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  Na escola, em contrapartida, era uma adoração. Sua imagem era onipresente;
cantávamos o hino nacional todas as manhãs diante de um imenso pôster de
Kadafi ao lado da bandeira; diziam todos, entusiasmados: "Tu és nosso Guia,
marchamos atrás de ti, blá-blá-blá"; e, fosse na sala de aula ou no intervalo, os
alunos se gabavam de "meu primo Muamar", "meu não-sei-o-quê Muamar",
enquanto os professores falavam dele como um semideus. Não, como um deus. Ele
era bom, zelava pelas crianças, tinha todos os poderes. Devíamos todos chamá-lo
de "papai Muamar". Sua estatura nos parecia gigantesca.
Havíamos nos mudado para Sirte para ficar perto da família e nos sentir mais
integrados no seio da comunidade, mas não valeu a pena. As pessoas de Sirte,
aureoladas por seu parentesco ou proximidade com Kadafi, se achavam donas do
universo. Declaravam-se aristocratas, famílias da corte, diante dos jecas e caipiras
das outras cidades. Você é de Zliten? Grotesco! De Benghazi? Ridículo. Da Tunísia?
Que vergonha! Mamãe, decididamente, não importava o que fizesse, seria alvo de
humilhação. E quando abriu, no centro da cidade, não muito longe de casa na Rua
Dubai, seu lindo salão de beleza, que as elegantes de Sirte passaram a frequentar,
o desprezo só aumentou. Apesar de tudo, ela tinha talento. Todo mundo
reconhecia sua habilidade em fazer os mais belos penteados da cidade e
maquiagens fabulosas. Aliás, tenho certeza de que era invejada. Mas você não
imagina como Sirte é massacrada pela tradição e pelo excesso de pudores. Uma
mulher sem véu pode ser insultada na rua. E, mesmo com véu, é suspeita. Que
diabos faz aqui fora? Não estará atrás de aventura? Será que tem um caso? As
pessoas se espionam, os vizinhos observam as idas e vindas na casa da frente, as
famílias sentem inveja umas das outras, protegem suas filhas e falam mal das
outras. A máquina de intrigas fica ligada o tempo todo.
Na escola, o problema era dobrado. Eu não era só "a filha da tunisiana", mas
também "a menina do salão". Eu procurava um banco e ficava ali sozinha, sempre
esquiva. E nunca poderia ter uma amiga líbia. Um pouco mais tarde, felizmente,
simpatizei com uma garota que era filha de um líbio e de uma palestina. Depois,
com uma marroquina. Então, com a filha de um líbio e de uma egípcia. Mas com as
meninas da terra, jamais. Mesmo quando certa vez menti, dizendo que minha mãe
era marroquina. Parecia-me menos grave que tunisiana. Foi pior. Minha vida então
passou a girar quase que só em torno do salão de beleza. O salão virou meu reino.
Eu corria para lá logo que a aula terminava. Ali, eu renascia. Que prazer eu
tinha! Primeiro, por ajudar mamãe, o que era delicioso. Depois, porque gostava do
trabalho. Minha mãe não parava, passava de uma cliente para outra, mesmo tendo
quatro funcionárias. Fazíamos cabelo, estética, maquiagem... E definitivamente
posso dizer que, em Sirte, as mulheres, por mais que se escondam atrás do véu,
têm sofisticação e exigência incríveis. Minha especialidade era depilação de rosto e
sobrancelha com fio de seda – sim, um simples fio que eu enlaçava entre os dedos
e movimentava bem rápido para arrancar os pelos. Bem melhor que pinça ou cera.
E então eu preparava o rosto para a maquiagem, passava base; minha mãe fazia a
parte mais geral, trabalhava os olhos, daí chamava: "Soraya! O toque final!" Então
eu passava o batom, dava uma olhada no conjunto e acrescentava uma gota de
perfume.
O salão logo se tornou o ponto de encontro das mulheres chiques da cidade.
Portanto, daquelas do clã de Kadafi. Quando havia eventos internacionais em Sirte,
mulheres de diferentes delegações vinham se embelezar, esposas de presidentes
africanos, de chefes de Estado europeus e americanos. É engraçado, mas lembro
muito bem da mulher do presidente da Nicarágua, querendo que eu lhe desenhasse
olhos imensos sob um coque enorme... Certa vez, Judia, a chefe de protocolo da
esposa do Guia, apareceu num carro procurando mamãe para pentear e maquiar
sua patroa. Era a prova de que minha mãe adquirira grande reputação! Ela foi e
passou horas se ocupando de Safia Farkash, que lhe pagou um valor ridículo, muito
abaixo do preço normal. Minha mãe ficou furiosa, se sentiu humilhada. Então,
quando Judia veio procurá-la da próxima vez, ela pura e simplesmente recusou,
alegando estar com excesso de trabalho. Em outra ocasião chegou a se esconder,
me encarregando de dizer que não estava. Minha mãe tinha personalidade. Jamais
se curvava.
As mulheres da tribo de Kadafi eram em geral detestáveis. Se eu me dirigisse a
uma delas para perguntar, por exemplo, se desejava um corte ou uma tintura, ela
me olhava com desdém: "Quem é você para me dirigir a palavra?" Certa manhã,
umas delas chegou ao salão elegante, suntuosa. Fiquei fascinada com seu visual.
"Como a senhora é linda!", eu disse espontaneamente. Ela me respondeu com um
tapa na cara. Fiquei estarrecida e corri para contar a mamãe, que murmurou entre
os dentes: "Cale a boca. A cliente tem sempre razão". Três meses depois, vi,
angustiada, a mesma mulher abrir a porta do salão. Ela veio até mim, disse que sua filha, que tinha a minha idade, acabara de morrer de câncer e me pediu desculpas. Foi ainda mais inesperado que o tapa.

Outra vez, uma moça que ia se casar reservou o salão para o dia da noiva.
Adiantou uma pequena parte e depois cancelou. Como mamãe se recusou a
reembolsá-la, ela ficou possessa. Urrava, destruindo tudo que visse pela frente, e
contou ao clã de Kadafi, que apareceu em peso e acabou com o salão. Um de meus
irmãos chegou para acudir e foi espancado. Quando a polícia chegou, ele é quem
foi para a cadeia. Os Kadafi fizeram de tudo para que ele ficasse preso o maior
tempo possível, e foi preciso uma longa negociação entre tribos para que se
chegasse a um acordo, seguido de perdão. Ele foi libertado depois de seis meses,
com a cabeça raspada e o corpo coberto de hematomas. Tinha sido torturado. E,
apesar do acordo, os Kadafi, que estavam à frente de todas as instituições de Sirte,
incluindo a prefeitura, ainda se juntaram para impor o fechamento do salão por um
mês. Fiquei revoltada.
Meu irmão mais velho, Nasser, me dava um pouco de medo e mantinha comigo
uma relação de autoridade. Mas Aziz, nascido um ano antes de mim, era como um
irmão gêmeo, um verdadeiro cúmplice. Frequentávamos a mesma escola, e da
parte dele eu sentia um misto de proteção e ciúme. E eu lhe servia como
mensageira para possíveis namoradinhas. Já eu nem sonhava com o amor. De
forma nenhuma. Nem me ligava nessas coisas. Era virgem por inteiro. Talvez eu
mesma me censurasse, sabendo que minha mãe era dura e muito severa. Não
sabia de nada. Não havia nem uma paquerinha, por menor que fosse. Nada que
mexesse comigo. Nem o menor sonho. Acho que vou me arrepender a vida toda
por não ter tido amores adolescentes. Eu sabia que um dia me casaria, porque era
esse o destino das mulheres, e que então deveria me maquiar e me fazer bonita
para o meu marido. Mas não sabia nada além disso. Nem do meu corpo, nem de
sexualidade. Que pânico senti quando menstruei pela primeira vez! Corri para
contar a minha mãe, que não me explicou nada. E passou a ser uma vergonha para
mim quando a TV exibia comerciais de absorventes íntimos. Que embaraço sentia
ao ver aquelas imagens na presença de rapazes da família... E lembro-me de
minha mãe e de minhas tias me dizendo: "Quando você tiver dezoito anos, vamos
lhe contar umas coisas..." Que coisas? "Coisas da vida." Não tiveram tempo.

Muamar Kadafi se adiantou. Ele me triturou.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora