Enjaulado

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O policial mais jovem me guiou até o carro lentamente como se quisesse me exibir como um troféu. Eu não abaixei minha cabeça. Eu não era culpado e nada, nem mesmo o aglomerado de pessoas me chamando de assassino, me fariam mudar de postura.

Me colocaram no banco de trás e me conduziram a pequena delegacia da reserva, mas assim que entramos percebi pelos rostos dos oficiais que eles já tinham decidido que eu era culpado. Me interrogaram numa pequena saleta. O delegado fez perguntas padrões. Pareciam devidamente ensaiadas. E a cada resposta minha, eu me sentia ainda mais impotente. Era como se não estivesse sendo realmente ouvido. Ele rebatia cada uma das minhas respostas com as mesmas perguntas.

"Por que você a matou?"
"Como a induziu a ir até o seu quarto?"
"Mais alguém ajudou você? "

Suspirei fundo após perceber que não acreditavam em nenhuma de minhas palavras. Eles já tinham certeza da minha culpa.

E o que eu poderia fazer?
Não haviam testemunhas a meu favor. Não havia ninguém por mim.

Me levaram para uma cela pequena e surpreendentemente fazia. Havia me imaginado num aglomerado de pessoas, mas não podia dizer que não tinha me sentido aliviado por ter me enganado.

A cela era pequena e empoieirada. Tinha um banco de concreto preso a lateral esquerda da parede e acima dele um fino colchonete amarelado. Uma privada no canto direito e uma pequena janela no alto.

Me escorei nas barras a minha frente tentando enxergar o que existia além delas, mas apenas o corredor que havia me levado da sala do interrogatório até lá, que era possível de ser visto.

Uma sensação sufocante começou a possuir meu coração. Me sentia um passarinho preso a uma gaiola ou como a um animal enjaulado. E era uma tortura não poder fazer nada para voar para longe dali.

Caminhei ainda hesitante até o que poderia chamar de cama e me deitei. Fechei os olhos e tentei me concentrar no rosto da Amanda. Tentei mentalmente voltar até a cachoeira do Buracão no exato momento em que ela observava o balé das andorinhas. O sol e o vento atingindo seus cabelos numa sincronia angelical e perfeita. Quase uma pintura guardada no meu coração.

Senti um sorriso crescer em meus lábios e um certo conforto por ainda ter aquelas lembranças e por ainda ter uma mente que poderia ultrapassar aquelas barras grossas de metal à minha frente.

Tentei me concentrar em tudo que faria quando a encontrasse de novo. Mantive esses pensamentos até meu corpo inteiro não suportar mais ficar deitado naquele lugar.

Me levantei tentando me alongar, mas ao olhar para a janela percebi que a sombra criada pelo sol na parede mal tinha se movido. O tempo parecia congelado naquele lugar cinza.

Andei de um lado para outro tentando agora refazer meus passos no dia anterior, tentando encontrar alguma conexão ou lembrança perdida, mas não conseguia ver nada de novo. Não conseguia entender como aquilo podia estar acontecendo comigo.

Por volta do que acreditei ser a hora do almoço alguém se aproximou da cela balançando um molho de chaves.

_ Seu advogado quer falar com você.

" Meu o quê? _ pensei franzindo o cenho.

Eu não tinha nenhum advogado e achava impossível que algum da cidade tenha se disponibilizado para me defender, ainda mais com uma visita naquele horário.

Caminhei pelo corredor de volta a seleta em que tinha sido interrogado e me deparei com a última pessoa que imaginava ser possível.

O guarda se retirou assim que me sentei.

_ O que você está fazendo aqui? _ perguntei com vontade de pular em seu pescoço.

_ Achou mesmo que eu deixaria você aqui? _ perguntou fingindo se importar com a minha situação.

_ Isso não pareceu um problema no passado _ respondi num tom desafiador.

_ Eu nunca abandonei vocês! _ afirmou.

_ Minha mãe morreu te esperando voltar e Lucy mesmo em seu leito de morte nunca perdeu a esperança de vê-lo novamente _ disse engolindo seco. _ E agora quer que eu acredite que não nos abandonou?

_ Eu sei cada pensamento que você tem sobre mim, mas será que a história do velho fazendeiro nunca te ensinou nada? _ pergunto sem desviar o olhar do meu.

_ Não me venha com essa velha história _ gargalhei. _ Para mim você sempre será o monstro que batia na minha mãe e que deixou minha irmãzinha morrer... _ respondi sentindo o ódio que cultivei por ele durante todos esses anos pulsar em minhas veias.

_ Me viu bater nela alguma vez? Ou só ouviu gritos e barulhos de móveis sendo arrastados? _ pausou. _ Nunca se perguntou o porquê de um homem tão cruel quanto eu, trancar você e sua irmã no quarto pouco antes das crises de sua mãe? As quais _ elevou a voz. _ As quais por vergonha ela dizia serem minha culpa.

_ Quer que eu acredite que ela era louca?

_ Está perguntando para mim ou para si mesmo? _ disse novamente com tanta certeza que me deixou confuso.
_ Eu fui embora não porque queria deixá-los, mas para protegê-los e eu estive com vocês a cada segundo, mesmo não me deixando ser visto. Estava lá quando sua mãe foi enterrada e chorei mesmo sem poder vê-la por última vez _ e desviou o olhar como se sentisse vergonha. _ Estava lá quando Lucy adadoeceu. Eu paguei todo o tratamento dela e sofri tanto quanto você quando ela se foi... _ pausou novamente como se doesse lembrar. _ Ela disse que te amava pouco antes de fechar os olhos _ vi uma lágrima escorrer por seu rosto cansado.

Como ele poderia saber disso se não estivesse lá? Minha mente agora estava tentando processar esse turbilhão de informações.

_ Você realmente acreditou que todo o dinheiro que vocês receberam era herança de uma tia desconhecida? _ perguntou erguendo uma de suas sobrancelhas.

Eu não podia dizer que tinha conseguido engolir essas história de herança. Sempre duvidei da origem do dinheiro e por mais confuso que tudo que ele disse aparecesse ser, ainda fazia mais sentido que todo o resto para mim.

_ Você matou aquela garota? - perguntou sem rodeios.

_ Eu não a matei _ respondi sem trepidar.

_ Então tirarei você daqui ainda essa noite.

_ Não irei fugir! Isso apenas atestará que sou culpado.

_ Acha mesmo que vão acreditar em você? Você já sabe o que eles pensam, então a menos que queira pagar por um crime que não cometeu, aceitará minha oferta...

_ Qual oferta?

_ Estou conseguindo sua transferência para Salvador e no caminho, antes que chegue a penitenciária você será resgatado e levado para um pequeno avião, de lá partirá para Nova York.

_ Nova York?

_ Sim... Ficará no meu apartamento e de lá vamos provar sua inocência.

_ E como posso ter certeza que cumprirá sua parte?

_ Não pode! Então tenha fé filho _ Ele se levantou e deu duas batidas na porta. Em seguida um guarda o deixou passar e outro veio me levar de volta para a cela.

Voltei ainda mais perturbado que antes. Meu pai estava de volta e parecia tão diferente da imagem que criei e recriei durante anos. Era difícil aceitar tudo que ele havia dito, mas no fundo eu sentia que era verdadeiro. Minha mãe era realmente muito instável e no fundo nunca confiei nela, mas era difícil duvidar das palavras dela quando via os hematomas.

Ahhhhh _ gritei dando um soco na parede.

Estava prestes a fugir para outro país e por mais que pensasse que essa era minha única saída, eu podia sentir o medo dessas incertezas pulsar em cada centímetro do meu corpo.


O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora