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  Eu ainda estava meio sonolenta. Tomei chá com biscoitos. E olhei ao redor.
Havia muitas garotas de uniforme militar, entrando e saindo. Elas me olhavam de
canto de olho, curiosas – "É essa aí, a novata?" –, e faziam referência ao Guia,
aparentemente ocupado em uma das tendas. Salma se aproximou de mim.
– Vou lhe explicar tudo muito claramente: Muamar vai se deitar com você. Vai
abrir você. E você vai passar a ser uma coisa dele e não o deixará mais. Por isso,
deixe de ser teimosa. A resistência e os caprichos não funcionam com a gente!
Fathia, a imponente, chegou, ligou a tevê e aconselhou:
– O negócio é deixar, vai ser mais fácil. Se você aceitar, tudo vai funcionar bem
para você. O negócio é simplesmente obedecer, sem questionar.
Eu chorei e fiquei ali, prostrada. Então eu era uma prisioneira. O que eu tinha
feito de errado?
Por volta de uma da tarde, Fathia veio me arrumar com um vestido azul de
cetim, muito curto. Na verdade, ele mais despia que vestia. No banheiro, ela
molhou meus cabelos e passou musse. Mabruka deu uma olhada no meu visual, me
tomou pela mão e me levou novamente ao quarto de Kadafi.
– Dessa vez, você vai satisfazer os desejos do seu mestre, ou eu te mato!
Ela abriu a porta e me empurrou para dentro. O Guia estava lá, sentado na
cama, de calça esportiva e camiseta. Fumava um cigarro e soprava lentamente a
fumaça, me olhando com frieza.
– Você é uma puta – disse ele. – Sua mãe é tunisiana, e por isso você é uma
puta.
Ele não tinha pressa, olhava-me demoradamente da cabeça aos pés e dos pés
à cabeça, lançando a fumaça em minha direção.
– Senta perto de mim – ele indicou um lugar na cama. – Você vai fazer tudo
que eu mandar. Vou lhe dar joias e uma bela casa, vou ensinar você a dirigir e te
dar um carro. E um dia vai poder estudar em outro país se quiser, eu mesmo te
levarei aonde desejar. Você está entendendo? Seus desejos serão ordens!
– Quero voltar para minha mãe.
Ele congelou, apagou o cigarro e elevou o tom de voz.
– Escuta bem! Acabou, entendeu? Acabou essa história de voltar pra casa!
Agora você está comigo. E pode esquecer todo o resto!
Eu não podia acreditar no que ele estava dizendo. Estava completamente além
da minha compreensão. Ele me puxou para a cama e mordeu a parte de cima do
meu braço. Doeu. Depois tentou me despir. Eu já me sentia nua naquele
minivestido azul, era horrível, eu não podia deixá-lo fazer aquilo. Resisti, mas ele
agarrou as alças do vestido.
– Tira isso, sua puta! – e afastou meus braços. Eu me levantei, ele me puxou e
me atirou novamente na cama, eu me debati.
Então ele se levantou, cheio de raiva, e entrou no banheiro. Mabruka logo
apareceu (só mais tarde entendi que ele tinha uma sineta perto da cama para
chamá-la).
– É a primeira vez que uma garota me desafia desse jeito! A culpa é sua! Eu
mandei ensiná-la. Agora dê um jeito, senão quem vai pagar é você.
– Meu mestre, deixe essa garota pra lá. É uma mula. Podemos levá-la de volta
e trazer outras.
– Prepare essa. Eu quero essa!
Levaram-me ao laboratório, e eu fiquei ali, no escuro. Galina apareceu de
mansinho e me deu um cobertor, com um sorriso de piedade. Mas como eu poderia
dormir? Eu não conseguia esquecer aquela cena e não encontrava a menor
explicação para o que estava acontecendo. O que teriam dito a meus pais?
Certamente não a verdade, não era possível. Mas então o quê? Papai não queria
nem que eu fosse à casa dos vizinhos, e eu sempre tinha de voltar para casa logo
que escurecesse. Então, o que ele ia pensar? O que ia imaginar? Será que algum
dia acreditariam em mim? Que explicação teriam dado na escola para justificar
minha ausência? Não consegui pregar o olho a noite toda. Ao amanhecer, quando
eu estava começando a apagar, Mabruka chegou.
– Vamos, de pé! Coloque esse uniforme. Vamos pra Sirte.
Que alívio!
– Então eu vou pra casa?
– Não! Vamos pra outro lugar.
Pelo menos sairíamos daquele lugar horroroso no meio do nada e nos
aproximaríamos da minha casa. Fui às pressas me lavar, vesti novamente o
uniforme cáqui semelhante ao das guarda-costas de Kadafi e me dirigi à sala, onde
cinco outras garotas, também de uniforme, assistiam à televisão distraidamente.
Elas tinham celulares, e eu quis muito pedir para telefonar para mamãe, no
entanto Mabruka supervisionava tudo, e o clima ali era mordaz. O trailer partiu e
eu me deixei levar; já fazia tempo que eu não controlava mais nada.
