O Refúgio

141 29 38
                                    

Sabia que seria uma viagem longa, então assim que vi uma comissária de bordo pedi água. Carregava sempre alguns comprimidos de dramin comigo. Peguei um dos pequenos comprimidos e engoli com ajuda de um pouco de água. Enquanto a água descia pela minha garganta fiquei pensando que se tivesse tomado o remédio no onibus talvez nem teria conhecido o James. Ele teria continuado a ser o cara estranho e cabeludo que tinha sentado ao meu lado e nada mais.

   Fiquei olhando pela janela e vendo as nuvens abaixo de mim. Eram como algodão, mas levemente manchadas pelos raios de sol que as atravessavam de forma sútil, porém brilhante. O brilho foi se tornando cada vez mais forte, até que senti minhas pálpebras pesarem e tudo foi escurecendo.

Acordei com os barulhos típicos do pouso e com o solavanco da descida. Senti aquele frio na barriga de sempre, mas respirei fundo e tentei parecer serena. Afinal ninguém precisava saber o quanto eu era medrosa e boba.

Desembarquei no aeroporto Heathrow,  um dos maiores do mundo. Aquele era um dos lugares que me fazia pensar sobre a diversidade. Eram tantas pessoas diferentes chegando e saindo que eu me sentia ainda mais só. Eu não era nada naquela grande engrenagem. Talvez um pequeno inseto, mas nunca uma maravilhosa borboleta como ousei pensar enquanto estava com James.

Desci até o subsolo do aeroporto para pegar o Heathrow Express. Me sentei no corredor ao lado de uma senhora pomposa, usando um casaco de pele marrom. Unhas impecáveis, mas um semblante triste.

Olhar para ela me fez pensar no futuro.

Realmente poderia vir a me tornar algo assim?

Desci na última estação, Paddington. Queria chegar logo a casa da Cris. Sabia que poderia me recompor antes de voltar a vida normal.

Ela morava no distrito 2 de Londres, nomeadamente City of Westminster,um lugar caro para se morar, porém lindo.

Cris tinha conseguido muito sucesso em sua carreira e depois de ganhar a vigésima temporada do Face Off sua carreira decolou ainda mais. Ela fazia o que amava, mas nada tinha sido capaz de mudar sua essência. Ela ainda era a mesma garota. Era minha amiga.

Fui caminhando até seu apartamento. Estava tão frio que a neve deixou meu cabelo branco. Não era um trajeto longo, mas quase congelei. Não estava agasalhada o suficiente.

Meus músculos começaram a se contrair e meus dedos ficaram roxos. Não gostava nem de pensar em como estaria meu nariz. Ri com esse pensamento, mas um sorriso contido pelos tremores.

Quando avistei seu prédio, corri até a portaria e ao entrar sacudi o corpo para retirar a neve e tentei me recompor. Não precisei de muito para entrar. Felizmente os funcionários ainda eram os mesmos. Subi de elevador até o décimo oitavo andar e não tive que bater mais que duas vezes.

Ela abriu a porta e me abraçou forte. Era como se estivesse vendo um milagre.

_ Amanda como pôde fazer isso comigo? - perguntou assim que me libertou do abraço.

_ Eu precisava fugir de tudo - respondi a abraçando de novo.

_ Até a policia está procurando por você! - disse alterada.  _ Todos acharam que tinha sido vítima de um assassino em série que tem matado modelos em Nova Iorque.

_ O quê? _ Tudo parecia muito confuso.

_ Seus pais confirmaram que você tinha voltado, mas ninguém conseguiu nenhuma informação sobre você! Michel quase foi preso por ter pilotado o jatinho que você supostamente voltou para casa. Consta seu nome nos registros de voo, mas ele insistia que você tinha ficado no Brasil, porém  ninguém acreditou nele! Então pensamos o pior. _ e me abraçou novamente.

_ Eu estou bem, só não fazia ideia do que estava acontecendo e fui eu que pedi o Michel para voltar sozinho, eu ainda não estava pronta para voltar para casa.

Entramos juntas e nos esparramamos no sofá, ambas sem acreditar no que estava acontecendo.

_ Você estava em alguma caverna? - disse pondo fim ao silêncio. _ Sua foto saiu em jornais no mundo inteiro.

_ Eu me desliguei de tudo... Eu queria esquecer quem eu era... Sei lá, ser uma pessoa comum.

_ Amiga, você ainda está nessa de voltar a sua vida antiga? Pelo amor de Deus Amanda - disse apertando minhas mãos e olhando para mim. _ Deixamos nossas vidas pacatas e comuns num país falido e hoje temos uma vida muito melhor aqui...

_ Melhor? Eu acho tudo tão vazio! Eu queria ter algo verdadeiro, algo que tivesse certeza que era integralmente por mim e não por uma imagem formada pela mídia.

_ Você encontrou o que procurava? Porque depois do caos que seu sumisso causou, eu espero que tenha conseguido - e riu pela primeira vez desde que eu tinha chegado.

_ Eu encontrei, mas estraguei tudo... - disse lembrando do James. _ Eu sempre estrago tudo neh?

_ Faremos o seguinte - disse indo até a cozinha. _ Vamos nos entupir de chocolate enquanto você me conta tudo que aconteceu e depois pensamos em como vamos te trazer de volta do mundo dos mortos.

_ Obrigada.

Ela era a única amiga que eu sabia que podia confiar. Nos conhecíamos desde crianças e mesmo estando tão longe de casa, ela tinha tanta certeza do que queria, tanta confiança, eu por outro lado me sentia perdida, como se estivesse sempre com a asa machucada e nunca conseguindo realmente voar.

O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora