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  Era evidente que Fatma omitia alguns detalhes cruciais sobre sua função.
Esquivava-se de algumas perguntas, rindo e fingindo inocência.
– Nós, mauritanas, somos assim! Temos um dom especial para relações
públicas e comércio. – O que me parecia corresponder mais ao papel de cafetina ou
de cortesã. E ela também dizia, sem precisar muito: – Nós, mauritanas, não
gostamos de receber ordens e queremos nós mesmas escolher nossos homens, em
vez de ser escolhidas por eles.
Em todo caso, parecia que ela enviava ao Guia lotes de garotas de diferentes
países.
– Da última vez, foram dezessete da província de Nuakchott, para a festa do
Mouloud.
E que, sendo suas relações com Bab al-Azizia conhecidas de todos, ela servia
também como intermediária para ministros, embaixadores e homens de negócios
de países africanos.
– Mabruka se ocupava das mulheres e filhas de presidentes que queriam ver
Kadafi. Já meu campo era bem mais vasto...
Mas a generosidade do Guia com as mulheres era ilimitada, insistia ela,
lembrando que os hotéis de luxo de Trípoli, encabeçados pelo Mehari, eram
constantemente ocupados por suas ociosas convidadas, de todas as origens, à
espera de um encontro. Também ficava claro que ela fizera parte da intimidade do
ditador. E o acompanhara em diferentes ocasiões a Benghazi e a Sirte, bem como
em passeios pelo deserto; assistira a celebrações de festejos nacionais e
acompanhara Safia, a esposa, e as duas filhas, Aisha e Hana, com esta se
posicionando "sempre atrás da mais velha". Bons tempos, dizia ela. E de
excelentes negócios.
Os motoristas de Bab al-Azizia assistiam de camarote ao intenso vaivém de
mulheres. Um deles, Hussein, que trabalhava no serviço do protocolo, me
confirmou suas inumeráveis idas e vindas entre o Hotel Mehari e o aeroporto para
transportar as garotas. Elas desembarcavam vindas de toda parte, recorda-se ele:
de outras cidades da Líbia, mas também do Líbano, do Iraque, dos países do Golfo,
da Bósnia, da Sérvia, da Bélgica, da Itália, da França, da Ucrânia. Tinham cerca de
vinte anos, eram belas "mesmo sem maquiagem" e todas tinham cabelos longos.
Uma pessoa do protocolo era encarregada de recepcioná-las e as conduzia
diretamente ao hotel, onde se instalavam por algumas horas ou esperavam alguns
dias, até que Hussein fosse buscá-las – muitas vezes à uma da madrugada – para
conduzi-las a Bab al-Azizia.
– Ali eu ficava esperando tranquilamente no estacionamento. Lá pelas cinco da
manhã, batiam no vidro do carro e eu as levava de volta para o hotel, sempre
seguido por outro carro, com guardas.
Algumas saíam felizes, outras pareciam arrasadas. Umas partiam no dia
seguinte, enquanto outras eram chamadas por noites seguidas. Todas chegavam
com uma pequena bagagem, a maioria voltava com várias malas. E, pelo
retrovisor, Hussein podia ver seus maços de dólares.
– Juro pela cabeça do meu filho: uma delas tirou de uma Samsonite cheia de
dinheiro uma nota de cem dólares e fez um rolinho para cheirar cocaína! Cem
dólares! Mais de um mês do meu salário!
Outra, uma famosa cantora libanesa que passou a noite com Kadafi, foi
autorizada a sacar um milhão de euros no banco. Em notas de quinhentos.
– Foi nesse dia que, completamente enojado, eu decidi deixar meu trabalho. No
início eu achava que tinha prestígio. Mas era degradante.
Um colega de Hussein, encarregado de buscar garotas no Hotel Corinthia,
afirma que uma enfermeira ucraniana, que ficava de prontidão no hotel, coletou
diversas vezes seu sangue publicamente para mostrar às garotas escolhidas para ir
a Bab al-Azizia incomodadas com o procedimento que aquilo era normal e se
aplicava a todos, sem distinção.
A conhecida obsessão de Muamar Kadafi chegou a provocar a ira de políticos
estrangeiros. Um ministro das Relações Exteriores do Senegal relatou, indignado,
ter veementemente recusado que a única mulher entre seus colaboradores ficasse
em Trípoli, como queria o Guia, enquanto o conjunto da delegação retornava a seu
país. Outro ministro exigiu explicações – que não lhe foram dadas – por ter
constatado testes anti-HIV realizados sistematicamente em jovens malinesas,
convidadas em um hotel. Um terceiro dizia ter interceptado fotos distribuídas por
emissários do Guia com o intuito de encontrar garotas observadas em uma de suas
visitas ao Níger. Outro por fim realizou uma investigação, rapidamente abafada,
após ficar sabendo que jovens "convidadas" pelo Guia tiveram o passaporte
confiscado e estavam se sentindo "encarceradas" no Hotel Mehari. A ânsia de Nuri
Mesmari em mostrar serviço ao Guia, exibindo-lhe sempre as mais belas mulheres,
chegou a provocar um escândalo diplomático entre Líbia e Senegal.
Em 1o de setembro de 2001, haveria um desfile com centenas de modelos
vindas de toda a África, em comemoração ao trigésimo segundo aniversário da
ascensão de Kadafi ao poder. As embaixadas da Líbia em diferentes países,
obviamente, tinham sido acionadas e deveriam lançar mão de seus meios e de
seus contatos no mundo da moda... ou da prostituição. No Senegal, a tarefa de
recrutar as garotas fora confiada às gêmeas Nancy e Leila Campbell, filhas de um
ator senegalês, contratadas pelos serviços de Kadafi e particularmente prestativas,
já que em 28 de agosto o casting, realizado ao mesmo tempo nas ruas e em
colaboração com uma famosa estilista, reuniu no aeroporto de Dakar uma centena
de jovens, convidadas para passar uma semana em Trípoli. No dia D, às sete da
manhã, lá estavam elas, altas, magras, suntuosamente produzidas e cheias de
esperança. Para recebê-las e conduzi-las, o encarregado de negócios da embaixada
da Líbia as aguardava na pista do aeroporto com um Boeing 727, fretado de Malta.
Mas eis que, pouco antes da decolagem, policiais e agentes do Aeroporto
Léopold Sédar Senghor, intrigados com a natureza peculiar da "carga" e com a
ausência de passagens e de vistos para as passageiras, muitas menores de idade,
alertaram as autoridades e impediram a partida. Ao se pôr a par do assunto, o
governo senegalês reagiu com vigor e imediatamente denunciou uma tentativa de
"exfiltração" de garotas. O ministro senegalês das Relações Exteriores, Cheikh
Tidiane Gadio, ficou indignado, qualificou a ação envolvendo diplomatas líbios
como "inaceitável e inamistosa" e arrematou dizendo que o Senegal não era um
"Estado de vale-tudo". Algumas horas depois, o ministro senegalês do Interior,
general Mamadou Niang, garantiu em comunicado que as garotas que os líbios
haviam tentado exfiltrar do território nacional se destinavam a um tráfico ligado à
prostituição internacional, problema da alçada da Interpol. A partir daí, os jornais
bombardearam: "Tentativa de exfiltração de jovens senegalesas" era a manchete
d o Sud Quotidien de 30 de agosto. "Estado interpela a Líbia." De fato, o
embaixador do Senegal em Trípoli foi chamado a Dakar para deliberações. Uma
delegação líbia foi despachada para o Senegal a fim de dialogar com os ministros
das Relações Exteriores e da Cultura. O chefe de Estado senegalês, presidente
Abdoulaye Wade, declarou-se oficialmente "ofendido". Furioso, ele próprio
questionou Kadafi, e foram necessárias numerosas promessas e toda a diplomacia
possível por parte de um de seus colaboradores – que me relatou o acontecimento
– a fim de evitar a ruptura diplomática e reparar o incidente.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora