Esperança - I

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Todas as noites eu costumava caminhar pela areia do mar, apreciando a beleza e respeitando o perigo que representava mantendo distância. Havia muitas histórias dentro daquele imenso azul. Minha infância, adolescência e todas as coisas boas da vida que passei foram assistidas e levadas pelo mar.

Minha mãe dizia que eu perderia e ganharia coisas importantes na vida, que o meu amor seria encontrado num dia comum, nada de grandes acontecimentos e nem conspirações do universo. Um dia comum como esses que todo mundo tem. Um dia como aquele. Era sempre o que eu pensava quando saía de casa, mas nunca nada de tão impressionante acontecia. Não até aquele momento.

Mas não pensei na velha lenda quando ao lado direito da casa onde morava, enquanto caminhava atirando as pedras na água, avistei um corpo se arrastando pesarosamente até estar longe o suficiente do oceano. Corri com tanto desespero para me aproximar que perdi os sapatos durante o percurso. Quando me ajoelhei ao lado do corpo deparei-me com um homem de cabelo e barba compridos, completamente sujo e tremendo, gritei por socorro, mas a casa mais próxima dali ficava a cinco quilômetros. Odiei morar tão longe naquele momento mesmo havendo tantos privilégios na maioria das vezes.

Tive que usar toda a minha força para arrastá-lo até a minha casa, e quando finalmente consegui colocá-lo em cima da cama já tinham se passado mais de trinta minutos. O homem despejou quase um litro de água pela boca, tossia com força que tremia. Em todos os anos em que morei ali nada daquilo nunca tinha acontecido. Havia sempre um turista que se perdia do grupo e perambulava por lá, mas nada que não durasse poucos minutos. Logo alguém aparecia e levava, mas o tempo passava e nada aconteceu.

Esperei durante toda a noite ao lado da cama, mas ele não acordou. O sol ainda nem tinha dado as caras quando saí de casa a procura de um médico. Uma viagem de quase uma hora de bicicleta. Os cachorros da rua me acompanharam até a casa do Dr. Dorian, como sempre faziam, zelando pela minha proteção. O Dr. Ethan Dorian era um homem estrangeiro, o único branco residente naquele lugar, que atendia as pessoas da vila sem cobrar nada. Era visto como um santo pelas senhoras das proximidades, e tinha quem desse a vida por ele.

- Ethan. – bati desesperadamente na porta de madeira da casa. Era uma das maiores da ilha, demorou para que ele viesse atender. O homem estava de torso nu, vestido apenas de uns shorts de malha e com uma xicara de café nas mãos.

- Arya? – pisquei algumas vezes, minha garganta estava seca por conta do nervosismo. Só conseguia pensar no desconhecido semimorto na minha casa. 

- Ethan, eu preciso da sua ajuda. Preciso da sua ajuda. – as palavras saíram com uma certa dificuldade.

- O que houve? Você está bem?

Segurei-o pelo braço e o puxei para fora, tentando correr mas o homem tinha mais força do que eu.

- Ele vai morrer, você precisa vir comigo. – Ethan não perguntou muita coisa. Às pressas, o médico vestiu uma roupa, pegou tudo o que precisava e colocou numa maleta. Tinha uma caminhonete velha que usava para atender as vilas mais distantes. Coloquei a bicicleta atrás, e entrei no carro.

Fizemos uma viagem silenciosa até a minha casa, ignorando a tensão que se instalava sempre que estávamos no mesmo ambiente, a situação não dava margem para nenhum tipo de constrangimento. Chegamos em casa mais rápido do que eu esperava. Corri para o meu quarto como se minha vida dependesse daquilo. Um susto cegou-me por uns instantes ao olhar para cama e constatar que ele não estava lá, corri meus olhos desesperada pelo quarto, mas durou poucos segundos quando virei o rosto e o encontrei sentado no chão do quarto, com a cabeça entre as pernas e falando baixinho e de forma incompreensível. Estava suado e provavelmente com febre. O Ethan entrou logo que o chamei.

Müller - Contos de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora