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  As modelos certamente estavam presentes nas fantasias do ditador. Em um
país onde pelo menos noventa e cinco por cento das mulheres são vítimas de
estupro, ele não deixava de organizar desfiles de moda por ocasião de festas,
festivais ou mesmo cúpulas políticas. O estilista nigerino Alphadi, apelidado de
Mago do Deserto e conhecido como porta-estandarte da moda africana, devota-lhe
reconhecimento eterno.
– Ah, posso dizer que Kadafi me apoiou – contou-me o designer. – Ele me dava
muito dinheiro, mandava aviões, subsidiava meus desfiles. Tinha muita fé na
África! E todo um comprometimento a serviço de sua cultura, em particular da
moda.
Ele estaria sendo realmente sincero?
– Totalmente! Basta ver como ele me ajudou a lançar o FIRMA, o primeiro
Festival Internacional da Moda Africana, dali em diante reconhecido no mundo
inteiro! Ele me enviava ministros, modelos de seu país. Eu podia lhe pedir qualquer
coisa!
Tudo. O prazer de Kadafi em se relacionar com top models valia muito bem
todos os subsídios e vantagens concedidos ao nigerino.
– Mas então, sr. Alphadi, o senhor não sabia que o Guia era um predador?
O estilista se detém por um instante. Percebo uma súbita hesitação.
– Havia rumores sobre ele e seu séquito. Os líbios são grandes conquistadores,
eu estava ciente dos riscos. Mas eu não mexia com prostituição! E antes de um
desfile em Sirte, por exemplo, eu juntava minhas meninas e dizia: "Agora atenção,
vocês têm de se reunir e contar quantas são. Não saiam sozinhas!" Graças a Deus,
sempre tive todas de volta!
Não havia nada, sobretudo nenhuma convenção, que pudesse refrear a
voracidade do ditador. Em novembro de 2009, seu chefe do protocolo,
definitivamente cheio de recursos, entrou em contato (por meio de sua irmã) com
uma agência de modelos italiana, a Hostessweb, para garantir ao Guia um público
do jeito que ele gostava. Usando como pretexto uma conferência da FAO
(Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) sobre a fome
no mundo, realizada em Roma, Kadafi queria na verdade falar, mais uma vez, a
uma audiência feminina. Avisada em cima da hora, a agência transmitiu um
comunicado via SMS e internet à procura de jovens mulheres com altura mínima de
1,70 metro, belas, bem-vestidas, de salto alto, mas sem minissaia nem decote.
Duzentas se apresentaram no evento em um grande hotel de Roma, acreditando se
tratar de figuração para uma reunião seguida de coquetel, já que receberiam
apenas algo em torno de sessenta euros pela noite. Nenhuma delas podia imaginar
que os ônibus as levariam à residência do embaixador da Líbia, aonde, para sua
grande surpresa, Muamar Kadafi chegou a bordo de uma limusine branca e foi se
juntar a elas para lhes fazer um longo discurso... sobre o islã, a religião "que não é
contra as mulheres". Foi um discurso delirante, com o qual pretendia incitá-las à
conversão e retificar algumas inverdades: "Vocês creem que Jesus foi crucificado,
mas não é verdade, foi Deus quem o conduziu ao céu. Crucificaram outro, parecido
com ele". E as jovens voltaram do encontro com o Corão e o Livro verde nas mãos.
Uma enésima provocação? A imprensa e políticos italianos ficaram nervosos
com o ocorrido e questionaram quais seriam as reais intenções do ditador. Mas o
diretor da agência, Alessandro Londero, foi categórico: nenhuma das garotas
passou a noite na residência. Ele contou e recontou quantas eram. Tratou-se
simplesmente de uma "noite de apaixonante debate sobre a religião e a cultura
líbias". Debate?
– Certamente! – insistiu Londero quando o contatei em Roma, por telefone. – O
Guia percebia o desconhecimento e a incompreensão em relação a seu país. E a
vontade dele era uma só: aproximar as culturas e instaurar um diálogo entre a
juventude da Líbia e a do Ocidente. Pediu ao público que lhe fizesse perguntas e as
respondeu de maneira paciente e pedagógica. E posso lhe assegurar que foi uma
experiência única para todas aquelas jovens!
O islã?
– Ah, ele era esperto! Ele duvidava que seu apelo resultaria numa avalanche de
conversões. Mas sabia que a repercussão na mídia seria enorme.
De fato, a experiência se repetiu por quatro noites, e mais de mil belas jovens
compareceram – o diretor acrescentou ter havido também alguns rapazes e garotas
"normais" –, servindo como um público dócil ao ditador. Algumas delas, raras,
disseram-se prontas a abraçar o islã e passaram números de telefone, prontamente
anotados pelo pessoal de apoio. Mas o Guia não parou por aí. Laços sólidos foram
mantidos com a agência, permitindo que ela organizasse uma dezena de viagens à
Líbia, em grupos de doze a vinte e seis pessoas. As estadas, todas pagas, tinham o
intuito de "aprofundar-se na cultura e no modo de vida líbios". Eram férias
maravilhosas, conta uma das jovens, uma atriz anglo-italiana, radiante por ter
tomado café da manhã com o Guia (leite de camela e tâmaras) em uma incursão
pelo deserto, persuadida de que, sem dúvida, "as mulheres são mais bem tratadas
na Líbia que em qualquer outro lugar do mundo".
Algumas ficaram tão convencidas disso que participaram, em Roma, das
manifestações contra os ataques da OTAN, e um pequeno grupo, liderado pelo
diretor da agência, viajou a Trípoli, às suas próprias expensas e em pleno agosto
de 2011, para manifestar apoio a Kadafi e fazer frente às bombas. Uma estada da
qual Alessandro Londero retornaria transtornado, trazendo na bagagem um pedido
de ajuda, confiado a ele por Abdallah Mansur, escrito em 5 de agosto por Kadafi e
direcionado a Berlusconi, pouco antes de o Guia fugir às pressas de Bab al-Azizia.
O diretor de uma agência de modelos como último mensageiro de um ditador
em fuga... Sem dúvida uma ironia da história. 

  Nota
* Mercado tradicional ou feira periódica, na maioria das vezes de ocorrência semanal, típica dos países árabes. (N. do T.)

**Comemoração que celebra o nascimento de Maomé. (N. do T.)  

No Harém De KadafiOnde histórias criam vida. Descubra agora