– Eu já estava esgotada e tinha de ouvir o discurso do Guia até o fim! – Mas
não demorou nem um mês para que Fatima se desencantasse. – Foi uma
enganação. As promessas não passavam de mentiras. Kadafi desprezava seu
próprio exército, e logo ficou claro que não esperava nada das mulheres. Eram
apenas imagens para construir seu mito... e um viveiro de amantes.
Fatima foi nomeada oficial na escola vizinha a Bab al-Azizia. Ali era responsável
pelo treinamento militar cotidiano, mas "as garotas do bando de Kadafi" acabaram
arrogantemente se encarregando disso.
– Eu tinha um uniforme e um título que não valiam nada, nenhum poder.
Em seguida, foi transferida para as instalações do estado-maior das forças
armadas. Um motorista vinha apanhá-la pela manhã, mas ela não exercia função
alguma ali e era mal remunerada.
– Foi então que, pouco a pouco, um sentimento generalizado de frustração
tomou as moças da minha turma. Nossos estudos não passavam de uma fraude, e
o amor pelo país estava morto. Dizíamos que haviam roubado nossa vida. Deixei
de usar o uniforme, esqueci meu número de matrícula, perdi a agilidade,
negligenciei tudo que havia aprendido na escola. Já nem sabia mais desmontar
uma AK-47!
Evidentemente, se Fatima tivesse sido recrutada como guarda-costas, teria
algumas vantagens, sobretudo em viagens e salário. Mas para isso era preciso ser
alta, bonita, ter cabelos compridos... e ter caído nas graças do primeiro escalão de
Kadafi ou do próprio Guia, como foi o caso de Salma Milad, tão presente na história
de Soraya e que foi notada durante uma visita feita à cidade em que morava,
Zliten.
– As guarda-costas de Kadafi não eram realmente um agrupamento militar.
Não passavam de um grupo de garotas das forças especiais, das guardas
revolucionárias, da escola de polícia, da Academia Militar, das religiosas
revolucionárias e de suas amantes do momento. Kadafi delas se servia a seu belprazer, e não havia a possibilidade de resistir e menos ainda de reclamar. As mais
hábeis souberam tirar partido disso, acabaram ganhando casa e carro. Mas, por
favor, esqueça a imagem de um corpo de elite. Podia ser qualquer outra coisa,
como um simples cerimonial no qual Kadafi tinha o cuidado de incluir algumas
mulheres negras para mostrar que não era racista e garantir uma abertura com a
África. Os verdadeiros guardas, dos quais dependia sua segurança pessoal, não
aparecem em nenhuma imagem. Eram homens de Sirte, sua cidade natal.
Foi com muito entusiasmo que Fatima assistiu ao aumento gradual da
insurreição contra Kadafi, no início de 2011. Ela passou a participar oficialmente da
rebelião em 20 de março, pondo sua AK-47 "à disposição dos rebeldes". Mas ela
continuava no interior do sistema, vazando o máximo de informações e difundindo
circulares nos escritórios do exército.
– Desertar não era uma opção. Se tivesse tentado, hoje meus pais e eu
estaríamos numa vala comum.
Daquele momento em diante, ela passou a fazer parte do corpo militar dirigido
por Abdelhakim Belhadj, comandante do Conselho Militar de Trípoli, e diz que, com
aqueles companheiros, reencontrou a fé na função. Mas sabe que ainda será
necessário um tempo para reparar os danos e recuperar o crédito das mulheres de
uniforme.
Foi na prisão de Zauia, pequena cidade costeira situada a cerca de cinquenta
quilômetros de Trípoli, que encontrei a outra coronel. Inicialmente, ela se recusou a
me falar seu nome, até que no fim do encontro, de maneira quase inesperada, o
revelou, como prova de confiança. Um presente.
– Bem, eu me chamo Aisha Abdusalam Milad. Adeus!
A cela, no fim de um pequeno corredor, estava pintada de amarelo, havia uma
porta de ferro com um pesado ferrolho e uma janela obstruída, um colchão no chão
e uma cama metálica em mau estado de conservação. De um fio que percorria uma
das paredes laterais pendia uma fraca lâmpada, um pequeno aquecedor elétrico
estava posicionado em um dos cantos, e uma chaleira logo ferveu a água para o
chá. De início, a presença de duas pessoas naquele espaço minúsculo me
surpreendeu, e pensei que teria duas prisioneiras a entrevistar. Mas a mulher de
aparência mais miserável, enrolada na cama, com os olhos fundos nas órbitas e
fisionomia extenuada, me explicou ser a carcereira, que, depois de ter dormido
cinco anos dentro de um carro – "Ninguém queria alugar um quarto a uma mulher
sozinha e pobre" –, preferiu dividir a cela com sua prisioneira.
Esta, em compensação, mostrava-se completamente em forma. Alta e
longilínea, com os cabelos presos em um turbante, tinha feições delicadas, uma
pinta no lado esquerdo do rosto e usava, com elegância esportiva, uma camiseta
listrada sob um conjunto de veludo preto. Sentada de pernas cruzadas em seu
colchão, se mostrou disposta a relatar seu itinerário, mas queria deixar algumas
coisas bem claras desde o início: era militar por profissão – "e por vocação!" – e
jamais pertencera ao "bando" de Kadafi, nem a seu grupo de guarda-costas. Tendo
feito essa ressalva, pôde relatar a paixão que desde muito cedo nutrira pelo
exército, o encontro decisivo com recrutadores que visitaram sua escola em Sabha,
cidade no deserto do Saara, feudo da tribo Kadafa, e sua entrada para a Academia
Militar Feminina, em fim de dezembro de 1983. Assim como a maior parte das
alunas, ela vinha de família numerosa (nove irmãos), de parcos rendimentos e
muito reticente à ideia de ver uma filha de uniforme militar.
– Tivemos de abrir essa porta à força. Mas que felicidade! O "povo em armas"
deveria ser composto, em sua maioria, de mulheres, ou o conceito perderia o
sentido. Kadafi passava confiança às garotas e lhes tirava de casa.
Foi quase ao mesmo tempo que ela se formou enfermeira e saiu da academia,
em 1985, tomando o rumo de seu sul natal a fim de formar outras garotas e com
isso subir na hierarquia. Retornando a Trípoli, vinte anos depois, passou a integrar
a direção das guardas revolucionárias, organização reservada à proteção do Guia,
onde se viu encarregada de selecionar regularmente suas guarda-costas.
– Era uma responsabilidade e tanto! Seriam elas que demonstrariam ao mundo
todo que a mulher líbia estava armada e era respeitada. Seriam elas que
desempenhariam o papel de embaixadoras! Que eu não duvidasse da importância
daquilo! – Ela escolhia as "espetaculares". O que isso queria dizer? – Dotadas de
carisma. – Belas? – A questão não era essa. Eu queria que tivessem presença, que
fossem imponentes. E preferia que fossem altas. Se não fossem, eu as obrigava a
usar salto.
Todas as garotas sonhavam ser escolhidas e imploravam a Aisha um lugar ao
sol.
– Aquilo podia mudar a vida delas, ainda mais se não fossem militares
profissionais. Elas acompanhavam o Guia nas viagens e em troca recebiam
envelopes com honorários. Agora posso lhe jurar que, uma vez lá, elas faziam de
tudo para se manter no posto. Maquiagem, traje impecável... Sabiam que todas as
câmeras estariam voltadas para elas.
Sobre o comportamento de Kadafi com suas guarda-costas, Aisha não quis
falar. Top secret. Ela fazia seu trabalho sugerindo belas garotas. O que lhes
aconteceria a partir dali já não lhe dizia respeito. Eu insisti. Não era público e
notório que o Guia rapidamente as transformava em amantes? Mas Aisha não disse
uma palavra sobre isso, e sua fisionomia de repente se fechou. Também recusou
qualquer referência a Mabruka, a única a não usar uniforme dentre todas que
viviam à sombra do Guia, mas cuja importância na organização do séquito feminino
todos conheciam.
– Não quero estar associada a nada disso. Meu salário irrisório [832 dinares por
mês, cerca de quinhentos euros] demonstra que eu não tinha nada a ver com o
bando e com os negócios das guarda-costas!
Num estranho gesto, ela de repente tirou da orelha um pequeno brinco e me
mostrou.
– Vê? Nem é de ouro! Muitas guarda-costas fizeram fortuna. Já eu não tenho
nada. – Nem mesmo a liberdade.
O que lhe restava era a honra, disse ela. O orgulho de ter içado bem alto as
cores da bandeira líbia. Invocava sua constante lealdade ao chefe e ao exército
durante a última guerra. E conscienciosamente obedecera às ordens e combatera a
insurreição. "Profissionalmente", como ela sempre reivindicava. Nem sombra de
arrependimento. O diretor da prisão, um rebelde que insistiu para que mais tarde
eu visitasse o sinistro mausoléu de Zauia, dedicado aos mártires da revolução,
tinha uma visão bem diferente. Ele a acusava de ter torturado e matado
prisioneiros. Enquanto a maior parte das mulheres-soldado tinha sido libertada,
Aisha, capturada em 21 de agosto, ainda esperaria um bom tempo para ser
julgada.
– A situação das mulheres militares de Kadafi era triste e patética – disse-me a
vice-ministra do Bem-Estar Social, Najwa al-Azrak, que prepara um dossiê sobre as
amazonas. – A Academia Militar era para o Guia um mero ardil para ter acesso às
mulheres. Depois, à medida que encontrou outros meios para isso, desinteressouse pela academia e a escola entrou em declínio.
Todavia, durante a guerra civil, o regime agonizante mobilizou grande número
de mulheres-soldado, que até então tinham sido negligenciadas e mantidas nas
casernas. Algumas foram enviadas às frentes de combate com soldados
mercenários, entre os quais também havia mulheres. Outras, durante o cerco a
Trípoli, foram divididas entre os vários postos de controle da cidade, com o intuito
de checar identidades e veículos, ou então foram transferidas para a humilhante
situação de gerir, à base de apitos, as longas filas de espera por combustível.
Marionetes de Kadafi. Símbolos de seu regime. Odiadas pela população e pelos
rebeldes. Houve as que desertaram, e, traídas ou denunciadas, sua adesão à
insurreição acabou lhes custando a vida ou lhes valendo um estupro. Como
também houve aquelas que foram conduzidas em grupo a locais próximos das
frentes de batalha para "satisfazer os desejos" dos batalhões masculinos.
O destino da maior parte das guarda-costas de Kadafi corre o risco de continuar
desconhecido. Corpos encontrados nos escombros de Bab al-Azizia parecem indicar
que muitas foram liquidadas em agosto, nas horas derradeiras do regime. No
momento da queda e da fuga desesperada do Guia, elas se tornaram inúteis.
VOCÊ ESTÁ LENDO
No Harém De Kadafi
Mystery / ThrillerA história real de uma das jovens presas do ditador da Líbia.