Com medo

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Continuei dirigindo sem rumo. Adentrei pela escuridão da noite sem ter a menor ideia do que deveria fazer.

Ainda não sabia como falar com o meu pai. Ele nunca fora alguém que merecesse tanta consideração ou que quisesse agradar. Eu só,  lá  no fundo, sabia que tinha deixado o coração me levar e como esperado, não tinha como dar certo.

Sem perceber, sem prestar atenção ao caminho, eu estava em frente ao prédio dela e fiquei lá, com as duas mãos no volante e de cabeça baixa.

Sim! Estava envergonhado...

Talvez estivesse esperando ser preso longe de casa. Tentando encarar as consequências sozinho, sem implicar mais ninguém.  Talvez numa forma de gratidão.

Não havia repórteres,  nem policiais. Imaginei que todos ainda estivessem no estúdio, ou em algum lugar seguro.

Mesmo com uma leve pontada de alegria ao imaginá-la segura, lá no fundo, eu queria vê-la nem que fosse por última vez.

Liguei o rádio e a notícia era sempre a mesma. O desaparecimento de Francyelle Lopes Pirelli, a jovem modelo que poderia estar morta.

Escutei baterem no vidro.
Era Amélia!  Oh meu Deus era Amanda...

_ Eu precisava ver você,  nem acreditei quando vi seu carro parado aqui _ disse entrando no carro.

_ Eu fiquei tão preocupado _ meu coração estava tão acelerado que mal ouvi minhas próprias palavras.

Ela me beijou.  Segurou meu rosto entre suas mãos delicadas e me beijou.

Aproveitei cada pequena sensação que aquele beijou causou em mim e fiquei olhando para ela.  Pensando em como começar a dizer a verdade.

Eu precisava dizer, não poderia deixar que descobrisse por outra pessoa. Não podia esperar pelas algemas.

_ Eu preciso conversar com você _  disse ainda sem saber como começar.

_ Eu não quero conversar, eu só quero que me abrace forte, por favor, eu preciso _ suplicou ela me envolvendo com seus braços.

Eu a apertei contra meu corpo e suspirei sob seu cabelo. Era uma peruca loira, mas de olhos fechados não havia disfarces, era simplesmente ela, Amanda.

Eu tinha que dizer, mas as palavras não saíam e no fundo um sentimento egoísta me possuiu. Eu queria apenas aproveitar cada segundo. Cada sensação.

Eu não queria abrir mão de tudo aquilo.
Eu não podia...
Eu não suportaria...

_ Como conseguiu escapar? _ soprei em seu ouvido.

_ Eu fugi! _ eu conseguia sentir o sorriso dela ao dizer isso. _ A polícia procurou em todos os lugares,  mas não encontraram nada, quem fez isso apagou  os vídeos das câmaras de segurança.

_ Então não fazem ideia de quem foi? _ perguntei aliviado por não terem me visto entrar.

_ Ainda não, e por isso estou com tanto medo... _ disse me apertando ainda mais forte.

Só então percebi o quanto estava sendo ridículo.  Eu estava preocupado apenas comigo, aliviado por não estar no radar.

Eu afastei esses pensamentos covardes e a alinhei em meu colo.  Ela estava trêmula e assustada.

Eu precisava dizer a verdade antes que fosse tarde demais.

Respirei fundo ainda sem conseguir olhar para ela, fiz carinho em seu braço e em seu rosto. Beijei cada centímetro de pele que estava ao meu alcance.

Era como beijar veludo ou seda. Era tão delicado como as asas da borboleta mais rara.

_ Amanda eu fui preso no Brasil, acusado de matar a Susan, eu juro que não a matei, mas não acreditaram em mim, depois de tudo meu pai apareceu e me ajudou a fugir e eu vim parar aqui, perto de você.  _ pausei _ Eu sei que parece coincidência demais para ser real, mas a verdade é que mesmo que mais ninguém acredite em mim, eu ficaria feliz se você acreditasse, porque, porque... Eu amo você, amo com cada parte do meu corpo, amo como nunca imaginei amar... _ fechei os olhos esperando a reação que ela teria.

Quando nada aconteceu, criei coragem e olhei em seu rosto.

Ela estava dormindo como uma criança ao sentir a segurança do colo de um pai.

Ela não tinha ouvido nem mesmo uma palavra. Sorri e chorei ao mesmo tempo. Estava alegre,  estava triste, estava desesperado.

O que eu deveria fazer?
Como poderia fazer?

O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora