Sem fôlego

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   Dirigi durante todo o tempo como se meus braços estivessem pesados. O peso não estava apenas nos meus ombros. Todo o meu corpo ainda trêmulo ansiava por ela. Era como se tudo fosse se resolver pelo simples fato de tê-la comigo de novo.

   Ficava vendo o rosto dela, ouvindo sua voz,  mas no fundo sabia que tinha que ser prático.  Ela tinha ido embora magoada e agora estava passando por todo aquele turbilhão com as notícias daquele assassino.

Como poderia reaparecer do nada?
O que deveria dizer a ela?

   Estacionei o carro no mesmo quarteirão onde ficava o prédio dela. Havia um grande movimento de repórteres.

   Ainda não sabia o que dizer. Eu não podia falar sobre o meu pai ou sobre a Susan. Falar que estava sendo acusado de assassinato e que tinha fugido da cadeia seria quase que me colocar como o maníaco que estava matando outras versões dela.  Só de pensar naquelas coisas já me sentia culpado, imagina então  ouvir isso saindo da boca de alguém. Saindo da minha propria boca.

   Tinha vindo parar ali, tão próximo a ela como consequência do acaso, mas ninguém além do meu pai acreditaria nisso.

   Caminhei devagar, tentando pesar cada palavra. Tinha que reconquistar sua confiança antes de dizer a verdade.

   Ao chegar em frente ao prédio, passei pelos repórteres e após muitos empurrões consegui entrar. Mas, havia ainda mais repórteres lá dentro.

   Suspirei fundo e fiquei parado analisando cada detalhe do lugar. Vi os repórteres entrevistando algumas garotas, provavelmente outras modelos. Vi algumas pessoas com roupas comuns passarem sem ser incomodadas. Precisava me passar por uma delas para chegar ao oitavo andar.

   Uma senhora idosa passou ao meu lado com sacolas de compras, sorri para ela e me ofereci para ajudar.  Ela sorriu ainda desconfiada.
 
   - Você é um deles, não é? - perguntou como se pudesse ver através de mim.

   - Não,  na verdade estou aqui para visitar minha tia Mary - disse sorrindo inocentemente.  - Que loucura tudo isso, ainda não consigo acreditar no que aconteceu. - continuei tentando fazê-la interagir comigo.

   - Ah sim! Todos pensamos que ela estava morta e dizem agora que ela voltou e que está envolvida com tudo isso - disse me entregando as sacolas e olhando para os lados como se não quisesse ser ouvida.

   Respirei aliviado por ela não ter feito mais perguntas ao meu respeito. Não queria ter que mentir de novo. Ela continuou a tagarelar enquanto entrávamos no elevador. Apertando o botão para o sétimo andar ela se virou para mim e sorriu.

   Não gostava de fazer pré julgamentos, mas aquela senhora parecia não ter um ouvinte há anos. Pois em poucos minutos fez um resumo sobre todos os vizinhos. 

   Falar com ela me fez relaxar um pouco,  mas ao chegarmos no sétimo andar a porta se abriu e saímos juntos. Deixei as sacolas na porta de seu apartamento e me despedi antes que ela quisesse saber mais sobre a tal tia que inventei.

   Voltei para o elevador e apertei o botão do oitavo andar. Minhas mãos estavam suadas e minha respiração levemente irregular. Fechei meus olhos durante os segundos que levei para chegar ao meu destino. Após a porta se abrir, eu segui rumo ao apartamento em que ela morava.

   Parei em frente a porta, mas faltava-me coragem para prosseguir. Ainda não tinha ideia sobre o que dizer.

   Os minutos se passaram e os riscos de alguém aparecer apenas aumentavam.

   Respirei fundo e dei duas leves batidas na porta. Fiquei próximo ao olho mágico para que ela pudesse decidir se queria me ver.

   Passaram-se três longos minutos, talvez mais longos que os 29 que tinha gastado para chegar Greenpoint.

   Ouvi a chave girar e o barulho de um trinco se abrindo. Meu coração batia tão forte que senti minhas têmporas pulsando.

   Ela abriu a porta...
   E ficou lá parada,  me olhando como se não acreditasse que era real ...

   Antes que eu pudesse dizer algo, senti seus braços em torno do meu pescoço e seu corpo tão junto ao meu que era impossível separar as batidas de nossos corações. Ambos batiam na mesma frequência acelerada.

   Afundei meu rosto em seus cabelos e respirei fundo para que a essência daquele momento pudesse invadir meus sentidos e serem gravadas assim como eu fazia ao pintar uma borboleta rara em aquarela.

  Todos os meus medos se foram com o simples toque de nossos corpos.

   - Você é real? - perguntou ainda nos meus braços.

   - Eu ia dizer a mesma coisa - disse me afastando para poder olhar para ela.

   Ela me abraçou novamente e em seguida me puxou para dentro do apartamento.

   - Me desculpe - dissemos juntos o que nos fez rir ainda desconcertados.

   - Eu fugi, porque eu fiquei com vergonha do que eu disse na cachoeira - disse com os dedos entrelaçados aos meus. - Mas não há  um único momento que não me arrependa disso. - E olhou como se tivesse chegado minha vez de falar.

   - Não precisa se desculpar, eu que estraguei tudo, mas quero me redimir pelo que aconteceu. - diminuí a insuportável distância que ainda havia entre nós e a beijei.

   Beijei com tanta urgência que todos os meus pensamentos se tornaram sussurros distantes. Ela era uma parte de mim que eu não queria perder. Que eu não podia perder.

   Pensar dessa forma me assustava, pois o autodominio sempre fôra minha maior qualidade, mas naquele momento eu era dela e só isso importava.

  

O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora