Entre os artigos de luxo do ditador, as "presas especiais" que cobiçava, estavam
esposas e filhas de soberanos e chefes de Estado. Como não se transformara
naquilo que desejava, o "rei dos reis da África", Muamar Kadafi sonhava ao menos
em possuir suas esposas, uma maneira de sobrepujar a todos. Porém, nessa
esfera, seria impensável recorrer à coação e à força. Era preciso tino, diplomacia e
dedicação. E muito, muito dinheiro. Diversas esposas rapidamente compreenderam
que poderiam conseguir qualquer coisa com o Guia, e muitas não se faziam de
rogadas quando se tratava de solicitar um encontro com ele, indo elas próprias
buscar ajuda financeira para um hospital, fundação ou qualquer outro projeto de
seu agrado. Ele distribuía dinheiro a seu bel-prazer e fazia o possível para
conseguir seu objeto de desejo. Algumas filhas de chefes de Estado de países
africanos, com costumes mais liberais que as líbias e habituadas à opulência, se
faziam convidar por ele em Trípoli e não pensavam duas vezes ao pedir a "papai
Muamar" que financiasse suas férias, estudos e projetos empresariais, como o
lançamento de uma produtora de programas de tevê. O escritório do Guia, e logo
em seguida seu quarto, punha-se de portas abertas. Foi assim que a filha de um
ex-presidente do Níger fez parte, durante muito tempo, de sua intimidade e o
acompanhou em diversas viagens oficiais. Mas o coronel também apreciava a ideia
de correr riscos e seduzir as esposas sob o nariz de seus maridos. As grandes
cúpulas internacionais lhe davam a oportunidade de empregar todos os seus
talentos.
Uma mulher de cerca de quarenta anos, que durante muito tempo trabalhou a
serviço do protocolo do Guia, recebeu-me em um salão de chá de um elegante
bairro de Trípoli. Uma amiga lhe falara de minha pesquisa, e ela aceitou participar.
Foi algo um tanto inesperado, após uma série de recusas que eu recebera.
Pequena, delicada, bastante vivaz, ela não usava véu e olhava-me direto nos olhos,
amistosa e, posso dizer, combativa.
– Sinto como se tivesse o dever de lhe contar – ela me disse. – Não pude
participar da revolução nem pegar em armas contra Kadafi. Mas juro que tive
vontade. Encontrar você, contribuir para revelar a verdade sobre o que foi o
regime, é um modo de dar minha contribuição à revolução.
Ela confessou que havia se desencantado no tempo em que servira ao
protocolo. E perdera todas as ilusões a respeito do Guia, e mesmo as forças morais
que a animavam. Ela acreditara em trabalhar pela Líbia, servir a um grande
propósito que se viabilizava na pessoa de um visionário íntegro. E eis que se viu
em meio a um sistema de benesses, adulações e corrupção sexual que acabou por
aniquilar todas as suas convicções. Ela tentava seguir adiante, proceder de modo
que seu trabalho, no que dependesse dela, fosse irrepreensível. Mas não foi preciso
muito tempo para descobrir que a obsessão de Kadafi por sexo dava sua marca ao
regime como um todo e era capaz de destruir toda e qualquer organização
minuciosa de cúpulas e visitas de chefes de Estado, das quais seu serviço se
encarregava. Ela estava revoltada.
– Ele brincava com fogo, o todo tempo quase chegando às raias do incidente
diplomático. – Ele passava por cima de todas as regras. – A esposa de um chefe de
Estado em visita era conhecida pelo grande interesse por escolas? Então nossa
tarefa seria organizar para ela um programa que correspondesse às suas
expectativas: encontros com profissionais da educação, visitas a estabelecimentos
de ensino. No entanto, no dia D, a agenda cuidadosamente elaborada ia por água
abaixo: um carro de Bab al-Azizia vinha apanhar a primeira-dama para uma
"entrevista particular" com o Guia. Uma entrevista! Aquilo não tinha o menor
cabimento. Mas eu logo entendi. Era melhor mesmo esquecer a escola. No dia
seguinte, a mulher recebia uma maleta com quinhentos mil dólares em espécie e
uma parure de ouro ou diamantes.
Em novembro de 2010, a Terceira Cúpula África-União Europeia foi sediada em
Trípoli. Parte do serviço do protocolo foi encarregada de organizar a recepção às
esposas de chefes de Estado e diferentes atividades que poderiam agradá-las. Um
pequeno dossiê fora preparado sobre cada uma delas, trazendo sua foto e
currículo. Uma acompanhante seria designada a cada uma delas, para todos os
seus deslocamentos. No dia da chegada das comitivas, Mabruka Sherif se
apresentou no escritório do chefe do aeroporto, onde estavam reunidos os dossiês.
Examinou todas as fotos das primeiras-damas e se deteve em uma delas, dotada
de uma formidável cabeleira e de um rosto particularmente espetacular.
– Providencie uma cópia desta ficha. É para o Guia.
O primeiro dia da cúpula se deu conforme as regras, com cada delegação se
instalando à noite no local de estada que lhe fora designado. Na manhã seguinte,
Mabruka telefonou para o serviço do protocolo:
– Acompanhe-me para encaminharmos os presentes.
Então um carro percorreu o circuito de hotéis e residências de luxo onde
estavam acomodadas as diferentes delegações. E a funcionária do protocolo
descobriu, tão estupefata quanto algumas das esposas, a opulência dos presentes.
– Eu acreditava já ter visto muita coisa na vida, mas aquilo... nem nos meus
sonhos. Havia colares resplandecentes!
Mabruka fez ar de mistério.
– Pois quando você vir o que foi comprado para a mulher da foto...
De fato. Quando ela apresentou o estojo daquela primeira-dama de um país
africano, conhecida por seu gosto pelo luxo e também pelos detalhes escandalosos
de sua vida extraconjugal, todos ficaram de queixo caído: a parure de diamantes
era de tirar o fôlego.
– Eu não sabia que uma coisa daquelas pudesse existir. Era... como um colar de
ficção científica.
Mabruka soltou:
– O Guia gostaria de vê-la.
A dama aquiesceu.
Um grande jantar oficial foi realizado naquela noite no Hotel Rixos, o palácio
cinco estrelas de Trípoli. Kadafi reinava no centro de uma mesa em U, cercado
pelos chefes de Estado. Três mesas redondas reuniam as mulheres. Como que por
acaso, Mabruka sentou-se ao lado da suntuosa esposa. Ao fim do jantar, enquanto
todos se levantavam, ela a tomou pela mão e deu um jeito de se pôr no caminho
do Guia, que obviamente se aproximou e saudou-a com mil elogios. Às duas da
manhã, Mabruka chamou a funcionária do protocolo.
– A que horas parte o avião dessa mulher?
– Às dez.
– Vou mandar um carro até você. Faça o possível para que ela esteja às nove
em Bab al-Azizia.
– Impossível! Tenho que cuidar da partida de todas as delegações amanhã de
manhã, certamente estarei ocupada com outra coisa.
– Certo, eu me encarrego disso. Mas dê um jeito
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No Harém De Kadafi
Mystery / ThrillerA história real de uma das jovens presas do ditador da Líbia.