! – disse antes de abrir a porta.

Enquanto girava a chave para trancá-la senti alguém se aproximar.

– Uau! Você está linda! – disse James assim que me virei.

Nem consegui respondê-lo. Ainda estava impressionada demais por vê-lo sem barba e com o cabelo bem penteado.

Ficamos parados olhando um para o outro. Ele então segurou minha mão e descemos juntos para o restaurante, que ficava num lugar mais parecido com um coreto ao ar livre. Sentamo-nos numa das mesas e sorrimos como se fôssemos velhos conhecidos.

– Você fez a barba! Eu gostei de poder ver seu rosto! – disse num impulso quase incontrolável de externar o quanto ele estava bonito.

– Digamos que encontrei uma razão – respondeu tocando o próprio rosto e meu Deus ele era muito gato!

– Mal cheguei e já estou amando esse lugar! – respondi olhando ao redor, não queria parecer uma maníaca por encará-lo tanto. – É tudo tão rústico e ao mesmo tempo tão aconchegante e bonito!

– Eu também amo esse lugar! Vim uma vez e não resisti a oportunidade de voltar e tenho certeza que achará ainda mais bonito ao nascer do sol!

– Também tenho certeza! – respondi olhando novamente para ele e sorri como se os meus problemas não existissem mais.

– O que vai querer comer? – perguntou pegando o cardápio.

– Não faço ideia!

Estava acostumada a praticamente comer apenas salada e água, mas estava disposta a sair da dieta e queria experimentar tudo.

– Acho que vai amar o Godó de banana!

– Se você diz, então eu vou querer!

– Vamos querer o Godó, por favor, e dois sucos naturais de...

– Laranja! – completei olhando para ele.

– Sim de laranja! – finalizou o pedido.

– O Godó é um ensopado de carne de sol e banana verde! É meu preferido, espero que goste!

– Estou morrendo de fome! Então espero gostar também!

– Se não gostar podemos pedir a farofa de garimpeiro que também é uma delícia. Ela é feita com carne de sol frita e temperada.

– Mesmo se eu gostar do Godó eu acho que vou querer essa farofa também! – e sorri já sentindo água na boca por causa do cheirinho da comida que vinha das outras mesas.

– Não tem problema comer tantas coisas calóricas?

– Tem sim! – respondi me ajeitando na cadeira. – Só me deixam comer salada e me obrigam a seguir uma dieta bem restrita, dependendo do trabalho que vou fazer chego a ficar dias sem comer direito.

– Acho que agora entendo o porquê você fugiu! – disse me olhando tão profundamente que tive que desviar o olhar.

O James era do tipo enigmático, que não transparecia o que realmente estava pensando e isso aumentava ainda mais meu desejo de desvendá-lo.

O garçom trouxe os pratos e quase me engasguei com o Godó. Ele estava tão maravilho que foi difícil manter a etiqueta. James me olhava como um sorriso lindo de satisfação, daqueles que damos quando ganhamos um presente precioso.

Assim que terminei de comer ele pediu a farofa e eu a devorei bem rapidinho também. Estava amando sentir aquela explosão de sabores. Não me lembrava de comer algo assim tão gostoso a minha vida inteira.

Quase não conversamos durante o jantar, talvez fosse por causa do fato de que eu estava sempre com a boca cheia, mas dava para sentir uma deliciosa atmosfera familiar. Eu só tinha sentido algo parecido quando estava com a Cris.

A cada olhar, a cada sorriso, a cada sabor eu me sentia cada vez mais em paz.

– Quer dançar? – perguntou enfim segurando a minha mão novamente, após o breve silêncio.

– Mas não tem música – respondi olhando em seus olhos.

–Eu canto pra você! – disse se levantando e pegando minha mão.

Como poderia recusar? Ele cantou e enquanto dançávamos senti nossos corações baterem no mesmo ritmo e sem que percebesse nossos rostos ficaram numa proximidade perigosa. Estava tão ansiosa naquele momento, que era como se milhares de borboletas estivessem festejando no meu estômago.

Mas quando nossos lábios se encontraram, tudo ao nosso redor perdeu a importância, era como se nada mais existisse. Simplesmente um conforto, uma segurança, uma liberdade quando eles se encaixaram. Sim, definitivamente um encaixe perfeito e de uma forma ainda sem explicação eu sabia que tinha encontrado algo que sempre procurei e que não poderia nunca mais deixar escapar. Ele terminou o beijo e olhou para mim.

Eu ainda podia sentir seu hálito quente. Sorrimos um para o outro e ainda envoltos naquele frenesi, vi uma borboleta passar por nós, talvez ela nem fosse real e sim apenas um reflexo meu no espelho da noite e ainda seduzida por aquele pequeno símbolo de liberdade, me senti livre e feliz como nunca antes, me senti como aquela borboleta pronta para alçar o primeiro voo rumo a surpresas que só descobriria com o tempo. Rumo a um mundo novo, longe das futilidades e dos padrões tortos de uma sociedade que se esqueceu de que para ser feliz basta ter o suficiente, basta não julgar, basta aproveitar os milésimos de segundos de um sorriso, de um olhar, de um beijo.

O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora