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  – O senhor sabia que ele obrigava alguns ministros a ter relações sexuais com
ele?
– Não me surpreendo. Há tanto ambicioso por aí. Tinha até aqueles que, para
obter favores, estavam dispostos a entregar a mulher ou a filha! Isso é o cúmulo da
desonra na cultura líbia. É a marca do sub-homem.
– Ele chegou a tentar estuprar esposas de primos.
– É preciso não ser homem para aceitar que alguém toque em sua própria
mulher.
– E como se deve reagir?
– Matando o estuprador. Ou então impondo a morte a si mesmo.
– Não haveria como o senhor ignorar que ele também agrediu esposas de
guardas e de militares.
– Garanto que ele jamais tocou em alguém da minha família! Sempre fiz de
tudo para protegê-la.
– Como?
– Eu me assegurava de que minha mulher nunca entrasse num carro que não
fosse conduzido por mim ou por meus filhos. Não tínhamos motorista. Exceto
quando ocasionalmente recorri aos serviços do irmão de minha esposa, porque ele
era ainda mais cuidadoso que eu. E ciumento!
– Então o senhor desconfiava de Kadafi?
– Não o convidei para os festejos de casamento de meu filho. No terceiro dia,
Safia veio nos parabenizar e tirar uma fotografia com os noivos. Não passou disso.
– Por quê?
– Eu não queria que minha família, tão respeitada, fosse vítima de suas
manobras. A festa de casamento foi na minha casa, pois eu temia as câmeras dos
hotéis. A orquestra era composta só de mulheres, a recepção era cem por cento
feminina, exceto por meu filho. E nós proibimos telefones celulares, para que não
vazasse nenhuma imagem.
– O senhor imaginava que, se convidado à recepção, ele poderia ter escolhido
uma vítima?
– Ele não ousaria desejar uma de minhas convidadas. Sabia muito bem como
eu reagiria. Mas eu preferi tê-lo afastado. Se viesse, ele certamente estaria
acompanhado daquelas vadias, sempre a tiracolo. E aquilo me aterrorizava.
Que confissão! Quanta desconfiança! Não sentiria remorso por ter seguido até o
fim um canalha tão pouco respeitável? Ele se ajeitou na cadeira e levou um tempo
para responder.
– No início – disse ele –, eu tinha fé, e não tinha a menor ideia sobre até onde
iam seus abusos. Agora que ele está morto, de que serviria ficar manifestando meu
arrependimento pessoal? Guardo isso para mim, lá no fundo. Protegi minha família,
e isso para mim é o mais importante. E me submeto agora à justiça do povo líbio.
Vou aceitar o veredicto. Mesmo que seja a condenação à morte.
Ele se levantou para ir embora, aguardando o carcereiro que o acompanharia. E
fez uma última reflexão:
– Sabe, quando cheguei aqui em Misrata, essa cidade destroçada pela guerra,
havia perdido sangue, estava ferido, quase morto. Cuidaram de mim e me trataram
com respeito. Tenho que dizer isso. Estou dormindo num colchão que o diretor da
prisão trouxe da casa dele. Ele me deu o que vestir. Estou descobrindo o prazer de
falar com homens de bem, que combateram do lado da rebelião, e há um laço
quase fraterno que nos une. Estranho, não é?  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora