Minha Oportunidade de Ser Feliz - I

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- Ian Avery! - eu poderia ignorar qualquer chamado que fosse sobre o meu pai.
Fingir que não era da minha conta e assistir no que ele se tornaria, sem a minha ajuda onde ele iria, como sobreviveria. E o melhor de tudo, como eu estaria?

- Eu mesmo! - ele não precisou me listar quais cuidados eu deveria ter com o homem caído ao chão sobre uma poça do próprio vômito, pois eu já sabia de cor e salteado.

Deduzi que se tratava do segurança de algum bar, que deve ter recolhido o meu pai no ápice da sua humilhação. Bem no fundo do poço.

- Quando essa merda vai acabar... - sussurrei para mim mesmo.

Era o meu primeiro dia na faculdade, que provavelmente não seria o mais fácil. Eu era um homem de vinte e cinco anos, começando a vida acadêmica cercado de jovens de dezoito recém saídos do ensino médio. A maioria deles de uma família boa, diferentemente do meu caso, não precisaram trabalhar por anos até conseguir juntar um dinheiro para estudar.

Eu odiava que aquelas pessoas tivessem tanto dinheiro e tanto poder, ao ponto de não saberem como usar, ao passo que pessoas como eu tinham que lutar em dobro para conseguir um terço do que eles tinham sem esforços.

- Ian... - o meu pai reclamava pela água gelada que eu derramei sobre seu corpo quase inconsciente.

- Iasmin! - a minha irmã surgiu pelo vão da porta com a mesma expressão de frustração que eu sentia. Eu a compreendia perfeitamente.

Ela me ajudou a limpar a bagunça que ele tinha feito. Mais uma vez. Eu lamentava ter que fazê-la passar por situações como aquela tantas vezes. O fato era que eu não fazia ideia de como me livrar daquele fardo. E não me sentia culpado por enxergar o meu pai como um peso, porque de fato ele era.

- Você não tem que ir? - olhei pelo relógio no pulso e julguei que me atrasaria. Tínhamos um carro velho que passava a maior parte do tempo numa oficina. Uma das poucas coisas que restou de quando o meu pai era um homem admirável. - Pode deixar comigo.

Aquele dia era o único que não poderia dar errado. Não podia me permitir ver tudo ir por água a baixo.

Obviamente o maldito carro não ligou. E como Deus sempre estava do meu lado, cheguei a tempo de pegar um ônibus até o campus.

Talvez ficasse o questionamento do porquê eu vivia como uma babá do meu pai. Além do fato dele ser a única pessoa que cuidou de mim e da minha irmã. O dilema moral me segurava fortemente naquela prisão. Eu não podia deixá-lo para trás porque não conseguiria caminhar para frente.

E também, dentre todos os outros motivos, existia o fato de que no fundo eu compreendia ao menos um pouco, o motivo dele ter se tornado uma pessoa tão quebrada.
Em um passado não muito distante, o meu pai dava a vida em trabalhos desumanos para dar um mínimo de conforto possível para a família. Minha mãe, minha irmã e eu. Não era a melhor vida de todas, mas podia se enxergar a quilômetros de distância o tamanho do esforço que ele fazia. O meu pai era além de tudo, o nosso protetor.
Em um dia que poderia ser só mais um, quando ele chegou em casa tudo havia mudado. A minha mãe havia fugido e levado tudo o que pode carregar consigo, desde o dinheiro à bens matérias. Ela nos deixou sem olhar para trás.

Ele sobrevivia os dias como um indigente, sem razões para levantar. Esquecendo-se que ainda estávamos ali. Minha irmã e eu tivemos que cuidar um do outro mesmo tão jovens, e assumimos a responsabilidade pelo homem que deveria cuidar da gente.

O ônibus parou na frente do enorme prédio que sediava a maior Universidade do país inteiro. Parecia um sonho impossível se realizando naquele momento.

"Estou indo pro curso, papai ficou sozinho."

Recebi a mensagem da minha irmã, que certa forma me tranquilizou. Não queria deixar tanta responsabilidade em cima de alguém tão jovem, mas ao mesmo tempo me lembrava de que não era justo com nenhum de nós dois.

Müller - Contos de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora