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  Mas ela também arranjava tempo para perambular por lojas de luxo,
restaurantes e cafés, a fim de localizar belas mulheres e puxar papo. As jovens do
Magreb ou do golfo Pérsico tinham sua preferência, e ela podia abordá-las em
árabe. Para as demais, utilizava os serviços de um intérprete, bastante acostumado
com a função. "Conhece a Líbia? Ah, é um país que precisa ser descoberto!" E se
isso fizesse a interlocutora afirmar estar disposta a descobri-lo? "Pois eu a convido!
E posso fazer com que você encontre nosso Guia!" Ela pedia para tirar uma foto
com suas presas em potencial e anotava o endereço delas. Quase o tempo todo
estava à caça, com meios ilimitados para isso. Contaram-me a história de uma
jovem marroquina abordada em um hotel à qual Mabruka suplicara que aceitasse
seu convite para visitar a Líbia e que, após exigir fazê-lo com seu primo, retornara
à França com cinquenta mil dólares.
Certa noite, em Trípoli, um líder tuaregue que a conhecia dos tempos de
juventude aceitou me confiar algumas pistas essenciais sobre a personagem de
Mabruka. Estávamos em um restaurante no caminho para a cidade velha, e eu
pronta a me regalar com um cuscuz de camelo. Mas, antes mesmo que eu me
deliciasse com a primeira garfada, o homem, de atitude e finesse aristocráticas, à
vontade num jeans bem cortado e num casaco de caxemira, sob túnica e cachecol
brancos, pegou-me pelo braço e, fixando os olhos nos meus, declarou com a voz
controlada e grave:
– É uma diaba. – Ficou um tempo em silêncio, como para acentuar o impacto
da palavra escolhida. Depois prosseguiu: – Ela é habitada pelo mal e é de uma
habilidade temível. Não há nada que não ouse fazer para atingir um objetivo:
mentiras, fraudes, traições, corrupção, magia negra. Ela tem todas as audácias, é
esquiva como uma cobra e seria capaz de vender vento engarrafado.
Seu pai – da linhagem dos Sherif – era da nobreza tuaregue e fizera um
casamento ruim ao se apaixonar por uma mulher de casta inferior, que morava na
cidade de Ghat, ao sul da Líbia, perto da fronteira com a Argélia, não muito longe
do Níger. O casal teve duas filhas, Mabruka e sua irmã mais velha, confiadas a
escravas para que fossem educadas. Uma tradição que, conforme ele me explicou,
pretendia esconjurar a má sorte e "desafiar o espírito do mal", já que os pais
tinham perdido os filhos anteriores. Mabruka, muito jovem, chegou a ficar noiva de
um tuaregue da nobreza, quando um homem da tribo de Kadafi, Massoud Abdel
Hafiz, já casado com uma prima do Guia, subitamente a desposou. Ele era
comandante da região militar de Seba, e Mabruka, por um breve momento, pôde
aproveitar os numerosos privilégios atribuídos aos que eram próximos a Kadafi,
tomando gosto pelas viagens de luxo. Mas o militar de alta patente logo pediu o
divórcio, e ela voltou a viver em sua cidade natal, Ghat. Ao contrário da maioria
das mulheres tuaregues, ela não usava o traje tradicional e se vestia como
ocidental.
– Mas sem nenhum estilo – acrescentou meu interlocutor.
Sabe-se que ela ainda veio a ter um romance com um banqueiro e depois
desapareceu, "subiu para Trípoli". As circunstâncias exatas dessa fuga, ele
ignorava.
Uma pessoa do serviço do protocolo foi quem me deu esses detalhes. Mabruka
foi contratada pelo serviço em 1999, por ocasião de uma conferência de chefes de
Estado africanos à qual Kadafi queria conferir amplidão e lustro históricos e na qual
foi assinada, em 9 de setembro de 1999 (9/9/99), a famosa Declaração de Sirte,
fixando os objetivos da União Africana. Participariam cerca de trinta chefes de
Estado, o que significava quase o mesmo número de esposas que seria preciso
recepcionar no aeroporto, acompanhar nos traslados (cabeleireiro, shopping,
conferências) e para as quais era preciso ter intérpretes. Sobrecarregada com a
tarefa, a administração do protocolo se viu obrigada a recrutar, em caráter de
urgência, mulheres que falassem todo tipo de línguas e dialetos africanos. Foi por
essa pequena fresta que Mabruka, conhecedora do tuaregue e do hauçá (língua
falada sobretudo no Níger e na Nigéria), penetrou no círculo do poder.
– Ela não tinha boa presença – recordou a pessoa que a recrutara. – Parecia
uma camponesa com algum retardamento, sem o menor encanto ou sofisticação.
Provavelmente era muito pobre, ao menos foi o que pensei. Mas ela tinha uma
enorme vontade no olhar!
Um pequeno estágio reuniu as recém-contratadas, para que recebessem
instruções sobre o papel que desempenhariam, a linguagem a adotar e a aparência
a manter (recomendava-se o uso de um tailleur moderno). E, no primeiro dia da
conferência, Mabruka fazia sua estreia em Bab al-Azizia, acompanhando a
delegação de Guiné, que vinha saudar Kadafi. Foi o suficiente. Naquela mesma
noite, ela notificou sua responsável: "Encontre outra pessoa para me substituir. A
partir de hoje, trabalho diretamente para o irmão Guia". Ela conseguira.
A família que a acolhera, em sua chegada a Trípoli, contou mais tarde sobre
sua fúria para encontrar trabalho e principalmente sobre sua obstinação em
encontrar Kadafi. "Bastaria uma vez", dizia ela. "Uma única vez! E ele ia me querer
trabalhando para ele!" Todos explicavam seu sucesso mais pela prática intensiva
da magia negra que por seu charme. Durante todos os seus anos de serviço junto a
Kadafi, ela vai encontrar, em diferentes países, os maiores feiticeiros da África e os
convidará a visitar Trípoli.
Assim, pouco a pouco ela foi se tornando a soberana de uma espécie de harém
situado no subsolo da residência do Guia, que as garotas integravam na condição
de cativas e onde acabavam passando anos, incapazes de voltar a integrar a
sociedade líbia. Mas também se tornou provedora titular de presas sexuais
(contaram-me sobre como apreciava a musculatura de rapazes muito jovens, na
África, antes de encaminhá-los para Kadafi). E, por fim, diretora do então chamado
"serviço especial", das garotas de uniforme que supostamente compunham a
guarda pessoal e extravagante do ditador. Infeliz daquele que chamasse sua
atenção ou incidentalmente mencionasse uma sobrinha, uma prima, uma vizinha.
Infeliz de quem viesse a Bab al-Azizia solicitar algum serviço (moradia, trabalho,
cuidados de saúde). Ela estava sempre à espreita para lançar sua rede.
– Aquela mulher era a vergonha da nação tuaregue – disse-me um dos líderes
desse povo. – Sabíamos bem o que significava aquele "serviço especial". Se ela se
aproveitou de sua posição para atrair mulheres de nosso povo? Ela era capaz de
tudo. Mas uma mulher tuaregue se mataria para não ter de se submeter a tal
coisa.
Obviamente tentei descobrir o paradeiro de Mabruka. No início do inverno de
2011, disseram-me que ela fugira, como a maior parte daqueles próximos a Kadafi,
e estava na Argélia. Alguém disse acreditar tê-la visto na Tunísia. Depois, uma
nota de uma agência de notícias me informou que ela mobilizara um sem-número
de personalidades, sobretudo entre os tuaregues, para tentar convencer
autoridades argelinas a lhe conceder asilo político, o que lhe foi recusado. No início
de março de 2012, fiquei sabendo que ela "negociara" seu retorno a solo líbio e
que se encontrava em prisão domiciliar em Ghat, vivendo em companhia da mãe.
Apesar de minha insistência, encontrá-la se revelou impossível. Porém, para minha
grande surpresa, Ottman Mekta, o imponente líder rebelde de Zintan, que durante
três longos dias a interrogara, pareceu tomado pela clemência.
– Ela expressou profundo remorso e chegou a pedir perdão – disse-me ele. –
Afirmou que não agia de bom grado. Na época, ninguém era livre. Eu a vi muito
apegada à mãe, idosa, e tive a impressão de que era uma boa pessoa, cuja
bondade esteve apenas sufocada.
Uma boa pessoa... Eu não acreditava no que estava ouvindo. Seria possível que
ela tivesse enganado seus carcereiros? Eu deveria lhes apresentar o testemunho de
Soraya?  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora