Desejo Ardente

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Decisões difíceis faziam parte da minha vida desde que me entendia como pessoa. Estava bem familiarizada em ter que escolher dar o passo mais difícil da vida por um bem maior, mesmo que depois não fizesse sentido.

Cuidar de dois irmãos e uma mãe com câncer tinha me levado naquele exato momento da minha vida onde eu achava que me submeter ao mais sórdido tratamento fosse valer a pena no final. Nem sempre valeu.

Eu tinha sido demitida do meu último emprego, onde dediquei oito anos da minha vida, os quais depois eu entendi que foram desperdiçados a toa. Em todos aqueles anos trabalhando numa micro empresa de lavanderias, eu nunca tinha deixado de ser a recepcionista. Aumentos ridículos a cada dois anos e benefícios tão mesquinhos que mal suprimiam as minhas necessidades básicas. O que aconteceu foi que o meu então chefe, ao descobrir a doença da minha mãe, presumiu que eu me tornaria um peso por ter que acompanhá-la nos tratamentos que iniciariam. No fim ele me fez um favor sem perceber.

Sem perspectiva nenhuma eu andava pelas ruas do maior bairro da cidade, entregando currículos pela quarta vez nos mesmos lugares, na esperança de que talvez eles me notariam daquela vez. Mas estava sendo mais uma vez tola. Um anúncio de emprego em luzes neon chamou a minha atenção.

"Contrata-se garçonete em bar noturno"

Logo mais embaixo estava as informações do endereço e o número para entrar em contato. Imediatamente e sem pensar peguei o meu telefone e procurei pelo endereço, ficava a duas quadras de onde eu estava e alguns minutos depois eu estava na frente do prédio com uma enorme placa cintilante, onde aparecia quais seriam as apresentações daquela noite. A porta de entrada estava fechada, mas depois de algumas batidas um jovem de menos de vinte e cinco anos me atendeu. Ele tinha o cabelo platinado, mascava um chiclete e parecia naturalmente animado.

- Você veio pela vaga? - ele não esperou a minha resposta e pegou pela minha mão. - Por favor, me diga que veio pela vaga.

Antes de responder meus olhos correram pelo local. Era grande e bem iluminado, havia um palco redondo no centro com um pole dance de aço inoxidável, brilhante e alto, ao redor haviam mesas com cadeiras, do outro lado havia um outro palco que presumi ser para as apresentações musicais. O bar era de uma ponta a outra, com inúmeras cadeiras. Havia todo tipo de bebida possível naquele lugar, eu não entendia nada sobre álcool, mas pela beleza do ambiente, parecia ser um local de requinte e frequentado por pessoas com dinheiro.

- Oi? - percebi que o rapaz balançava o dedo indicador na frente do meu rosto.

- Ah, desculpe, o que dizia?

- O salário não é dos melhores, mas o horário é ótimo, ajustável quando você precisar. Você precisa atender as mesas e ajudar no bar quando está muito cheio, os clientes sempre dão ótimas gorjetas e tem vale transporte e um ticket alimentação.

Ele parecia desesperado por alguém, e eu estava desesperava por emprego. Aceitei sem pensar muito. E tudo aconteceu muito rápido, ele me apresentou a algumas pessoas e imediatamente assinei alguns papéis. Começaria as dezoito horas e o meu turno terminava a meia noite.

Foi um primeiro dia terrível, não pelo trabalho ser ruim completamente. Mas o fato de aquilo ser tudo novo e para o resto das pessoas era a coisa mais fácil do mundo. Eu servi mesas e escutei homens falarem bobagens a noite inteira, e quando acabou eu agradeci por ainda poder pegar um ônibus para casa.
Seria uma rotina extremamente cansativa, me imaginava repetindo aqueles mesmos passos por sabe-se Deus quanto tempo e já me sentia exausta.
Durante toda a primeira semana de trabalho eu só tive que servir mesas e aprender nomes de bebidas, tinha me saído tão bem que nem parecia estar desmaiando de cansaço.
E o pior de tudo aquilo era que ao chegar em casa não havia muito como descansar, meus irmãos contribuíam com o trabalho como podiam, mas eu preferia que o estudo fosse prioridade deles, visto que eu não tive como fazer o mesmo. A minha mãe ficava numa cama hospitalar no meio da sala, a dosagem de remédios noturna ficava por conta dos meus irmãos, e quando eu chegava precisava verificar se tudo estava bem.

Müller - Contos de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora