A Melhor Parte de Mim - I

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Jason Müller


Eu sempre odiei shoppings, cinemas, restaurantes e tudo que envolvia muita gente reunida no mesmo lugar. Até mesmo quando a minha mãe fazia uma enorme fila dos vários filhos que tinha para os passeios de fim de semana que ela gostava de fazer. Quando se reunia com as irmãs para levarem as crianças no parquinho da cidade, aquilo me deixava com os nervos à flor da pele. Com seis anos de idade!

No momento em que coloquei os pés dentro do grande Shopping Center J. C. Wainer o incômodo já tomou conta de mim. O amontoado de lojas e pessoas com sacolas esbarrando umas nas outras e saindo sem pedir desculpas era o fim da tranquilidade para mim. Me irritava profundamente, mas desde que eu tinha tomado a decisão, ainda adolescente, de tomar a frente do Müller Group tudo na minha vida tinha mudado, inclusive as minhas vontades. Eu não controlava nem mesmo o tempo que eu dedicava às pessoas. Tinha me tornado um outro alguém, não vivi minha adolescência como uma pessoa normal, passei todo o meu tempo livre ouvindo o meu avô Jorah falar sobre como tinha orgulho da decisão que eu tinha tomado sobre o meu futuro, e seguir com o legado da família. Me lembrava perfeitamente de quando via os meus irmãos e primos brincarem no jardim enquanto eu me sentava aos pés do meu avô e ouvia tudo o que ele tinha para me ensinar. Um dos grandes motivos de eu não ter desistido de tudo era o fato de amá-lo demais para tal. Todos os dias quando nos encontrávamos eu me sentia muito sortudo por ter sido um dos poucos a desenvolver interesse pelo nosso império. Ele vivia a velhice tranquilamente ao lado da nova netinha, e tudo aquilo porque confiava em mim cegamente para deixar tudo nas minhas mãos. E eu honrei aquilo.

Enquanto subia as escadas rolantes do shopping para ter acesso ao segundo piso fiquei observando as pessoas. Era um hábito antigo que eu não lembrava de quando tinha adquirido.

Não esperava nada daquele dia, não tinha como esperar, era uma terça-feira comum do mês de outubro, me lembro de ter conversado com o meu pai sobre o que deveria dizer ao Roland Wainer para sair com o negócio do ano fechado daquele shopping. Havia responsabilidade demais no que eu estava fazendo, muita confiança estava em jogo, e eu tinha muita noção daquilo, porém meus olhos pararam de correr por todo o local e focaram somente em uma pessoa, uma única pessoa no meio de centenas. Uma mulher, aparentava ser muito jovem, passou pela minha frente entretida entre não deixar os óculos caírem e nem a mochila que trazia nas costas. Desengonçada era a palavra correta para defini-la. Foi muito rápido e completamente despretensioso. Se me dissessem minutos antes que aquela seria a mulher da minha vida eu teria rido e ignorado completamente.

Completamente.

De todas as coisas possíveis aquela estava com certeza no meio das impossíveis. Não havia motivos para eu ter tomado a decisão que tomei. Não sabendo de tudo que estava em jogo. Me senti como se naquele momento um outro Jason estivesse tomando o controle de tudo e me deixado preso em algum lugar, apenas observando e sem direito de opinar.

Vi quando a moça entrou numa das muitas lojas do shopping, mas o que me chamou atenção foi o fato de ser uma loja de lingeries. De todos os gostos e tamanhos possíveis. E por algum motivo que demorei a descobrir, eu fui atrás dela. Antes disso olhei ao redor, apertei a alça da pasta entre os dedos e caminhei lentamente até a porta da loja. Por dentro havia uma batalha interna entre os meus dois eus. O que era racional e achava aquilo ridículo demais, e outro que por alguma razão tinha despertado um interesse inexplicável pela moça.

Ela era uma garota ainda, usava óculos  pretos com lentes grossas, os cabelos crespos armados para cima, como os famosos Black Power que em outro momento eu chamaria de falta de pente. Tinha uma estatura pequena, aparentava ter entre dezoito a vinte anos, e a pele tão escura que destacava em qualquer lugar. Eu não me envolvia com uma mulher como ela há muitos anos.
Da minha parte não havia preconceitos, tudo fazia parte de um processo de superação, eu diria, que perdeu completamente o sentido naquele exato momento.

Müller - Contos de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora