4 Ramadã

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  Um dia, fiquei sabendo que Kadafi e sua comitiva sairiam em viagem oficial a

Dakar e eu não estava intimada a ir. Que alívio! Durante três dias, sem nenhum
impedimento, pude ir e vir entre meu quarto e a cafeteria, onde encontrava Amal e
algumas outras garotas, entre elas Fathia, que haviam permanecido de guarda em
Bab al-Azizia. Elas fumavam, tomavam café e papeavam. Já eu permanecia em
silêncio, à espreita da menor informação sobre o funcionamento daquela
comunidade desajustada. Mas, infelizmente, elas não diziam nada de substancial.
Apenas fiquei sabendo, por acaso, que Amal podia sair de Bab al-Azizia durante o
dia com um motorista. Aquilo me deixou estupefata. Ela era livre... e ainda
voltava? Como era possível? Por que não fugia, como eu sonhava em fazer a cada
instante, desde que me vira cercada por todos aqueles muros? Havia tantas coisas
que eu não sabia.
Descobri também que a maioria das garotas, consideradas "guardas
revolucionárias", usava um crachá de identificação, que eu tomara por uma
insígnia, mas que era um verdadeiro documento de identidade. Trazia a foto,
nome, sobrenome e o título "Filha de Muamar Kadafi" em letras garrafais, logo
acima da assinatura do Guia e de uma pequena foto dele. O título de "filha" me
parecia extravagante. Mas era evidente que tal crachá funcionava como uma chave
para se deslocar nos limites das muralhas e mesmo para sair para a cidade,
abrindo numerosas portas de segurança guardadas por soldados armados. Bem
mais tarde, vim a saber que ninguém tinha dúvida quanto à condição dessas
"filhas" e sua verdadeira função. Mas elas tinham o crachá. E é bem verdade que
passavam por putas. No entanto, veja bem, eram as putas do Guia supremo. E isso
lhes conferia respeito aonde quer que fossem.
No quarto dia, a comitiva estava de volta, e o subsolo em ebulição. Na
bagagem, o Guia trouxera muitas africanas, umas bem novas, outras mais velhas,
maquiadas, com decotes profundos, de túnica ou jeans colado ao corpo. Mabruka
fazia as honras da casa e nos apressava para ajudar.
– Amal! Soraya! Sirvam o café e os bolos.
Ficamos entre a cozinha e os salões, desviando das garotas risonhas e
impacientes para ver o coronel. Ele continuava em seu escritório, recebendo alguns
emissários africanos que pareciam importantes. Quando eles foram embora, vi as
garotas subirem ao quarto do Guia, uma após a outra. Eu olhava de longe, mal me
contendo da vontade de dizer: "Cuidado, ele é um monstro!", mas também: "Me
ajudem a sair daqui!" Mabruka notou meu olhar e pareceu contrariada por termos
continuado ali, uma vez que ela já tinha mandado Faisal servir as convidadas.
– Cada uma para o seu quarto! – ordenou, batendo as mãos de forma bastante
seca.
No meio da noite, Salma veio me procurar e me levou até a porta do meu
"mestre". Ele me fez fumar um cigarro, depois outro e mais outro, até que... Que
palavra posso usar? Era tão degradante. Eu não era mais que um objeto, um
buraco. Eu cerrava os dentes e temia os golpes. Depois ele botou uma fita cassete
de Nawal Ghachem, a cantora tunisiana, e exigiu que eu dançasse, mais e mais,
dessa vez completamente nua. Salma chegou e lhe disse alguma coisa, então ele
falou:
– Pode ir, meu amor.
O que teria dado nele? Ele nunca havia se dirigido a mim de outra forma senão
com insultos.
Uma policial de vinte e três anos, de baixa patente, se instalou no meu quarto
no dia seguinte.
– Esta é Najah – disse Mabruka. – Ela vai passar dois dias com você.
A garota parecia legal, direta, um tanto insolente. E estava ávida por falar.
– Você sabe que são todos cafajestes, né? – ela começou na primeira noite. –
Nunca vi cumprirem nenhuma promessa. Já faz sete anos que estou com eles, e
até agora nenhum reconhecimento! Não ganhei absolutamente nada! Nada! Nem
ao menos uma casa!
Desconfie, eu dizia a mim mesma. E, principalmente, não se envolva. Pode ser
uma armadilha. Mas ela continuou, em um tom cúmplice, e eu me deixei levar.
– Fiquei sabendo que você é a menina que chegou faz pouco tempo. Já se
acostumou com a vida em Bab al-Azizia?
– Você não faz ideia de como sinto falta da minha mãe.
– Vai passar.
– Se ao menos eu pudesse falar com ela...
– Ela logo vai saber o que você faz aqui.
– Que conselho você me daria?
– O único conselho que posso te dar é o de não ficar aqui.
– Mas eu sou prisioneira, não tenho escolha!
– Eu fico dois dias, durmo com Kadafi, isso me rende uns trocados, então volto
para minha casa.
– Mas eu não quero mais isso! Não é a minha vida!
– Você quer sair? Seja inconveniente! Resista, faça barulho, crie problemas.
– Eles me matariam! Sei do que são capazes! Quando eu resisti, ele me bateu
e me violentou.
– Pois saiba que ele gosta das rebeldes.
Logo depois, ela colocou um filme pornô e se esticou na cama comendo
pistaches.
– A gente tem sempre que aprender, sabe? – disse, me encorajando a assistir
com ela.
Aquilo me deixou perplexa. Aprender? Mas ela não tinha me dito para resistir?
Preferi dormir.
Na noite seguinte, nós duas fomos convocadas a ir ao quarto do Guia. Najah se
mostrou bastante empolgada com a ideia de revê-lo.
– Por que não põe uma lingerie preta? – ela me sugeriu antes de subirmos.
Quando abrimos a porta, ele estava completamente nu, e Najah pulou em cima
dele.
– Meu amor! Senti tanto a sua falta!
Ele demonstrou satisfação.
– Então vem, vadia! – Depois se dirigiu a mim, furioso: – Eu detesto essa cor.
Sai! Vai já se trocar!
Eu me lancei escada abaixo, vi que Amal estava em seu quarto e filei um
cigarro dela. Quando cheguei ao meu, fumei. Foi a primeira vez em que tomei a
iniciativa de fumar. A primeira vez em que senti necessidade. Mas Salma nem me
deu tempo.
– O que você está fazendo? Seu mestre está esperando!
Ela me fez entrar no quarto de novo, bem no momento em que Najah repetia
meticulosamente as cenas do vídeo.
– Põe a fita e dança! – ordenou Kadafi.
Então ele pulou da cama, rasgou minha camisola e me prensou no solo, me
penetrando brutalmente.
– Agora sai! – disse logo em seguida, me dispensando com um gesto. Saí com
o corpo cheio de hematomas.
Quando Najah voltou para o quarto, perguntei-lhe por que me sugerira uma cor
que ele detestava.
– Que estranho – ela respondeu sem me encarar. – Geralmente ele adora
preto. Talvez tenha achado que não ficou bem em você... Mas no fundo não era
isso que você queria? Um artifício para afastá-lo?
De repente me perguntei se haveria ciúme entre as garotas de Kadafi. Que
ideia maluca. Se elas soubessem...
Acordei na manhã seguinte com vontade de fumar. Encontrei Amal, que bebia
café com outra moça, e lhe pedi um cigarro. Ela pegou seu celular e fez um pedido:
– Você poderia nos trazer uns maços de Marlboro light e de Slims?
Eu não conseguia acreditar que pudesse ser tão simples! Bastava chamar um
motorista, que se encarregava da tarefa, deixando as compras na garagem, onde
algum dos empregados da casa ia apanhá-las.
– Não é bom na sua idade – disse-me Amal. – Não caia na armadilha do
cigarro.
– Mas você também fuma. E temos a mesma vida!
Ela me olhou demoradamente, com um sorriso triste.  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora