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  Algumas famílias perderam até cinco membros nos últimos combates. Há casos de
meninas que tiveram súbitos ataques de histeria durante as aulas, ou que
perderam a consciência. Uma única palavra, uma imagem pode desencadear um
choro convulsivo. Nossa assistente social não está dando conta. Nos faltam
psiquiatras.
Faltavam também educadores na escola. Algumas professoras haviam perdido
o marido na batalha de Sirte e não tiveram condições ou não quiseram retomar as
aulas. Parte do pessoal havia desaparecido. Mortos?
– Partiram – disse ele sobriamente. Era o caso do antigo diretor. – Ele deixou a
Líbia. Não tivemos mais notícia.
Provavelmente era kadafista demais para esperar sobreviver sem contratempos
a seu herói. Já ele, Mohammed Ali Mufta, fora nomeado diretor para garantir a
sucessão. Fazia dezenove anos que lecionava na escola e se sentia apto a assumir
as novas responsabilidades. Tanto que, contrariando todos os rumores, assegurava
que não haveria nenhum "desarranjo" nos programas escolares. Fiquei surpresa. O
novo ministro da Educação não acabara de afirmar a urgência de uma
reestruturação pedagógica, a necessária alteração de todos os programas e a
criação de uma equipe de especialistas encarregada de reescrever inteiramente os
manuais escolares? Rebeldes haviam me relatado algumas aberrações do ensino
tal como concebido por Kadafi. Em geografia, por exemplo, o mundo árabe era
apresentado como uma entidade indivisível, e os mapas indicavam apenas o nome
das cidades, jamais trazendo o traçado das fronteiras entre os diferentes países.
Muitas horas por semana eram dedicadas ao estudo do Livro verde, que se
estendia por vários anos. O ensino de línguas ocidentais, como inglês e francês,
fora banido no início dos anos 1980, em favor de línguas subsaarianas, como o
suaíli e o hauçá. Quanto à história da Líbia, ela simplesmente começava com o
Guia, não sendo nem mencionado o reino dos sanusis, anterior a 1969.
– Nossa escola é predominantemente científica – replicou secamente o diretor.
– Não estamos muito preocupados com mudanças, tanto que experimentamos um
método de ensino emprestado de Cingapura. Quanto às disciplinas de educação
política, bastou suprimi-las.
Foi então que apresentei minha pergunta. Aquilo que me assombrava desde
que eu adentrara aquele colégio. Abril de 2004. Visita do coronel Kadafi. Entrega
de flores e presentes por belas alunas. O rapto de uma delas, observada pelo Guia,
para se tornar sua escrava sexual. Ele teria ouvido falar dessa história? Brasas
surgiram em seus olhos de carvão. Eu mal acabara a frase e ele resmungou:
– É mentira! Ridículo! Idiota! – Como? – Essa história não faz o menor sentido.
O coronel Kadafi nunca visitou escolas!
Ele ficou revoltado, fora de si. Continuei, com a voz calma.
– Eu me encontrei com a garota. Seu testemunho é sério. Ela me deu todos os
detalhes.
– Falsos, eu lhe digo! Mentirosos!
Ele se tornou assustador conforme elevou a voz. Continuei: a Líbia toda estava
habituada a ver o Guia visitar escolas e universidades, mesmo com a revolução em
pleno curso. Os jornais publicavam fotos, a televisão filmava...
– Não em Sirte! Aqui era a cidade dele! E fomos bastante condenados por isso.
Ele jamais visitou uma escola em Sirte. Posso lhe garantir!
Tive tanta vontade de que Soraya estivesse ali comigo, que o desmascarasse e
o aniquilasse com a precisão de seu testemunho. Três dias depois, quando lhe
contei a cena, mostrando-lhe fotos da escola sobre a qual ela contara fortes
lembranças, ela ficou comovida antes de explodir em cólera.
Insisti uma vez mais. O Guia tinha naquela escola filhos de primos, membros de
sua tribo. Conhecendo seu interesse pelo ensino, cujos códigos ele ditava, não era
absurdo que fizesse uma visita amistosa... Mohammed Ali Mufta não se abrandou.
– Nunca! São fofocas! Pode ter acontecido de ele se dirigir aos alunos por meio
de um filme projetado no telão. Nada além disso!
Não adiantava insistir, eu não conseguiria nada. E de repente me pareceu
perigoso dar-lhe o nome de Soraya – que ele, curiosamente, não perguntou –, pois
isso poderia expor sua família a represálias. Era visível que Sirte não virara a
página.
Eu estava deixando o local quando notei, em um pequeno cômodo que dava
para o amplo saguão do primeiro andar, um grupo de jovens professoras. Iam e
vinham, sem dúvida entre uma aula e outra, para beber chá, deixar a bolsa, rir com
as colegas. Fui me achegando. Elas logo me rodearam, ofereceram uma cadeira e
suco de frutas e, em questão de segundos, tão logo uma delas fechou a porta, o
cubículo cheio de insígnias da revolução criou asas. Falavam todas ao mesmo
tempo, rivalizando histórias, lembranças, indignações. Uma delas começava um
relato, interrompido por outra, que o aumentava, antes que uma terceira
interviesse, em alto e bom som: "Pode acreditar, sei de coisa pior!" Tive trabalho
para acompanhar os relatos. Era como se uma comporta se abrisse, dando vazão a
uma torrente. Não havia como detê-las.
Raptos de meninas? "Sirte inteira estava acostumada!" Sirte, a kadafista? Uma
garota com os olhos delineados com kajal sob sobrancelhas impecáveis tentou me
explicar.
– Ele tinha influência sobre as pessoas de sua cidade, de sua tribo, de sua
família. A escola nos fazia cultuá-lo. Mas todo mundo sabia que moralmente ele era
um canalha. E quem diz que não sabia está mentindo!
Suas cinco colegas concordaram efusivamente, enojadas com o que me havia
sido dito pelo diretor.
– O que estava antes dele fugiu depois de ter feito parte do último núcleo de
resistência kadafista. Infelizmente, a nova direção muitas vezes segue a mesma
linha. Aliás, como fazia o nosso diretor [o da escola que ficava no mesmo prédio no
período da tarde], antes que exigíssemos do ministério que ele fosse embora, pois
continuava a criticar a intervenção na Líbia e a fazer a cabeça dos alunos.
Uma das mulheres disse ter sido aluna no colégio de Soraya e ter ela própria
visto Kadafi "desfilar" no ginásio de esportes. Pela janela, indicou-me o prédio do
outro lado do pátio. Não se lembrava de Soraya, mas era categórica: o Guia vinha,
sim, a todos esses lugares. A garota risonha ao seu lado, envolta em um xale
vermelho, ouvira-o, dois anos antes, pronunciar um discurso interminável na
Universidade de Sirte.
– Quando ele chegava, o bairro era bloqueado, as aulas interrompidas, o
intervalo suspenso.
Toda ocasião era uma boa oportunidade, elas me garantiram, para encontrar
garotas. Ele se convidava no último minuto para festas de casamento.
– A maioria dos anfitriões se sentia lisonjeada – emendou uma delas. – Só que
meus tios, que são justamente da família dele, não deixavam que ele me visse.
Ele convidava os alunos a ir assiduamente à katiba Al-Saadi, onde mantinha
sua residência, para um festival de canções.
– Estive no festival dois dias seguidos, com a escola, mas meus pais não me
deixaram voltar. "Naquele lugar estão os maiores perigos", meu irmão me explicou.
E quando o perigo não vinha do Guia, vinha de seu bando, guardas, militares de
qualquer patente. Os costumes dele eram contag  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora