Capítulo 1 JULIA

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Depois de passar horas viajando, táxi, avião, ônibus e depois táxi novamente, cheguei hoje, para visitar minha mãe, passar alguns dias com ela que já está em uma idade avançada.Sou Julia, meus amigos me chamam Ju, tem sido assim desde sempre. Não há muito que falar sobre mim, além de chata, perfeccionista e fresca. Tenho a pele clara, olhos e cabelos castanhos, lisos, finos e na altura dos ombros, hoje já com alguns fios brancos, que parece ter sido feito luzes. Sou baixinha, isso mesmo, qualquer pessoa com menos de um metro e setenta centímetros é baixa. Quando era adolescente,sentia-me complexada, visto que minhas amigas todas podiam jogar vôlei ou basquete, no time do colégio, enquanto que eu tinha de me contentar em jogar escravo de jó. "Escravo de jó, jogar no canchangá. Lembra-se da musiquinha? "Escravo de jó, jogar no canchangá tira, bota, deixa ficar,guerreiro com guerreiro fazem zigue zigue zá." Enquanto minhas amigas estavam nas quadras, eu lia, ouvia música e dançava. Desde menina que minha paixão era os livros, a música e a dança. Fiz balé clássico até me casar aos dezoito anos, mas continuei com o piano, violão e bateria. Depois de casada, e no decorrer dos anos, também aprendi, guitarra, saxofone e violino.Voltei a dançar também, com Jazz, sapateado, dança de salão, dança do ventre e mais recentemente, poli dance e canto. Passei a minha vida, não apenas sendo esposa, mãe e dona de casa. Aliás, esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque, nunca foi uma opção para mim. Estudei muito, não apenas para ter e exercer uma profissão, mas também para ter conhecimentos nas coisas que amava,quais sejam, literatura, música e dança. Sempre fui da teoria que saber não ocupa espaço.

Jamais me apresentei em público, ou tive qualquer pretensão disso, no que tange às minhas paixões, poucas são as pessoas que sabem dessas, digamos, minhas habilidades. Também estudei alguns idiomas, fiz e ainda faço defesa pessoal. Isso, apenas como exercício físico, além claro, de no caso de necessidade. Como também por conta de necessidade e em razão do meu trabalho, aprendi a manusear uma arma. Nos dias de hoje, com a violência que estamos tendo e vendo, nunca se sabe quando vamos precisar.

Fizeram as contas, sim tenho quase sessenta a anos, filhos, netos, e um casamento que durou quase trinta e sete anos. Hoje sou viúva, meu marido se foi há pouco mais de um ano. Quando se vive uma vida inteira com uma pessoa, e ela se vai, fica um vazio muito grande. Tive um bom casamento, com altos e baixos como qualquer relação. No início, há uma grande paixão, depois passa a ser amizade e respeito, mas com lealdade. Tornamo-nos, amigos, parceiros, cúmplices, mas ainda com desejo, tesão e fogo. Acho que tudo isso pode ser chamado de amor. Não aqueles que vemos nos filmes, novelas e romances. Mas, um sentimento maduro, estável, com base no respeito e confiança. Também não se pode, ou pelo menos no meu caso, não dá para dizer que ele era minha alma gêmea, como dizem por aí. Eu particularmente, não acredito que isso exista, porque, se de fato existe alma gêmea, a minha está perdida por aí, ou então não reencarnou.

Nós pessoas com idade de cinquenta e ou sessenta anos ou mais, temos o desprazer de nos depararmos com o preconceito. Isto porque, o preconceito é uma coisa constante em nossos dias, em nossa sociedade. As pessoas acham um avilte quando veem um casal onde o homem é afro descendente e a mulher é caucasiana e vice-versa, sentem-se agredidas, afrontadas, bem como com casais do mesmo sexo, são imorais, uma afronta à sociedade, acham que homens e mulheres quando atingem a casa dos cinquenta ou sessenta anos nos, deixam de ter serventia, tornam-se inúteis, descartáveis. Pessoas maduras, que estudaram e trabalharam durante anos, aprimorando seus conhecimentos, são descartadas do mercado de trabalho, por serem consideradas "velhas".

Não se leva em consideração, a experiência, a maturidade, a responsabilidade e compromisso que essas pessoas têm. O que podem ensinar, mas também o que ainda têm a aprender. Também perdem o direito de amar e serem amados, de sentirem desejo, tesão, de gostarem e sentirem necessidade de sexo. Se um homem mais velho se relaciona com uma mulher mais jovem, até batem palmas, porem quando é o contrário, todos atiram pedras e a mulher é taxada de imoral, ridícula ou papa anjo, ou as três coisas. Machuca, enoja saber que existem pessoas ainda tão presas em seu próprio mundo, em padrões, modelos e estereótipos preconcebidos por uma sociedade essencialmente machista e preconceituosa. Não dá para entender que em pleno século vinte e um, com todas as conquistas sociais, tais como, da mulher especificamente, seja no campo profissional como na política, do reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda haja esse tipo de mentalidade com relação a modelos de relacionamentos arcaicos. Não vou dizer que só porque fiquei com a mesma pessoa por mais da metade da minha vida, que deixei de me cuidar, de me sentir feminina, ter as minhas vaidades. Lógico que os sinais do tempo são visíveis. Mas, confesso que ainda tenho meus encantos.

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