Depois de mais ou menos uma hora de viagem, o veículo parou. Fizeram-nos
descer e nos dividiram em carros diferentes, quatro por automóvel. Foi nesse
momento que percebi que formávamos um imenso comboio e que havia muitas
mulheres-soldado. Bem, quando falo isso, quero dizer que elas tinham certo ar de
soldado. A maioria não dispunha de distintivos nem de armas. Era bem possível
que não fossem mais militares que eu. Em todo caso, eu era a mais nova, e isso
fazia sorrir algumas que se viravam para me observar. Eu acabara de completar
quinze anos, e não demoraria a cruzar com garotas que não deviam ter mais que
doze.
Em Sirte, o comboio entrou na katiba Al-Saadi, o quartel que levava o nome de
um dos filhos de Kadafi. Logo fomos separadas em quartos, e entendi que dividiria
o meu com Farida, uma das guarda-costas, que devia ter vinte e três ou vinte e
quatro anos. Salma deixou uma maleta sobre a minha cama.
– Anda logo, vai tomar banho! – ordenou ela, batendo as mãos. – E coloque a
camisola azul.
Quando ela virou as costas, olhei para Farida.
– O que significa esse circo? Você pode me dizer o que estou fazendo aqui?
– Não posso te dizer nada. Sou um soldado. Cumpro ordens. Faça o mesmo.
A conversa se deu por encerrada. Ela organizava meticulosamente suas coisas,
e eu me vi incapaz de fazer o mesmo. E ainda mais de vestir as roupas que
estavam na mala, uma montoeira de calcinhas fio dental, sutiãs e baby-dolls, além
de um penhoar. Mas Salma voltou.
– Eu te disse pra ficar pronta. Seu mestre está esperando!
Ela permaneceu ali até que eu vestisse a camisola azul para subir com ela ao
outro andar, então me fez esperar num corredor. Mabruka chegou com cara de
poucos amigos e me empurrou brutalmente para dentro de um quarto, fechando a
porta atrás de mim.
Ele estava nu. Deitado em uma cama imensa com lençóis bege, em um quarto
também em tons de bege sem janelas, parecia que ele estava enfiado na areia. O
azul da minha camisola contrastava com o conjunto.
– Vem aqui, minha puta! – disse ele, abrindo os braços. – Vem, não precisa ter
medo!
Medo? Eu estava muito além do medo. Sentia-me num abatedouro. Pensei em
tentar escapar, mas sabia que Mabruka estava de tocaia atrás da porta. Fiquei
imóvel, enquanto ele se levantou subitamente e, com uma força que me
surpreendeu, me pegou pelo braço e me jogou na cama antes de se deitar sobre
mim. Tentei afastá-lo, mas ele era pesado e eu não consegui. Ele me mordia no
pescoço, no rosto, nos seios. Eu gritava e me debatia.
– Não se mexa, sua puta imunda!
Ele me deu uns safanões, apertou meus seios, depois levantou minha camisola
e imobilizou meus braços, penetrando-me violentamente.
Eu jamais vou esquecer. Ele profanava meu corpo, mas era minha alma que
transpassava com um golpe de punhal. A lâmina jamais saiu.
Eu estava aniquilada, não tinha mais forças, já não me mexia, eu chorava. Ele
se ajeitou na cama de modo a pegar uma toalha vermelha que estava a seu
alcance, passou-a por entre minhas coxas e se dirigiu ao banheiro. Mais tarde vim a
saber que esse sangue lhe era precioso para um ritual de magia negra.
Sangrei durante três dias. Galina vinha ao pé da minha cama me dispensar
cuidados. Ela acariciava minha testa, dizendo-me que eu estava ferida por dentro.
Eu não me queixava. Não perguntava mais nada.
– Como é que vocês podem fazer isso com uma criança? É terrível! – a
enfermeira disse a Mabruka quando me levou até ela. Mas Mabruka não deu a
mínima. Eu mal tocava na comida que me traziam no quarto. Era uma morta-viva.
Farida me ignorava.
No quarto dia, Salma veio me procurar: o mestre estava me chamando.
Mabruka me levou ao quarto dele. E ele recomeçou, com a mesma violência e as
mesmas palavras degradantes. Sangrei muito, e Galina avisou a Mabruka:
– Não toquem mais nela. Dessa vez pode ser perigoso.
No quinto dia, levaram-me ao quarto dele logo pela manhã. Ele tomava o café:
dentes de alho, suco de melancia, biscoitos embebidos em chá com leite de
camela. Ele colocou uma fita cassete num gravador velho, eram canções
tradicionais de beduínos, e ordenou:
– Vai, puta, dança aí! Dança! – Eu hesitei. – Vai! Vai! – e batia palmas.
Tentei esboçar um movimento e então continuei, timidamente. O som era
horrível, as músicas péssimas, e ele lançava sobre mim um olhar lascivo. Mulheres
entravam para tirar a mesa do café, indiferentes à minha presença.
– Continua, vadia! – ele dizia, sem tirar os olhos de mim.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora