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  Em uma manhã de abril de 2004 – eu acabara de completar quinze anos –, o
diretor do colégio se dirigiu a todos os alunos, reunidos no pátio: "O Guia vai nos
dar a grande honra de sua visita amanhã. É uma alegria para toda a escola. Por
isso, conto com vocês para que sejam pontuais, comportados e que o uniforme
esteja impecável! Vocês devem passar a imagem de uma escola magnífica, porque
ele ama vocês e merece isso!" Que novidade! Que agitação! Você não imagina a
empolgação. Ver Kadafi ao vivo... Sua imagem me acompanhava desde que eu
nascera. Suas fotos estavam por toda parte, nos muros da cidade, nos serviços, nas
repartições públicas, no comércio. Em camisetas, colares, cadernos. Sem falar nas
cédulas de dinheiro. Vivíamos permanentemente sob seus olhos. Cultuando-o. E,
apesar dos comentários amargos de mamãe, eu nutria por ele uma veneração
temerosa. Não imaginava sua vida porque não o classificava entre os humanos. Ele
estava acima da massa, em um Olimpo inatingível onde reinava a pureza.
Então, no dia seguinte, de uniforme limpo e engomado – calça e túnica pretas,
echarpe branca envolvendo o rosto –, fui depressa para a escola, esperando com
impaciência que nos explicassem como seria a visita. Mas foi só a primeira aula
começar e um professor veio me chamar, dizendo que eu havia sido escolhida para
entregar flores e presentes ao Guia. Logo eu! A "menina do salão"! A aluna que
ficava de escanteio! Imagine o choque. Arregalei olhos imensos de incredulidade e
fui levada, radiante e ciente do bando de invejosas que eu deixara na classe.
Conduziram-me a uma grande sala, onde encontrei um punhado de alunas,
também selecionadas, e mandaram que nos trocássemos rapidamente, vestindo o
traje líbio tradicional. As roupas estavam ali, em cabides. Vermelhas. Túnica, calça,
véu e um pequeno chapéu nos cabelos. Uma sensação inebriante! Entre ataques de
riso, nos vestimos rapidamente, auxiliadas por professoras que ajustavam os véus,
afixavam os broches e passavam secador para alisar cabelos rebeldes. Eu
perguntava: "Diga-me como devo saudá-lo, eu lhe imploro! O que devo fazer? Me
prostrar? Beijar sua mão? Recitar alguma coisa?" Meu coração batia a cem por hora
enquanto todo mundo se ocupava de nos tornar esplendorosas. Hoje, quando
penso nessa cena, vejo uma preparação de ovelhas para o sacrifício.
O salão de festas da escola estava lotado. Professores, alunos, funcionários,
todos ali, esperando nervosamente. Nosso pequeno grupo de escolhidas para
receber o Guia perfilava-se diante da porta de entrada, e trocávamos olhares
cúmplices, de canto de olho, como quem diz: "Que oportunidade, não? Um
momento como este vamos levar para a vida toda!" Eu me agarrei ao buquê,
tremendo feito vara verde. Meus joelhos pareciam de algodão. Um professor
lançou-me um olhar severo: "É agora, Soraya, comporte-se!"
E de repente ele chegou. Em meio a um crepitar de flashes, rodeado por um
burburinho de gente e por mulheres guarda-costas. Vestia um traje branco, o torso
coberto de insígnias, bandeiras e condecorações, um xale bege sobre os ombros,
da mesma cor da pequena boina, da qual emergiam cabelos muito pretos. Foi tudo
muito rápido. Estendi o buquê, tomei sua mão livre nas minhas e a beijei, me
curvando. Então senti que ele comprimia estranhamente minha palma. Depois me
mediu de cima a baixo, me lançando um olhar frio. Apertou levemente meu ombro
e pousou a mão sobre minha cabeça, acariciando-me os cabelos. E minha vida
terminava aí. Pois esse gesto, como vim a saber mais tarde, era um sinal a suas
guarda-costas que significava: "Esta aqui, eu a quero!"
Por um momento, me senti em êxtase. E, logo que a visita terminou, fui voando
para o salão de beleza contar o acontecido à minha mãe.
– Papai Muamar sorriu para mim, mamãe. Eu juro! Ele acariciou minha cabeça!
Para dizer a verdade, eu me lembrava de um rito mais glacial que qualquer
outra coisa, mas estava muito empolgada e queria que todo mundo soubesse.
– Não tem muito do que se orgulhar... – soltou mamãe, enquanto tirava bobes
de uma cliente.
– Mas, mamãe! É o líder da Líbia! Não é pouca coisa!
– Ah, é? Ele mergulhou este país na Idade Média, conduziu seu povo para o
abismo! E você vem me falar de líder?!
Fiquei chateada e fui para casa saborear sozinha minha alegria. Papai estava
em Trípoli, mas meus irmãos pareceram um pouco apáticos. A não ser Aziz, que
não cabia em si de alegria.
No dia seguinte, ao chegar à escola, percebi uma mudança radical no
comportamento dos professores em relação a mim. Costumavam ser arredios,
mesmo secos. E eis que de repente se mostravam ternos, cheios de atenção.
Quando um deles me chamou de "pequena Soraya", eu ergui as sobrancelhas. E
quando outro me perguntou: "E então, acabou ficando na escola?", como se fosse
uma opção, eu disse a mim mesma que aquilo não era normal. Mas, enfim, era o
dia seguinte à festa, e não me preocupei muito. Ao fim da aula, à uma hora da
tarde, fui para casa trocar de roupa e à uma e meia estava no salão para ajudar
mamãe.
As mulheres de Kadafi apareceram na porta às três da tarde. Faíza na frente,
depois Salma e por último Mabruka. Salma estava com seu uniforme de guardacostas, com um revólver na cintura. As outras vinham em trajes clássicos. Olharam
ao redor – era dia de movimento – e perguntaram a uma funcionária:
– Onde está a mãe de Soraya? – e foram direto até ela. – Somos do Comitê
Revolucionário e estivemos com Muamar ontem pela manhã, quando ele visitou a
escola. Soraya chamou atenção. Ela estava magnífica no traje tradicional e cumpriu
sua tarefa de maneira exemplar. Gostaríamos muito que ela viesse novamente
oferecer um buquê ao papai Muamar. Ela teria de vir já conosco.
– Não é um bom momento. Como podem ver, o salão está cheio. Preciso da
minha filha.
– Não vai levar mais de uma hora.
– É só para oferecer flores?
– Talvez ela deva maquiar as damas de companhia do Guia.
– Nesse caso é diferente. Eu é que devo ir!
– Não, não! É Soraya quem deve levar o buquê.
Eu assistia à conversa intrigada, mas entusiasmada. Mamãe de fato estava com
o salão cheio, mas fiquei um pouco constrangida com sua relutância. Afinal, se era
para o Guia, não se poderia dizer não! Mas minha mãe acabou aceitando – ela não
tinha escolha –, e eu segui as três mulheres. Uma caminhonete possante estava
parada na frente do salão. O motorista deu partida antes mesmo de nos
acomodarmos. Mabruka ia na frente, e eu, entre Salma e Faíza, no banco de trás.
Partimos em comboio, seguidos por dois carros com guarda-costas, como logo
percebi. Eu já podia dar adeus à minha infância.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora