12 Pelos passos de Soraya

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  Soraya não trapaceia. Ela conta o que viu, viveu e sentiu, sem a menor hesitação
em reconhecer o que não sabe, não compreende ou não conhece. Não tem
nenhuma intenção de exagerar sua história ou de amplificar seu papel. Jamais
extrapola. Não raras vezes, diante de meus pedidos de que fosse mais precisa, ela
se opunha: "Sinto muito, isso eu não sei. Não estava lá". Ela não deseja ser crível,
mas crua. E há algo de vital nessa exigência. Aliás, foram exatamente estes os
termos de nosso acordo: mais valeria o silêncio que uma aproximação ou mentira.
Uma distorção, por menor que fosse, arruinaria a credibilidade do testemunho todo.
Então ela foi contando tudo, e chegou a corrigir seu pai quando ele lhe sugeriu que
fizesse uma pequena adequação dos fatos. Vez por outra, no relato das cenas com
Kadafi, ela tentava não usar palavras que julgasse por demais degradantes. Mas
como poderia ser diferente? Em outros momentos, divertia-se com as dificuldades
que antevia para a tradução: "Fico pensando qual palavra você vai usar para dizer
isso! Eu não facilito as coisas pra você, né?"
Então vamos lá. Que narradora maravilhosa! Ela se prestou à entrevista com
uma coragem e boa vontade comoventes. Nós nos encontrávamos todos os dias,
no início de 2012, no apartamento em Trípoli onde ela estava provisoriamente
hospedada, e algumas vezes, mais raramente, em meu quarto de hotel. Ela
mergulhava com paixão em seu relato, imergindo nas situações, mimetizando as
cenas como em uma sucessão de quadros, reconstituindo os diálogos, agitando as
mãos e elevando o tom e as sobrancelhas, pondo-se de pé e desempenhando
todos os papéis, de Kadafi e Mabruka a Tony Blair.
Como esquecer a emoção de vê-la reviver momentos cruciais, cujo horror não
mais a deixou? A tristeza por vê-la algumas vezes tomada pelo desespero? A
inquietude ao imaginar seu futuro? Por que esconder que também havia momentos
de riso solto, como quando, ao término de uma longa conversa, ela sintonizou a TV
em um canal de clipes egípcios, amarrou na cintura um lenço com longas franjas
metalizadas e se pôs a me ensinar, sexy, irresistível, as técnicas da dança do
ventre?
– Mantenha a postura, Annick! Braços abertos, peito erguido, sorriso sedutor.
Vamos lá! É como fazer uma onda. Balance!
As relações com sua família se deterioravam pouco a pouco, isolando-a cada
vez mais. Ela preferiu que eu não encontrasse seus pais antes de deixar Trípoli.
Felizmente pude conhecer seu pai em janeiro de 2012. Um homem de baixa
estatura, ombros caídos, ar derrotado. Viera visitá-la uma noite, quase em segredo,
sem avisar a esposa, e olhava a filha com uma ternura infinita.
– Desde pequena, era ela quem dava alma à casa – disse-me. – É uma
comediante nata. No dia em que ela desapareceu, uma enorme tristeza caiu sobre
a nossa casa e nunca mais a deixou.
Ele se culpava por não estar em Sirte no dia da visita do coronel à escola da
filha.
– Se a senhora soubesse quantas vezes imaginei a cena do buquê de flores,
fiquei passando e repassando-a na mente milhares de vezes! Tenho certeza de que
cúmplices já tinham passado pelo salão de beleza para observar Soraya. E suspeito
que o diretor do colégio tenha se posto a serviço do bando de Kadafi, selecionando
um grupo de meninas que certamente cairiam em seu gosto. Bastaria então
inventar um pretexto para apresentá-las. Hoje estou certo de uma coisa: em cada
região da Líbia, Kadafi dispunha de um bando de criminosos para fazer esse serviço
sujo.
E então, inconformado, ele serrava os punhos e sacudia a cabeça, perdido em
pensamentos, lamentos, remorsos.
– Se eu estivesse lá, jamais teria deixado Soraya partir com aquelas três
mulheres, sob um pretexto completamente estúpido! Aquilo não fazia o menor
sentido. Quando minha esposa me avisou, sem ousar me dizer muita coisa ao
telefone – era sabido que qualquer conversa telefônica na Líbia podia ser
grampeada –, eu voei de Trípoli a Sirte e a infernizei até não poder mais. O clima
era terrível. Ficamos sem dormir uma, duas, três noites, e eu fui perdendo o chão.
Queria que a terra me engolisse. As amigas de Soraya, seus professores, nossos
vizinhos, as clientes do salão, todo mundo perguntava: "Mas onde anda Soraya?"
Então voltei a Trípoli, e sua mãe pôde responder a todo mundo: "Ela está com o
pai".
Dar queixa? Para quem? De quê? Soraya partira em um carro do protocolo,
acompanhada por guardas do corpo de segurança do Guia. Qualquer protesto seria
impensável. Quem, no inferno, sonharia em prestar queixa contra o próprio diabo?
E quando os pais receberam a confirmação de que seu pior medo se tornara
realidade, que Kadafi pura e simplesmente fizera de Soraya sua presa, eles
desmoronaram.
– As opções eram muito claras: a vergonha ou a morte. Denunciar, protestar ou
reclamar valeria uma condenação à morte. Foi então que me enfurnei em Trípoli e
esqueci, definitivamente, o gosto que um dia pudera ter a felicidade.
Ele queria muito que se fizesse justiça à filha. Que ela pudesse voltar de cabeça
erguida, "de honra lavada", diante da família estendida. Era impossível, ele sabia.
– Todos à nossa volta duvidam da história de Soraya e obviamente me
consideram um "sub-homem". Não existe, entre nós, insulto pior que esse. E isso
também afeta meus filhos. Destruídos, complexados, incapazes de imaginar outra
saída para parecerem homens de verdade a não ser matar a irmã. É terrível! Ela
não tem a menor chance na Líbia. Nossa sociedade tradicional é por demais
estúpida e impiedosa. E a senhora sabe o que mais? Por mais doloroso que possa
ser para um pai, eu desejaria que uma família estrangeira a adotasse.
Tive de ir a Sirte, a cidade de Kadafi. Queria ver o imóvel onde Soraya crescera,
o salão de beleza mantido com tanto vigor por sua mãe e a escola em que se dera
a cena do buquê. Soraya não se entusiasmou com a ideia e não me acompanhou,
mas entendeu minha necessidade. Ela mesma se perguntava o que teria sido feito
do feudo kadafista situado a trezentos e sessenta quilômetros de Trípoli, outrora
um pequeno vilarejo de pescadores que o mestre da Líbia sonhava em transformar
em capital dos Estados Unidos da África e que acabou se tornando local de
combates encarniçados e sangrentos no outono de 2011 e alvo de pesados
bombardeios da OTAN. Passaram a falar de Sirte como cidade fantasma, corroída
pelo ressentimento e doente por seus sonhos de grandeza, hoje destruídos.
Quando decidiu buscar refúgio ali para sua hora derradeira, atraindo sobre ela um
dilúvio de ferro, pólvora e fogo, Kadafi decididamente não lhe prestou um bom
serviço.
O caminho era longo, reto, rapidamente se tornava monótono. Cortava imensas
extensões desérticas, nas quais se destacavam, sob o céu metálico, rebanhos de
carneiros e alguns errantes dromedários acinzentados. Por vezes, gotas de chuva
vinham limpar o para-brisa.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora