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  Isso me tocou profundamente. Ele era mesmo um cavalheiro. As outras
garotas, ao contrário, não paravam de me incentivar a beber. A música parecia
cada vez mais alta, a discoteca lotada, o ambiente febril. Jalal me beijou na boca.
Meu Deus... Tudo aquilo era inacreditável.
Fui dormir no hotel, no quarto de outra garota. Alguém gentilmente se ofereceu
para telefonar a Mabruka a fim de lhe pedir autorização, e, curiosamente, ela
permitiu. O "mestre" devia estar ocupado. Muitas mulheres o haviam seguido, e eu
sabia que haviam sido apanhadas ao longo do caminho. Mas na manhã seguinte
houve uma convocação.
– Todas de uniforme, alinhadas e impecáveis – bradou a mulher do protocolo. –
O Guia fará um discurso num estádio enorme. Cada uma deve desempenhar seu
papel!
As caminhonetes nos conduziram ao estádio de Conacri, para onde afluía uma
multidão, jovens, velhos, famílias com crianças. Havia orquestras, bandeirolas,
trajes típicos e túnicas esplêndidas. Antes de nos dirigirmos à tribuna oficial, Nuri
Mesmari, o grande chefe do protocolo, dirigiu-se a nós:
– Vocês não são militares, mas devem agir como se fossem realmente
encarregadas da segurança do Guia. Coloquem-se na pele de verdadeiras guardacostas. Façam ar de seriedade, de apreensão, atentas a tudo que está em volta.
Então eu banquei a guarda-costas e imitei Zorha, que assumira uma fisionomia
ameaçadora e lançava olhares ao entorno, como se estivesse à procura de
terroristas.
Quando entramos no estádio, quando ouvi o clamor e a multidão de mais de
cinquenta mil pessoas se revelou, aplaudindo e louvando Kadafi, fiquei
embasbacada. Grupos de mulheres gritavam seu nome e tentavam se aproximar,
tocar sua roupa ou mesmo abraçá-lo. Era uma loucura. Coitadas!, eu dizia a mim
mesma. Se eu fosse vocês, tentaria nem me fazer notar. É um homem perigoso . Eu
pensava em mamãe, que talvez me visse nas imagens transmitidas pela TV estatal
e certamente ficaria emocionada, apesar de sua aversão por Kadafi. Quem sabe
até lhe ocorresse que eu estaria vivendo uma experiência e tanto. Mas pensei
também em meus irmãos. O que eles sabiam? O que estariam pensando? Isso me
dava medo. Virei a cabeça e tentei esconder o rosto. A reação que poderiam ter me
gelava o sangue.
Kadafi parecia dopado pela multidão. Ele interagia, brincava com o público. E
fazia gestos exagerados, brandindo o punho como um campeão esportivo ou como
o dono do universo. As garotas de uniforme estavam fascinadas. Não era o meu
caso, posso garantir. Nem por um segundo. Nem por um milésimo de segundo. Em
sua testa, entre a boina marrom e os óculos escuros, eu via escrito: "Doente, louco
perigoso!"
Depois, pegamos novamente a estrada e rodamos por horas rumo à Costa do
Marfim, via Serra Leoa. No hotel seguinte, tive de dividir o quarto com Farida e
Zorha, o que não foi um problema, pois a cama era enorme. Todos estavam muito
contentes e se preparavam para ir à piscina. Evidentemente, eu estava morrendo
de vontade, nunca tinha visto uma piscina na vida. Mas o coronel podia me chamar
a qualquer momento.
– É só dizer que está menstruada – aconselhou-me Farida. – Você sabe que é a
única coisa que o amedronta. Mas tome cuidado, porque elas vêm ver se é
verdade. Passe um pouco de batom vermelho num absorvente.
Achei aquilo ardiloso. Duas horas depois, Fathia, com sua voz grossa, mandou
que eu me encaminhasse às dependências do Guia. Fingi um ar atormentado e
disse estar realmente exausta. Ela ergueu as sobrancelhas, como se eu estivesse
debochando dela.
– Estou menstruada.
– É mesmo?! Quero ver.
– Vai querer me examinar?
– Mostre!
O gesto foi humilhante, mas a visão do absorvente umedecido com água e
manchado com batom a convenceu. Farida foi ver o Guia sozinha.
Então, estupidamente, fui, livre, leve e solta, me juntar às garotas – e a Jalal –
na piscina. Havia música, bebida e narguilé. Ninguém fazia confidências, mas havia
ali uma pulsão coletiva de vingança. Por algumas horas, tínhamos direito ao luxo.

Éramos a comunidade de Kadafi, não menos que isso, e o pessoal do hotel se
mostrava cheio de cuidados conosco. Nossos sofrimentos e humilhações cotidianas
de repente encontravam uma ínfima compensação. Era ilusória. Era efêmera. Mas
era como uma válvula de escape, e mais tarde vim a compreender que aqueles
raros momentos impediam que alguns de nós sofressem um colapso.
De repente, ouvi me chamarem:
– Soraya! – Fathia me vira. Ela veio em minha direção, descontrolada. – Diz
que está menstruada e vai tomar banho de piscina?
Fiquei tão envergonhada que não sabia o que dizer. Então ela me deu um tapa.
– Mentirosa!
Farida havia me denunciado. Fui imediatamente conduzida à residência. A
punição do mestre, conforme me avisaram, teria a exata medida da minha astúcia.
Mas, enquanto eu esperava num quartinho, Galina veio me ver.
– Soraya! Como você foi deixar que te pegassem assim?! Papai Muamar está
louco de raiva e me encarregou de verificar... Meu amorzinho! Você me deixa numa
posição muito difícil! O que vou dizer?
Nada. Ela não disse nada. Ou melhor, mentiu para me proteger. E fui deixada
sozinha o restante do dia.
No dia seguinte, pegamos a estrada em direção a Gana, a última etapa da
viagem, para a cúpula de chefes de Estado da União Africana em Acra. Horas e
horas de viagem. Aquele percurso não acabava nunca. Na segunda noite, Fathia
veio mais uma vez me examinar. Não havia vestígio de menstruação. Ela me olhou
friamente e não disse nada, mas avisou Mabruka, que chegou para me acertar um
sonoro tapa na cara antes de me conduzir ao quarto de Kadafi. Que detalhes posso
contar? Ele me estapeou, me espancou, cuspiu em mim, me insultou. Saí dali com
o rosto inchado e fiquei trancada num quarto, ao passo que Galina, como vim a
saber mais tarde, foi imediatamente mandada de volta para a Líbia.
– Queria fugir, hein? – caçoou Mabruka, da soleira da porta. – Onde quer que
você venha a se enfiar, Muamar vai te encontrar e acabar com você.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora