Voando de volta

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Na manhã seguinte acordei ainda cansada. Não sabia se era apenas o fuso horário ou se todos aqueles acontecimentos estavam sugando minha energia. Fiquei revirando na cama até que ouvi Cris se arrumando. Ela estava se preparando para trabalhar, mas antes de ir, ela sentou-se na cama em que eu estava e beijou minha testa.

- Estou feliz que esteja bem - disse com um sorriso meigo e sincero.

- Obrigada Cris - respondi devolvendo o sorriso. - Prometo nunca mais fazer isso.

- Acho bom que cumpra isso, hem? - disse enquanto colocava meu disfarce encima da cama. - Lembra como usar neh?

- Claro! _ respondi me espreguiçando.

- Eu fiz café, então não saia em jejum! _ gritou já saindo do quarto.

Pensei em ficar deitada por mais um tempo, mas não queria chegar tarde em Nova York . Queria resolver logo essa minha ressurreição.

Após escovar meus dentes, joguei bastante água no rosto, mas meu reflexo no espelho me olhou de volta com um semblante nada amistoso. Estava com uma cara tão cansada e infeliz que mesmo treinando meus melhores sorrisos, nada conseguia apagar aquela sombra atrás dos meus olhos.

Sabia que minha maior preocupação deveria ser em falar com a policia, que deveria ser voltar para casa e resolver tudo. E também sabia que deveria estar com medo, pois não era todo dia que Criminal Minds se tornava parte da minha vida real.

Mas apesar de tudo que eu sabia que deveria me preocupar, era o rosto do James que ficava aparecendo na minha mente e sempre que fechava os olhos era aquele sorriso que se materializava. Era gosto de seus lábios e o toque de suas mãos que eu conseguia sentir.

Não haviam borboletas onde eu estava, não havia nada para nos conectar, nada além das minhas lembranças.

Suspirei fundo ainda olhando no espelho e peguei meu celular e procurei no YouTube a música que ele cantou enquanto estávamos sentados ao lado daquela fogueira, rodeados por pessoas alegres e despreocupadas. Assim que a música começou a tocar eu comecei a me preparar para usar o disfarce. Aquela não era minha primeira vez, então quase que no ritmo da canção fui colocando as próteses que alteravam o formato do meu nariz e queixo, deixando ambos ligeiramente quadrados. As lentes de contato no tom verde folha seca e as sardas levemente amarronzadas, me deixavam com um aspecto natural. E assim que vesti a calça Jean de cintura alta e um camisão branco, eu coloquei a peruca ruiva e cacheada.

- Pronto! - disse para mim mesma enquanto me olhava no espelho.

Peguei minha mochila e um casaco bem quentinho da Cris e saí do apartamento dela rumo ao aeroporto.

Comprei minhas passagens com uma atendente de cara azeda. Em outra ocasião teria a odiado a primeira vista, mas agora, depois do James, eu tentava enxergá-la como alguém que talvez tivesse tendo um dia tão ruim quanto o meu.

Enquanto esperava o voo, liguei meu celular, mas apenas quando o whatsapp parou de apitar as milhares de mensagens que chegaram, é que eu pude enfim ligar para minha mãe. No fundo sabia que a minha família tinha encontrado algum modo de se beneficiar com a minha morte. Eles não eram do tipo sentimental, minha morte seria apenas um motivo para mudarem os planos de seu investimento.

Quando minha mãe atendeu, o som de secadores de cabelo e mulheres conversando ao fundo deixou a ligação quase impossível de ser entendida. Mas acredito que se ela não ficou emocionada, que pelo menos o espanto em ver meu número devem ter feito ela pedir silêncio no salão.

- Querida é você mesma? - disse com espanto.
- Sim mamãe, tudo foi só um mal entendido _ disse ainda com uma pequena esperança de ouvir algum vestígio de amor em sua voz.
- Aposto que foi uma jogada de marketing - disse como se estivesse orgulhosa de mim. - No fundo nunca acreditei que isso era real, afinal todos os corpos foram facilmente encontrados e não acharam nem sinal de você. - finalizou com um risinho.

Pensei em dizer tantas coisas para ela, dizer que tinha nojo por ser sua filha, mas como sempre, me limitei a dizer nada e me despedi com a desculpa que meu voo já estava saindo.

Era inacreditável a capacidade da minha mãe de ver dinheiro em tudo. Tentei pensar que deixar James para trás talvez fosse meu modo inconsciente de afastá-lo de pessoas como ela. Enfim afastá-lo da maioria das pessoas que me cercavam.

Fui para a plataforma de embarque e dessa vez não tomei nenhum remédio. Queria estar lúcida ao chegar em casa. Se é que poderia chamar aquele lugar disso, pensei.

Eu dividia o apartamento com mais quatro garotas. E enquanto o avião voava cada vez mais alto, fiquei pensando sobre cada uma delas.

Brisa era um ano mais velha que eu e a tinha conhecido na agência de modelos Dom Lock. Éramos recém chegadas ao país e Dom, o dono da agência achou que poderíamos nos dar bem juntas.

- Uma brasileira e uma francesa com certeza transformarão aquele apartamento num lugar no mínimo interessante _ disse ele para Lucy, sua secretaria, enquanto nos entregava as chaves do apartamento.

Me lembrava de cada detalhe daquele dia, e do quanto fiquei feliz por imaginar que poderíamos ser amigas de verdade.

Uma realidade que durou um bom tempo, ou que pelo menos foi forte o suficiente para resistir a chegada das irmãs italianas Franciele e Fabricia, que vieram morar conosco. Éramos unidas o suficiente para relevar as brigas das irmãs temperamentais. Franciele era linda com seus cabelos enormes e ondulados e com seus olhos castanhos e vivos, já sua irmã Fábricia, era ligeiramente mais baixa, mas tinha grandes olhos azuis, o que tornava seus traços ainda mais exóticos. Não tínhamos nada em comum, mas elas conseguiram dar vida ao nosso apartamento. E quando Carol veio morar conosco, nossa diversidade ficou ainda mais evidente. Ela era exuberante. Com sua pele negra e seu cabelo afro e brilhante, ela se destacava quando estávamos reunidas. Tinha uma gargalhada viva e contagiante e dizíamos que ela nos trouxe a alegria que faltava. Algo que ela dizia ter herdado de Angola, seu país de origem.

Nossos primeiros anos juntas tinham sido mágicos. Era bom ter amigas em meio a tantas disputas e decepções. Mas com o tempo as disputas começaram em casa também. A agência nos induzia, a competir pelos mesmos trabalhos e essa pequena sementinha de discórdia acabou tirando nossa alegria e nossa amizade.

Talvez todo esse turbilhão de emoções em que estávamos vivendo que tenham me levado namorar o Josh. Ele parecia diferente dos demais. Um fotógrafo jovem, porém com um sorriso verdadeiro, olhos bondosos e um corpo malhado. Eu queria que ele fosse diferente e talvez isso tenha me cegado tanto quanto todo o resto.

Estava desesperada demais por amor, e ele até me deu isso durante um tempo, mas vê-lo beijando a Brisa no saguão do nosso prédio foi a gota que faltava. Me senti tão idiota por ter pensado que ainda haviam pessoas verdadeiras em tudo aquilo. E fugir para casa dos meus pais me pareceu naquele momento a melhor decisão. Achei que poderia achar conforto com a minha familia, mas isso só piorou as coisas e então fugi de novo para a Chapada Diamantina e agora que estava prestes a voltar ao olho do furacão, me sentia completamente em pânico, pois depois de tudo aquilo, essa seria a primeira vez que eu teria que confrontar a realidade com as meninas. A minha realidade. E teria que aceitar que o James também poderia ter sido apenas mais uma ilusão da minha carência.

A viagem literalmente voou. Nem percebi o tempo passar. Desci no aeroporto JFK e peguei um táxi para Greenpoint. Pedi para descer um quarteirão antes do meu prédio. Queria me recompor de toda retrospectiva que tinha feito durante o voo. Queria ter tempo de pensar no que dizer. E então pensei em ligar para o policial que tinha procurado a Cris.

Parei em frente ao café do senhor Fitz. E entrei para poder telefonar. Me sentei em uma das mesas e pedi um chocolate quente e uma fatia de torta de morango. A senhora Fitz veio me servir com um grande sorriso. Ela era uma polonesa gentil e com certeza não me reconhecera com aquele disfarce, mas fiz questão em sorrir de volta para ela com a mesma gentileza.

Disquei o número e esperei ansiosa pela voz do outro lado.

_ Agente Dowson...
_ O... Oi ... Sou Amanda Lorraine, a minha amiga Cris disse que você a procurou - disse nervosa e tropeçando nas palavras.
_ Amanda? A modelo? _ perguntou.
_ Sim... _ respondi com medo do que ele diria.
_ Onde você está ?
_ Estou indo para o meu apartamento em Greenpoint.
_ Te encontro lá em meia hora pode ser?
_Sim _ e desliguei.

Estava assustada e com medo do que aquela conversa envolveria. Tinha o precentimento que o pesadelo estava apenas começando.

O Colecionador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora