Nos países africanos, Kadafi recorria aos préstimos de seus diplomatas e de
personalidades locais para que lhe fossem organizados, a cada viagem, encontros
com associações e agremiações femininas. Era a garantia de manter sua reputação
de herói da causa feminina, já que nessas condições era possível deixar de lado
todo o protocolo de uma visita de caráter político ou religioso (como a festa do
Mouloud,** que ele celebrou em Tombuctu, em 2006, e em Agadez, em 2007) e
impor sua própria marca àqueles eventos. Era sobretudo uma ocasião para fazer
"amigas", para as quais se empenhava na ampla distribuição de subvenções e
também de colares e medalhões com sua efígie, de modo a transformá-las em
mensageiras atentas, encarregadas de organizar seus próximos comitês de
acolhida – e ele apreciava ser recebido de forma delirante, em verdadeiros
espetáculos movidos a admiração e comoção – e observar, nos congressos, festas,
festivais, desfiles, mas também em batismos e casamentos, novas garotas que
possivelmente seriam convidadas a visitar a Líbia. Sim, convidadas. Era simples
assim. Kadafi, nos "países irmãos", era tido como rico, magnífico e generoso. As
malas de dinheiro que saíam de sua suíte eram tão famosas – e esperadas –
quanto suas diatribes antiamericanas e seus arroubos excêntricos. Por isso, todo
mundo achava normal que ele multiplicasse os convites para ir à Líbia. Ele não
vendia a Líbia como uma espécie de "paraíso das mulheres"? Nos cafés e boates
das capitais malinesa ou nigeriana, contou-me certa vez um jovem líbio educado
em Niamei, era frequente encontrar pequenos grupos de garotas empolgadas com
a expectativa de uma viagem, no dia seguinte, para Trípoli.
– Elas não se escondiam! Bradavam sua sorte! Papai Muamar, como elas
diziam, queria tanto agradar as jovens que as convidava, com todas as despesas
pagas, para passar férias em seu país. Ele não era o mais atencioso do homens?
Foi Fatma quem me contou sobre essas viagens. Chamada por um amigo
tuaregue, ela aceitou vir ao meu encontro sem impor nenhuma condição. Depois de
tantas recusas, eu a recebi me sentindo especialmente grata. Miúda, de olhar altivo
e certa indolência no caminhar, foi com um sorriso no rosto que ela adentrou o
saguão do Corinthia, um hotel de luxo onde logo percebi, pelo modo como
cumprimentava as pessoas ao redor, que ela era conhecida. Ainda que uma
nevasca assolasse a cidade, ela estava envolta em véus vaporosos, com belos
escarpins que lhe valorizavam os delicados tornozelos. Tinha trinta e seis anos,
dizia-se mauritana do Níger e morava na Líbia havia vinte meses. Graças a Muamar
Kadafi. Como ela tinha chegado? Ela soltou uma gargalhada.
– Ah! Foi muito simples!
Uma nigeriana casada com um tuaregue e conhecida de Mabruka lhe
propusera, em 2003, uma visita a Trípoli com quatro colegas.
– A oferta era tentadora: avião, visitas, hotel quatro estrelas, tudo pago pelo
Estado líbio! Sem contar o dinheiro para as despesas. O que você faria no meu
lugar? Aceitaria logo de cara, e com prazer!
Fiquei feliz por ela responder em meu lugar, já que meu "sim" não viria tão
facilmente. Mas ela prosseguiu. O convite era uma oportunidade e tanto! Foi assim
que, algumas semanas depois, ela desembarcou em Trípoli na companhia de
quatro amigas radiantes. Jalal (empregado do grupo de garotos de Kadafi e
paixonite efêmera de Soraya) as esperava para conduzi-las ao Hotel Mehari, um
cinco estrelas que durante muito tempo teve Nuri Mesmari no comando. Um
primeiro envelope com quinhentos dinares (em torno de trezentos euros) lhes foi
entregue, para que fizessem compras antes de um programa de visitas e turismo.
Ao cabo de alguns dias, o grupo de mulheres recebeu um comunicado: deviam se
aprontar para ver "papai". Um carro de Bab al-Azizia foi ao hotel apanhá-las,
seguido por um veículo de guardas de Kadafi, o que, como explicou Fatma,
"demonstrava que éramos convidadas importantes". Foram recebidas e
introduzidas por Mabruka em uma sequência de salões. E Kadafi apareceu vestindo
um conjunto esportivo vermelho, "bem simples". Ele se mostrava interessado em
cada uma delas, perguntou o nome, queria saber a respeito da família, da tribo, da
língua, do que gostavam de fazer. "Você gosta da Líbia? Ah! Eu queria muito que
todo mundo adorasse o meu país!" Ele era tão "gentil", tão "divertido", recordavase Fatma. Em um dado instante, ele se virou para Mabruka: "Seria bom ter Fatma
trabalhando conosco. Percebi que ela fala árabe, tuaregue, songai, francês... Para
nós seria inestimável!" Mabruka, segundo Fatma, aparentou ficar aborrecida e com
ciúme, mas disse: "Tudo bem". E o grupo voltou em êxtase para o hotel.
– Alguém como ele demonstrar interesse por nós de maneira tão pessoal era
realmente lisonjeiro! – Não é mesmo?
As "férias" duraram "duas ou três" semanas. Jalal e o motorista ficaram à
disposição, e mais presentes foram distribuídos. Fatma contou que não voltou a ver
Kadafi antes de partir, mas logo retornou a Trípoli. Com outras jovens, entre elas
uma garota exuberante do Mali, frequentadora do jet set e de modos afetados,
observada por Nuri Mesmari, que mandou um jato particular apanhá-la para um
primeiro encontro com Kadafi.
– Suas roupas insinuantes e seus tops decotados davam a maior bandeira, era
meio complicado andar com ela na rua, mas Kadafi adorava! Era louco por ela e a
chamava regularmente. Eu ficava esperando com Mabruka. Quando saía do quarto,
o Guia dizia: "Cuide bem das minhas convidadas!" Isso queria dizer: pense nos
presentes e no dinheiro.
De fato, Jalal enviou para ela, em diversas ocasiões, "relógios Rado, Tissot e de
outras marcas", além de braceletes, brincos, "pingentes de marcas italianas
caríssimas" e "colares com a foto do Guia circundada de diamantes". E depois,
pouco antes de pegar o avião, envelopes contendo valores que variavam de dois
mil a vinte mil dólares, "de acordo com as convidadas que eu trouxera".
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No Harém De Kadafi
Mystery / ThrillerA história real de uma das jovens presas do ditador da Líbia.